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Negros De Luz Juntam Erudito E Popular

23.01.1998
Negros De Luz Juntam Erudito E Popular
Serialismo Para As Massas

“Negros de Luz” é o nome de um novo agrupamento cujo reportório se divide pela música de José Afonso, Luís de Freitas Branco, Frederico de Freitas, Fernando Lopes-Graça, Sérgio Godinho, Vitorino e Carlos Canelhas e por composições próprias com base em poemas de poetas portugueses deste século, nua série de 14 poemas com a designação “As Canções da Inquietação”

Com produção de António Pinheiro da Silva, os Negros de Luz iniciaram no sábado passado as gravações do seu álbum de estreia, nos estúdios Tcha Tcha Tcha.
O grupo, dirigido pelo maestro e compositor Jorge Salgueiro, inclui quatro vozes (Juliana Telmo, soprano, Dolores de Matos, contralto, Carlos Ançã, tenor, e Carlos Cóias, baixo), quarteto de cordas (António Barbosa, violino, Paulo Viana, violino, Susana Cordeiro, violeta, e Carlos Faria, violoncelo), piano (Óscar Mourão) e percussão (José Carinhas), num total de onze elementos, todos com formação clássica. O espectáculo de apresentação ao público de Lisboa terá lugar no próximo dia 30, na Estufa Fria, pelas 21h30.
No folheto de divulgação deste novo projecto da música portuguesa, podem ler-se, relativamente aos seus pressupostos estilísticos, termos como “tonalidade”, “atonalidade”, “politonalidade”, “modalidade” e “serialismo”, pouco habituais num formato pop. Levantada a suspeita de que, afinal, os Negros de Luz não seriam propriamente um grupo de música popular, nada melhor do que falr com o seu mentor, Jorge Salgueiro, para esclarecer este e outros pontos que tornam, para já, os Negros de Luz, num verdadeiro enigma.
“Negros de Luz” é uma designação estranha. Jorge Salgueiro não quer explicá-la. Apenas concede que “há algo filosófico por trás do nome” que as pessoas poderão tentar decifrar.
O grupo começou pela encomenda de dosi concertos dirigida a Jorge Salgueiro feita pela Câmara de Palmela, integrada nas comemorações do 25 de Abril, que se realizaram em 1995. “Na altura, fizemos o Lopes-Graça e José Afonso”. No final desse concerto alguns dos músicos contratados acharam que se trtava e um projecto que seria curioso continuar, pedindo a Jorge Salgueiro que o trabalhasse.
Desde o início que os Negros de Luz ”estão entre duas barreiras”, explica, “o erudito e o popular”. Uma barreira que o grupo tenta romper, embora reconhecendo que interpretam sobretudo canções. “A ideia foi buscar aquilo que melhor se fez em Portugal no campo da canção, em todas as áreas musicais.”
O ciclo das “Canções da Inquietação” representa, por sua vez, o lado da composição original. São 14 canções compostas por Jorge Salgueiro com base noutros tantos poemas de poetas portugueses do séc. XX: “Porque”, de Sophia Mello Breyner Andresen, “Fastio”, de Alberto Pimenta, “Na Ribeira deste Rio”, de Fernando Pessoa, “Issilva”, de Alexandre =’Neill, “Mal te olhei, quando te vi”, de António Aleixo, “Lisboa Romântica”, de Ernesto de Melo e Castro, “Comunhão”, de Miguel Torga, “Vá, gambozino”, de Pedro Tamen, “E por vezes”, de David Mourão-Ferreira, “Nambuangongo meu amor”, de Manuel alegre, “Poema para o meu amor doente”, de Eugénio de Andrade, “Estética do Grito”, de José Gomes Ferreira, “O Atol dos amores”, de Vasco Graça Moura, e “Fim”, de Mário de Sá-Carneiro. “A lógica não foi escolher poetas que enquadrassem uns nos outros, mas sim escolher poemas onde estivesse presente uma determinada musicalidade.”
Os Negros de Luz não são humildes nos seus objectivos. “Como criador”, diz Jorge Salgueiro, “acredito que a música contemporânea não tem que estar, necessariamente, desligada do público. aliás, muitos compositores eruditos foram bastante populares no seu tempo. É necessário repensar a música contemporânea a esse nível, já que existe, presentemente, um afastamento entre o público comum e o que se faz de mais avançado.”
No próximo dia 30, na Estufa Fria, se verá de que forma é que os contrastes musicais cultivados pelos Negros de Luz terão, além de estética, a conotação “politizante” que pretende imprimir-lhe Jorge Salgueiro, um músico urbano e cosmopolita que confessa ser ouvinte habitual e apreciador de música tecno.

