Pere Ubu – The Art Of Walking (conj.)

25.02.2000
Reedições
A Arte de Caminhar N…

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Com “The Art of Walking” de 1980, e “Song of the Bailing man”, de 1982, fica completa a série de reedições de toda a fase inicial dos Pere Ubu, iniciada com “The Modern Dance” (1978), “Dub Housing” (1978) e “New Picnic Time” (1979). Os Pere Ubu foram provavelmente o grupo mais importante de uma geração onde também pontificaram os Devo e os Talking Heads. Na região metalúrgica de Cleveland, o niilismo punk, ao contrário do que, na mesma época, acontecia com os grupos ingleses, a raiva muniu-se de tecnologia electrónica e do conceito de “mutação”, fruto de um ambiente marcado pela infecção e pela toxicidade industrial. Mas os Pere Ubu, além de revoltados, eram intelectuais para quem gritar não chegava. Era preciso juntar-lhes uma carga de absurdo e de onirismo que eram uma outra forma de dar nome e exorcizar o pesadelo. “The Art of Walking” é uma ginástica de sobrevivência, feita de gestos de marioneta e de canções aparafusadas directamente nos nervos, onde David Thomas dá livre curso à sua loucura de criança magoada a quem arrancaram uma infância feliz. Nos Pere Ubu, a electrónica, aliada ao rock e à esquizofrenia iluminada, fere e faz sangrar. “The Art of Walking”, avançando aos tombos e às cavalitas da histeria do seu vocalista, é a arte de aproveitar e sobreviver a essa dor.
Menos convulsivo mas mais variado do que o seu antecessor, “The Song of the Bailing Man” arrancou as correias que prendiam o grupo na câmara das torturas, aliviando o sofrimento ora num swing jazzístico de sopros e vibrafone, ora em incursões nevróticas por um parque de diversões onde o algodão não é doce e há uma banda de metais com marcianos a tocar. David Thomas diverte-se a inventar vozes ridículas e a cuspir setas kitsch envenenado, mimando as canções românticas da América dos filmes para logo a seguir rachar a cabeça ao casal, “marido que chega a casa e beija a sua housewife loura de avental”. Apesar do tom mais “arty” e de uma descontracção impossível de discernir nos álbuns anteriores, são canções. E divertidas, se também nós aceitarmos ser um pouco “anormais”… (Cooking Vinyl, distri. Megamúsica 9/10 e 9/10)
Dignos de figurar no grupo dos clássicos da pop dos anos 60 é “Odessey and Oracle” dos Zombies, ombro a ombro com “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, “Pet Sounds” dos Beach Boys e “Something Else” (e, já agora, com o brilhante e desconhecido “Grass and Wild Strawberries” dos australianos The Collectors). Lançado em 1968, foi posteriormente reeditado, em versão remasterizada, pela Rhino, tendo a presente reedição (de 1998, comemorativa dos 30 anos da edição original) a particularidade de apresentar duas versões completas do álbum, em mono e estéreo, além de três temas extra. Com base nos talentos do organista Rod Argent e das vocalizações de Colin Blunstone, os Zombies assinaram aqui a sua obra-prima em 12 temas de pop imaculadamente composta, arranjada e executada. Orquestrações de luxo, melodias e harmonias de uma doçura feita de sonhos, um piano tocado pelo homem-da-lua, guitarras à descoberta de si próprias, criam um universo de canções-arco-íris como a trip completa de “Changes”, o épico recheado de efeitos e mudanças de registo vocal, um pouco à maneira de uns Incredible String Band espaciais, “Butcher’s tale (western front 1914)” ou, a fechar, “Time of the Season”, um dos “hits” do grupo. Um caleidoscópio em constante mutação, símbolo de toda uma época. (Big Beat, import. Lojas Valentim de Carvalho, 10/10).

Mergulhados em LSD estavam os norte-americanos Pearls Before Swine, ao ponto de o seu vocalista, Tom Rapp, dar ideia de ter abusado nas doses e ter perdido todos os seus dentes, a julgar pela forma como canta na canção que abre “One Nation Underground” (1967), “Another Time”, um hino psicadélico com uma melodia viciante, apesar da tal vocalização do tipo “velho yankee desdentado” e de uma letra a perguntar “Did you follow the crystal swan? Did you see yourself deep inside the velvet pond? O have you come by again to die again? Try again another time”. A abarrotar de sons “pedrados” atirados para a mesa de mistura de maneira aparentemente aleatória e de melodias no limite da desbunda, “One Nation Underground” consegue, apesar de tudo, soar menos desconjuntado, atrevendo-se mesmo a fazer alguma crítica social, do que o álbum seguinte, “Balaklava”, gravado para a mesma editora “freak ESP”. A capa é uma miniatura em cartão fiel ao original, com a figura de “O Jardim das Delícias”, do pintor holandês do Renascimento, Hyeronimus Bosch. (Get Back, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10)

Das fábricas da Alemanha, chega “Produkt de Deutsch Amerikanische Freundschaft”, ou seja, o álbum de estreia dos D.A.F., de 1979, ainda sem o vocalista-gigolo espanhol Gabi Delgado e com Kurt Dahlke, também conhecido por Pyrolator e, mais tarde, elemento dos Der Plan. É uma correria de trmas com a duração média de um minuto de punk-metal electrónco. Urgente, compulsiva e ruidosa, versão mais rock e espontânea dos Einsturzende Neubauten da qual viria a nascer, nos álbuns seguintes, a batida erótico-militarista que viria a tornar-se imagem de marca do grupo. (Mute, distri. Zona música, 7/10).

Ainda da Alemanha louve-se a primeira reedição em compacto de “Rot”, “Vermelho” (1973), segundo álbum de Conrad Schnitzler, o baterista no álbum de estreia dos Tangerine Dream, “Electronic Meditation” (free-rock distante da música cósmica que evoluiu de “Alpha Centauri” até se cristalizar em “Rubycon”9 que, ao longo das décadas seguintes, se revelaria como um dos expoentes da electrónica mais sombria e experimentalista. “Rot” é, juntamente com os primeiros discos dos Cluster (Kluster incluídos) e dos franceses Heldon, um dos trabalhos precursores da música industrial e o primeiro a apresentar uma faixa com o nome “Krautrock” (a segunda aparece no quarto álbum dos Faust), 20 minutos de borbulhar analógico, guitarras – mais do que eléctricas, que dão choque – e, em geral, um fascínio exacerbado pelos sintetizadores analógicos encarados como geradores de automatismos onde são dependuradas vísceras e cartilagens electrónicas. O outro tema, “Meditation”, é uma longa sequência electrónica fabril, pondo a funcionar uma gigantesca linha de montagem de engrenagens, roldanas, metal fundido e maquinismos ameaçadores. (Plate Lunch, distri. Matéria Prima, 8/10)

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