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Artigo de Opinião – More República Masónica – “Ácido No Equalizador”

POP ROCK

9 de Outubro de 1996

More República Masónica lançam “Equalizer”

ÁCIDO NO EQUALIZADOR


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Entre “Blow your Mind (with Supersonic Meditation)”, o álbum anterior, e o novo, “Equalizer”, os More República Masónica (MRM) movimentaram-se na procura de um novo som. Para tal, conseguiram os serviços do produtor Marsten Bailey e a colaboração dos convidados Mário Resende, dos Duplex Longa, no violino, Ana Santos e Darin Pappas, dos Ithaka, nas vozes, e Paulo Vitorino, ex-Clandestinos, na guitarra, que entretanto passou a ser elemento permanente da banda. Para Paulo Coelho, guitarra e voz do MRM, “a escolha de um produtor envolveu um trabalho maior, quer em termos de ensaios, quer em termos de resultado final, no estúdio”, resultando num som “mais trabalhado”. “Equalizer” inclui onze temas, compostos e escritos pelo grupo, à excepção de “Roads”, versão autorizada da canção dos Portishead.
Com tanta ou mais força que “Blow your Mind”, “Equalizer” destila um psicadelismo às avessas, presente na ironia como os sons e as guitarras são trabalhadas. O som de Detroit, de bandas como os Stooges e MC5, é reciclado num híbrido que prolonga os seus tentáculos pelo “hard rock” dos anos 70. Nos MRM, o “ácido”, mais do que lisérgico, é sulfúrico, tal a corrosão dos sons e o sabor a óleo e a ferrugem das palavras. A abertura, com o título “21st century flower power” é, para Paulo Coelho, a desmistificação feroz de uma maneira de estar na sociedade contemporânea. “A primeira flor do século XXI, em que as pessoas têm a tendência para ser mais materialistas”.
A assimilação de influências exteriores nunca constituiu, aliás, um problema para os MRM. “Temos uma atitude demasiado sincera, aquilo que ouvimos no dia-a-dia reflecte-se na música que fazemos. Era impensável, quando começámos a tocar, fazer uma versão dos Portishead, nem sequer conhecíamos essa música, que não tem muito a ver com o rock. Encontrámos nessa banda, ao nível das letras, qualquer coisa de misterioso.”
Acreditam que o rock não pode nem deve ser quadrado, mas sim evoluir para formas de sofisticação crescente. Termos como “rock sinfónico” e “música progressiva” não os assustam. “O rock, numa determinada altura, esgotou os seus recursos. O facto de as pessoas irem buscar influências aos anos 70 deriva desse esgotamento. Ao nível social, os anos 70 e 90 equiparam-se um bocado.” E se o psicadelismo, na sua forma original, não dispensava o uso de drogas alucinogéneas, a verdade é que os More vão por outro lado, interiorizando a mitologia sem lhes colher os (perniciosos) efeitos. “A nossa música tem a ver com todas as drogas, apesar de não as utilizarmos. Se calhar, talvez nos fizesse bem. É uma questão de estado de espírito.”
Na sequência do lançamento de “Equalizer”, os More poderão ser vistos num “videoclip” com o tema “Electric mastermind” – “sobre pessoas eternamente em busca de mitos, sem saberem onde os irão encontrar” -, estando a apresentação ao vivo do álbum marcada para amanhã à noite, no Garage, em Lisboa, num espectáculo que contará igualmente com a participação da banda convidada, Gasoline.



More República Masónica – “Blow Your Mind”