Celso De Carvalho Estreia-se A Solo Em Edição De Autor

05.12.1997
Celso De Carvalho Estreia-se A Solo Em Edição De Autor
30 Graus Celsius

Celso de Carvalho, 47 anos, antigo elemento dos Plexus e da Banda do Casaco, violoncelista numa orquestra sinfónica, participante em gravações de estúdio ou em concertos dos mais diversos artistas nacionais e estrangeiros (Quarteto 1111, José Afonso, Rão Kyao, Filipe Mendes, António Pinho Vargas, Steve Potts, Gunther Hampel, Marcos Resende, Né Ladeiras, Jerry Marotta, António Emiliano, Chico Buarque, Ramuntcho Matta, Amélia Muge, e Ala dos Namorados, entre outros), acabou de “lançar” o seu primeir álbum a solo, intitulado “Celsianices”, do qual é autor, intérprete, produtor, arranjador, misturador, programador e engenheiro de som.
Mas este álbum tem uma particularidade: trata-se de uma edição de autor do qual foram apenas prensados 30 exemplares, numerados e assinados, que têm sido distribuídos “por pessoas amigas, por amantes de música em particular e mesmo por pessoas que o autor não conhece pessoalmente, sendo, contudo, apreciador dos seus critérios musicais, gente ligada à crítica e à divulgação nos ‘media’. Porque, quando Celso de Carvalho quis dar a conhecer a sua música, “flataram-lhe todos os apoios”. “É que a coerência e a opção pelo não-comercial têm os seus custos”, diz. Foi assim que tivemos conhecimento de “Celsianices”, um álbum gravado entre Julho de 1994 e Julho de 1995, passado para CD em Fevereiro de 1996, inteiramente realizado com teclados Roland JV-90 e Yamaha PS-S-680, e recurso ao programa de computador Korg Audio Gallery.
Para trás ficaram o baixo eléctrico, o violoncelo e o vibrafone, instrumentos nos quais se notabilizou ainda na década de 60 com o primeiro grupo de “free music” português, os Plexus, do qual também fez parte o violinista Carlos Zíngaro. Mais tarde, Celso de Carvalho marcou presença em sete álbuns da Banda do Casaco e recentemente foi visto a acompanhar a cantora Amélia Muge na sua última digressão.
destes 30 exemplares prensados, fica a esperança de que alguns cheguem às mãos de quem eventualmente possa estar interessado em editar este trabalho. Para já, não existe qualquer certeza, mas apenas um interesse vago manifestado por pessoas como o engenheiro de som José Fortes ou Nuno Rodrigues, da MVM, antigo companheiro de Celso na Banda do Casaco. “É o meu manifesto, para mostrar que estou vivo e a fazer coisas”, desabafa Celso de Carvalho.
Problemas de saúde atrasaram a distribuição de “Celsianices”. “Um ‘bad timing’ absoluto”, agravado por dificuldades com o texto do livrete, com um desenho da autoria do próprio Celso quando tinha cinco anos. Os temas de “Celsianices” abrangem um período compreendido entre 1972 e 1995, tendo a maioria sido composta nos últimos quatro anos. “É um tipo de composições que nunca consegui meter nos Plexus nem na Banda do Casaco porque não se adaptavam muito bem. Ficaram sempre na prateleira. “Por feitio ou por ter uma vida muito ocupada, a sua música foi sendo adiada, em termos de projecção pública. O computador surge como uma maneira de se autonomizar, sem que tal implique que Celso tenha esquecido as suas raízes, pop e jazzísticas. “Tento fugir ao som que eles me impingem no programa, fazendo, por exemplo, sobreposições várias, alterações de timbre ou glissandos com o botão de ‘portamento’, equivalentes ao que faria no violoncelo.”
Essa abordagem orgânica do som é uma das características mais interessantes de “Celsianices”, álbum nem sempre fácil mas sem dúvida preocupado em escapar ao exercício de estilo e ao hermetismo, evidenciando uma espécie de “swing” electrónico que se vislumbra em músicos como Wayne Horvitz, teclista e companheiro de longa data de John Zorn, ou nos Weather Report, que Celso refere a propósito de “Ah, bom”. O tema de abertura, “Figurante da vida”, inspirado pelos Genesis dos anos 80, entraria facilmente nas rotas do éter radiofónico. “Celsianices” cria ainda uma aura autobiográfica, em temas rotulados como “Celsinho” e “Megacelso”. “Não é narcisismo”, garante o autor, mas apenas uma reflexão em torno de uma vida, desde a infância, vocacionada para a música, desde a filtragem de melodias ouvidas em criança, em “Celsinho”, a um dos primeiros temas compostos e gravados digitalmente, “Megacelso”, onde se concentram, quase até à saturação, sons e direcções musicais díspares. “Celsianices” inclui-se no grupo dos não alinhados da música portuguesa. Cabe aos ouvidos inteligentes da indústria fazerem-no chegar aos ouvidos inteligentes do público. A música isenta de compromissos exige-o.

