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António Brojo e António Portugal – “Duas Guitarras, Uma Voz”

pop rock >> quarta-feira >> 11.01.1995


DUAS GUITARRAS, UMA VOZ


“Variações Inacabadas” é o título, apropriado, de um disco acabado de lançar pela EMI-VC, com duetos de guitarra de Coimbra por dois dos seus maiores mestres, António Brojo e António Portugal. O segundo morreu há pouco tempo, deixando inacabado um projecto pensado para dois discos. Assim, em vez de dois, saiu, para já, um único álbum que recolhe todos os temas gravados até à morte de Portugal pelos dois guitarristas, intercalando, faixa a faixa, ora um ora outro como solista.
À guitarra inquieta, “mais nervosa” e em estado permanente de procura de um “algo mais” nas cordas e na alma do instrumento de António Portugal, “um homem que na guitarra deixava transparecer o seu temperamento”, contrapunha Brojo, dicípulo da escola de Artur Paredes – “uma guitarra muito limpa de notas e meticulosa quanto à pureza dos sons” -, a beleza escultórica da harmonia perfeita, do acorde matemático que permite a transparência e o voo. Os dois formavam como que uma única guitarra. Com dupla voz e dupla face.
António Brojo conta como conheceu o seu antigo companheiro: “Conheci-o em 1953. Tinha nessa época, em que já era assistente na faculdade, um grupo que se juntava, três ou quatro tardes por semana, na minha casa, para fazer coisas na música de Coimbra, recuperar músicas antigas, ensaiar cantores e guitarristas… Era uma tertúlia muito frequentada, até que em determinada altura um cantor meu amigo, o doutor Fernando Rolim, me disse que conhecia um rapazinho com muita habilidade para tocar guitarra, se eu não me importava que ele aparecesse.
“O certo é que o António Portugal apareceu, assistiu a um certo número de ensaios e de tal maneira se integrou que, logo que alguns dos rapazes que me acompanhavam se foram embora de Coimbra e se afastaram da nossa convivência, houve uma substituição. Logo em 1953, gravei uma série de discos de 78 rotações, com o Luiz Goes e o Fernando Rolim e em que o acompanhador era o António Portugal. Mantivemo-nos a tocar juntos até que tive que ir, por força da minha carreira universitária, para a Suiça. Nessa altura, o António Portugal constituiu o seu próprio grupo, mantendo-se activo toda a minha ausência.
“Foi só no início dos anos 60 que esporadicamente voltei a tocar com ele para acompanhar alguns cantores, como o dr. Barros Madeira, o Subtil Roque, o Fernando Rolim e o dr. Camacho Vieira. Em 1970, porém, é que de facto voltei a estabelecer com o António Portugal uma ligação guitarrística mais assídua. Entreatnto, surge o 25 de Abril, que em Coimbra, no meio académico, teve algum efeito perverso sobre a canção e a guitarra coimbrãs, que foram consideradas uma expressão ligada ao regime anterior e uma música reacionária.
“Nós, como não tínhamos qualquer problema do ponto de vista político, porque nunca tínhamos estado ligados ao regime – o Portugal até era deputado na Assembleia Cosntituinte -, empreendemos um movimento de recuperação da canção de Coimbra e, a partir de 1974, nunca mais parámos, em termos de concertos por todo o país, culminando nos Tempos de Coimbra, uma série de programas de televisão em que fomos buscar velhos companheiros, como o Luiz Goes, o Rolim ou o Machado Soares. Inclusive, acompanhámos o Zeca Afonso, já nos anos 80.”
Data dessa época, concluída a série televisiva, a intenção de “deixar um testemunho da música de guitarra que não só reproduzisse variações que já andavam esquecidas, porque nunca tinham sido gravadas, mas também as prórprias canções” dos dois guitarristas.
Há cerca de três anos surgiu a ideia para fazer o tal projecto em dois discos separados, com um “total entre as 36 e as 40 peças”, mas que, por força das circunstâncias, acabou por se confinar às “Variações Inacabadas” agora editadas – “claro que não são as variações que estão inacabadas, mas sim o próprio projecto”, diz António Brojo, já que dessas peças apenas tinham sido gravadas as 18 que fazem parte do disco. Um “mano-a-mano” precocemente interrompido com a morte, em Julho do ano passado, de António Portugal. De certa maneira este trabalho acaba por ser “uma homenagem póstuma”.
Quando seria de esperar que a história terminasse aqui, eis que António Brojo anuncia a conclusão, por outras vias, do projecto inicial. Com outro guitarrista, que já ensaiara e tocara com os dois mestres, a tomar o lugar do guitarrista falecido. Carlos de Jesus, “um estudante de engenharia com grande habilidade e que, ao faltar o António Portugal, se mostrou interessado em participar”.
Brojo vai aceitar o desafio. “Embora não substitua o António Portugal, porque este era insubstituível, a verdade é qu estou disposto a tocar com ele. De tal maneira assim é que vamos realizar o tal segundo disco, em que eu serei o solista e procurarei não só gravar aquelas músicas que já pensava gravar com o António Portugal, como também tentar reproduzir com o novo guitarrista algumas das guitarradas que deveria gravar com o António Portugal, se estivesse entre nós.”