Pop Rock

7 de Junho de 1995
álbuns portugueses

More República Masónica
Blow Your Mind

ED. NUMÉRICA


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“Give me the seeds of your insanity” cantam os MRM no tratamento inicial de electrochoques de “Mad river”, sob a sombra ameaçadora de um “riff” que poderia ser dos Led Zeppelin ou dos MC5. É só rock and roll, cantado em inglês, com um pé nos anos 70 e outro nos 90, uma explosão da consciência, através da “meditação supersónica”, “recomendado”, pelo grupo, aos pacientes, “quando se verifiquem sintomas de perda de conhecimento originados pela síndrome pós-seattleano”. Não é remédio santo nem os quatro elementos do grupo se levam a si próprios muito a sério, quando vestem a pele de um “Soul preacher” cheio de veneno e vazio de moral ou se sujam na sonoridade de garagem de “Butt”. “Everyday’s blues”, um dos temas mais conseguidos do disco, trepa pelas costas do psicadelismo, ou da ideia que os MRM têm do psicadelismo, e desce ressacado pelo outro lado. Ziggy Stardust regressa com grau máximo de acidez em “I’m free” e “Man out of me” não destoaria numa estação de pesados FM. A história dos More República escreve-se sobre um novelo de passados desencontrados do rock anglo-americano das últimas duas décadas, volta a cara às correntes dominantes, faz paródia com elas e segue a correr sobre os “riffs” da guitarra e do baixo para um lugar que, se calhar, nem eles sabem onde fica, onde a regra é a distorção, o refúgio, o ruído (“Rev.jam”) e os alvos a alienação (“Tunnelvision”, outro dos instantes fortes de “Blow Your Mind”) e a pulverização de referências. Se a verdade, como eles dizem em “Too much reality”, está “na cabeça” e a realidade “é demasiado rápida”, o que é que se pode fazer? Estourar a cabeça! (7)



More República Masónica – Despir o Ego

24.05.2002

More República Masónica – Despir o Ego

Independência, integridade, persistência. São três das ferramentas com as quais os More República Masónica construíram a sua loja de rock, agora reaberta com a antologia Egostrip – A Retrospective, uma viagem de egos em direcção à essência.

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Faz 12 anos que os More República Masónica (MRM) iniciaram a obra e para celebrar a efeméride nada melhor si que rever as iniciações passadas através da compilação “Egostrip – A Retrospective”, agora editada, que reúne uma selecção de temas remasterizados dos álbuns lançados pelo grupo até à data: “More More More” (1992), “Blow Your Mind (with Supersonic Meditation)” (1995), “Equalizer” (1996) e “Chemical Love Songs” (2000, com produção de Jack Endino, um dos papas do “grunge”). O percurso faz-se cronologicamente de trás para a frente e, segundo a visão dos República Masónica – presentemente, formada por três músicos fundadores, Jorge Dias, Paulo Navarro e Nuno Castêdo -, “é assim que faz sentido”.
“Poucos duraram o que nós já durámos”, garante com orgulho Jorge Dias, baixista e, mais recentemente, teclista dos MRM. O segredo não tem nada de maçónico e muito menos de secreto: “Basicamente, a gente gosta disto!”. “Isto” parece simples, mas não é fácil manter firme uma ideia e muito menos bater-se por ela. Mas há uma ponta escondida, embora também neste caso esteja longe de se apresentar como a salvação do mundo. Mas salva-os a a eles. É que se eles gostam de “isto2, não é menos verdade, acrescenta o baixista dos More, que nenhum dos elementos da banda “precisa disto para viver” o que, à partida, lhes garante “uma certa dose de liberdade” de trabalho. Não em “full time” mas num “part-time”, de maneira “insistente” e “consistente”.
Amadores na plena acepção do termo, é esta insistência e consistência, às quais se poderá acrescentar uma grande dose de fé no que fazem, que tem permitido a evolução segura de uma música que nunca se preocupou com a urgência e as pressões da actualidade. “Há bandas que aparecem, são faladas durante dois minutos e desaparecem em seguida, sem que tenham cumprido as expectativas”. É o que acontece em Portugal numa percentagem superior ao que seria desejável. Mas essa é uma questão da qual os MRM têm sabido precaver-se. “Desde o início que temos consciência – ou no subconsciente – que o nosso tipo de música não é para vender avidamente, ou para combater nessa jogada comercial que é a maior parte do mercado português”. Jorge Dias sintetiza, em suma, a posição dos MRM, apontando uma “atitude de não-compromisso com o mercado”, a par do esforço em “manter a música o mais pura possível”.