Sacerdotes de Alquimia – Polémica / Opinião –

11.07.1997
Polémica / Opinião
Na edição de 14 de Maio último, no suplemento PopRock, Fernando Magalhães fez a crítica (desancou) do álbum de estreia dos Sacerdotes da Alquimia. António Duarte Bento não gostou.

Sacerdotes de Alquimia
(Contra-Crítica a Fernando Magalhães)
O Sebastianismo cristalizou-se de tal modo nas mentes dos críticos de arte portugueses que, sempre que lhes escrevem poemas ou lhes cantam canções a falar de Portugal, ficam de cara crispada e alma sombria, e vá de zurzir sobre os pobres de espírito que ousam falar da mãe e do pai portugueses. Nunca falando estes críticos de D. Sebastião, o sofrimento que lhes é afligido quando deste alguém fala compara-se ao terror primário perante qualquer coisa tabu. Estes críticos são órfãos primitivos, daqueles que, perante o mediático deslumbramento dos pais dos outros, não toleram que lhes seja lembrada a paternidade. Com um “locus” de controlo externo anglófilo, só toleram palavras como “states”, “américa”, “england”, ou então, mimetizando simiamente os américas, qualquer arte exotêstica porque é “cool”.
Sinfonismos e palavras como Portugal, o mar, marinheiros, universalismo português e ingenuinismos lusos (estes, a base de um autêntico pensamento revolucionário planetário) são, para eles, coisas de almocreves e bardos nescientes. Curiosamente, se estes críticos emigrassem e se fixassem nos tais “States” ou noutro país gato-por-lebremente dito desenvolvido, fariam grandes festivais de música pátria, a ouvir bacalhau quer alho, pois é o melhor tempero para a sua saudade. Estes críticos são daqueles que, como diz o povo, confundem o cu com as calças. Nunca leram António Quadros e, se o folhearam, sofreram de náusea primitiva de saudade. Só leram Fernando Pessoa depois de os américas o terem autorizado, e assim lhes terem prescrito os comprimidos antieméticos. Compreende-se.
O sacristão Fernando Magalhães, apesar de pertencer à mesma igreja, não tem nada que ver com o sacerdote Fernão de Magalhães, que deu nome ao estreito. E porque esta banda não é do Norte, o primeiro não seria sequer capaz de ajudar à missa do segundo. Ficaria a carpir “esta banda não é do Norte”, no Restelo. Assim, os Sacerdotes de Alquimia seriam uma banda pentagonal (perfeitamente sintonizada com o Pentágono ou com a “Penthouse” – o que agradaria muito mais, ora bem), ou hexagonal (perfeitamente sintonizada com o 6 da estrela judaica ou embrulhada num qualquer código de barras europeu). Não, os Sacerdotes de Alquimia são uma banda quadrada, e assim seja. Sintonizada com os quatro lados do quadrado, que são também os quatro pontos cardeais, que são também os quatro caminhos do vento, fotógrafos do vento que enfuna (enfuna é bonito, não é?) os cabelos dos quatro cavaleiros do Delírio Final. Sim, é verdade, cheira a PIGS do Sul. Decididamente, este Magalhães é do Norte.
António Duarte Bento
Poeta-cavaleiro da Ordem Lilás da Triste Figura
autor de vários arremessos a moinhos e outros monstros (arremessando por conta própria)
Buarcos-Figueira da Foz

Contra-contra-crítica a António Duarte Bento
Enfunemos então. Como todo o aspirante e adepto da verdadeira Tradição sabe, a Ordem Lilás da Triste Figura é uma farsa, uma sitazita sem dimensão proscrita pela Ordem-Mãe, a Yrmandade dos Mestres Comedores de Abóbora, invocada em surdina nos meios iniciáticos, como Y.M.C.A O que retira, de imediato, qualquer autoridade ao cavaleiro Bento para mencionar, sequer, o baluarte da espiritualidade lusa que é a P.I.G.S. (Pátria Imaculada dos Grandes Sábios) que o Bento Lilás lamentavelmente confunde com o PIGS (Portugal infestado de gente suja). Por estas e por outras é que muitos perdem o norte, na defesa daqueles que, arvorando-se em alquimistas, não passam de vulgares sopradores.
Fernando Magalhães (monstro)