Arquivo mensal: Dezembro 2015

Sheila Chandra – “The Zen Kiss”

Pop Rock

18 de Maio de 1994
WORLD

Sheila Chandra
The Zen Kiss

Real World, distri. EMI-VC


sc

O título é uma metáfora para um estado físico e psicológico, leia-se religioso, que Sheila Chandra diz sentir no acto de cantar. Na linha do anterior “Weaving My Ancestor’s Voices”, “The Zen Kiss” é uma exploração e apropriação de determinadas técnicas vocais . tradicionais e contemporâneas – que têm por objectivo a unificação do corpo e da vibração musical num todo. “A capella” ou apoiada em “drones” electrónicas, neste caso prolongando certos estilos vocais indianos de forma semelhante a Noirin Ní Riain, por exemplo, com o seu “surpeti”, em “Vox de Nube”, Sheila Chandra opera segundo um misto de intuição e esquematização quase matemática. A espontaneidade é apenas aparente quando verificamos o trabalho de “colagem” naturalista presente nos dois temas intitulados “Speaking in tongues”, nos quais esta cantora inglesa de origem indiana junta ritmos e onomatopeias decalcadas de anúncios de televisão, a transposição para a voz de padrões rítmicos de tablas e mrdingam indianos e estilos vocais da tradição céltica. As ornamentações vocais integram, por outro lado, elementos celtas, búlgaros, islâmicos e andaluzes. Distante do registo mais acessível que a levou aos “tops” com os Monsoon, Sheila Chandra mostra em “The Zen Kiss” ser uma cantora para quem o canto significa algo mais do que uma boa melodia. Mas, por outro lado, esse desejo de aventura esbarra com a vontade de não querer chocar. E assim, em vez de uma Meredith Monk ou Shelley Hirsch de pendor tradicionalista, temos antes uma Enya vanguardista bem resguardada numa produção “new age”. (7)



Den Fule – “Lugumleik”

Pop Rock

18 de Maio de 1994
WORLD

SUÉCIA, SEGUNDA INVASÃO

DEN FULE
Lugumleik

Xource, import. MC-Mundo da Canção


df

Nos dias que correm, a música da Suécia arrisca-se a ser injustamente considerada sinónimo dos Hedningarna, banda que rebentou no ano passado em Portugal com o álbum “Kaksi” e uma actuação demolidora nos “Encontros”. De facto, os Hedningarna são a ponta incandescente do “iceberg” e a guarda avançada da grande invasão nórdica (cuja primeira vaga “progressiva” ocorreu de facto, se alguns bem se lembram, há largos anos com grupos como Burnin’ Red Ivanhoe, Tasavallan Presidentti e Wigwam…), que o PÚBLICO de resto já anunciara e até agora se concretizara através da distribuição portuguesa dos álbuns de Möller, Willemark & Gudmunsson (“Frifot”), Värttina (“Oi Dai”) e Niekku (“Niekku 3”), a par de outros menos interessantes, dos Salamakannel e Angelyn Tytot, e da importação reduzida e a preço elevado do último de Mari Boine Persen, “Goaskinviellja”.
Quanto aos Den Fule, são a proposta mais interessante do novo catálogo sueco, agora totalmente disponível em Portugal, com a designação Xource, caso se trate de edições de álbuns novos ou reedições de originais, ou Resource, no caso de compilações. Do primeiro grupo, além dos Den Fule, fazem parte “Maltid”, álbum mítico dos Sammla Mannas Mama, e os dois primeiros trabalhos do teclista Bo Hansson, “Lord of the Rings” e “Magician’s Hat”, mantendo qualquer destes discos uma relação distante com a música tradicional. No lote das reedições encontram-se “Balkanica”, dos Orientexpressen, “Vintervals”, dos Filarfolket, “Deep Woods”, dos Arbete & Fritid, e “Sign of the Raven” dos Norrlatar, todos de audição obrigatória, os menos interessantes “Nights without Frames” dos Ramlӧsa Kvällar, “Electric Mountain” dos Kebnekajse e “The Siberian Circus” dos Lars Hollmer, um dos nomes mais importantes da música nórdica actual, com lugar de honra na Recommended e, nesta compilação, uma apresentação escrita por Fred Frith.
“Lugumleik” é o segundo trabalhos dos Den Fule, a seguir a “Amalthea”, lançado no ano passado. À semelhança de quase todos os discos da Xource/Resource, é um disco de fusão da música tradicional sueca com outros estilos, neste caso um jazz de cariz ambiental e o rock de batida hipnótica. Ao contrário dos Hedningarna, em que o impacte é imediato, a música dos Den Fule insinua-se de maneira progressiva, nos padrões complexos criados pelos saxofones de Sten Kallman e a guitarra, muito na escola de Terje Rypdal, de Henrik Cederblom, estando o desenho das linhas tradicionais a cargo do violino de Ellika Frisell. Tudo apoiado numa secção rítmica brilhante constituída pela baixo de Stefan Bergman (escute-se-lhe o corpo, o detalhe e a fluência em “Pal karls vals”, em diálogo com o sax soprano) e a bateria de Christian Jormin (escute-se-o em “Raddaschotis”, a rivalizar com a memória do seu homólogo francês Christian Vander…)
Em vez da fúria dos Hedningarna, há na música dos Den Fule uma dose maior de sensualidade. As surpresas não acontecem a cada instante como nos autores de “Kaksi”, mas instalam-se confortavelmente, demorando o seu tempo a desenvolverem-se antes de dar lugar a outras ideias e sonoridades. Uma música que se poderá definir como orgânica em comparação com a descontinuidade formal e emocional dos Hedningarna, onde nascem, crescem e morrem os passes de um feitiço, a voz serpenteante da convidada Ingrid Brännstrӧm ou as sugestões irlandesas de uma “slängpolska”. Um poder diferente, capaz de provocar outro tipo de estragos. (8)



Calicanto – “Carta del Navegar Pitoresco”

Pop Rock

18 de Maio de 1994
WORLD

Calicanto
Carta del Navegar Pitoresco

United Project, distri. Etnia


calicanto

Quem se deixou fascinar pela música dos Ciapa Rusa ou dos Baràban deve ser avisado, desde já, de que os Calicanto têm muito pouco a ver com a música daquelas duas bandas do Norte italiano. Enquanto os Ciapa e os Baràban exploram o veio do imaginário celta presente na tradição rural do Piemonte, os Calicanto centram as operações na região do Adriático. Não espanta, por isso, que a sua música tenha o tom festivo de uma Carnaval de máscaras veneziano e as cores sejam mais artificiais (leia-se teatrais) que as dos seus colegas do Norte. À frente dos festejos, surge o acordeão de Roberto Timbesi – com Riccardo Tesi, um dos expoentes em Itália do “organetto” –, o clarinete de Gabriele Coltri (num par de temas substituído pela “piva”, gaita de foles do Nordeste) e a concertina de Corrado Corradi. Os tradicionais, de sabor renascentista, uma pavana e um saltarello, contrastam pela sua delicadeza com os originais do grupo, nos quais pontificam as vocalizações um pouco exageradas, por vezes quase apalhaçadas, do vocalista principal (Corradi? Tombesi?). O que talvez até seja adequado, já que uma das referências óbvias desta “Carta de Navegar Pitoresco” é precisamente a ópera bufa, além da música de circo, o baile “musette” e a influência de Astor Piazzola no estilo acordeonístico de Tombesi. Os Calicanto recuperam a tradição dos saltimbancos e fazem toda a espécie de piruetas para nos atraírem à folia. (7)