Evoluir Na Continuidade

A luta continua e, volvidos 12 anos sobre a abertura das “hostilidades”, o grupo não dá sinais de ceder. Nota-se, isso sim, uma evolução na continuidade de que os MRM se orgulham e que Paulo Navarro define como a tentativa constante de “atingir sempre um patamar superior” àquele em que se encontravam anteriormente, ainda que sem pôr de parte a expectativa de o grupo poder vender cada vez mais discos e, deste modo, fazer chegar a sua música a mais pessoas. “hoje já conseguimos chegar a um número maior de pessoas porque possuímos alguma estrutura a nível de distribuição, já não temos que ser nós a fazer tudo, embora a atitude de gravar discos continue a depender de nós”, diz Jorge Dias, garantindo a imunidade completa dos MRM “ao que o mercado exige”. “Nunca alinhámos em moda, estamo-nos completamente nas tintas para o que está a dar ou não neste momento”, conclui Nuno Castêdo, o mais introvertido do trio.
Não é fácil definir a música dos More República Masónica. É rock. Tem força. É combativo. Mas cada vez mais imbuída de uma faceta que remete para o psicadelismo (Luís Simões, dos Saturnia, toca “sitar” em dois dos temas que farão parte do próximo álbum de originais dos More, já gravado, mas ainda sem data de lançamento). Apesar de os três elementos ouvirem coisas tão díspares como Six by Seven, And You Will Know Us by the Trail of the Dead, Wilco, Gomez, Josh Rouse, Boards of Canada, The Hives, ou The Strokes, e de cada vez mais transformarem cada ensaio numa tertúlia de troca de impressões, discos e discussão do “estado da nação”, a música dos MRM evidencia uma vitalidade que os anos não conseguem apagar. Se os MRM são, como afirma Jorge Dias, “uma banda de continuidade”, é nessa linha sem falhas, que une o primeiro álbum ao penúltimo, que a energia flui, sem vazamentos. “O grupo viveu sempre de três correntes”, conclui Jorge Dias: “o punk rock, aquele do lado ‘do it yourself’ e mais imediatista, o hard rock, mais ligado com a nossa primeira fase de um rock mais pesado e agressivo, e o psicadelismo, o lado mais ambiental, de atmosferas mais complicadas”.
Para confirmar, basta escutar de fio pavio o antológico “Egostrip”, título escolhido para dizer, também ele, alguma coisa, como Jorge Dias explica: “Começámos a rever o nosso passado e vimos que há um certo lado de ‘ego trip’, o orgulho do que já se fez, por outro lado tem também essa faceta engraçada de se conseguir ver os pontos fracos e os pontos fortes, como um despir…”.
Um “despir” progressivo que justifica a ordem cronológica inversa com que foram arrumados os 18 temas da antologia (a única novidade é uma versão de “Zip zap woman” dos Pop Dell’Arte), como se nessa viagem em direcção à fonte se guiasse o auditor até à descoberta da “essência” do grupo, presente desde a sua génese. Mais prosaico, Nuno Castêdo fala, a propósito deste disco, do “fecho de um ciclo2 e, referindo-se no que se lhe seguirá, ao “início de um novo”. “um salto para a frente”, nas palavras de Jorge Dias. Uma mudança, enfim.
Mas será mesmo a revolução ou um cerrar de fileiras ainda com mais força? É ainda Jorge Dias quem abre a porta que dá para o que o futuro esconde ao virar da próxima esquina: “No início, os tais três lados que estavam separados – punk, hard rock e psicadelismo – um temas mais assim, outro mais assado, aparecem agora juntos. Temo-nos afastado cada vez mais das correntes em si para conseguir que o nosso som, hoje e m dia, seja uma amálgama disso tudo”. Afinal de contas, um outro ponto de equilíbrio entre uma satisfação permanente e uma percepção, nunca interrompida, do tal “estado da nação” onde os MRM insistem em não querer sujar os pés. Dois pólos complementares bem ilustrados pelos títulos de duas canções incluídas em “Egostrip – A Retrospective”: “More more more” e “Too much reality”. Uma realidade que poderá esconder mais do que aquilo que mostra. Mas isso, os More República Masónica deixam para o ouvinte decidir…