Declan Masterson – Drifting Through the Hazel Woods (conj.)

31.10.1997
World
Prendas de Natal
“Celtic Twilight”, “Celtic Lullaby”, “Celtic Odissey”, “Celtic Legacy”, “Celtic Heartbeat”, “Celtic Potatoes”, “Celtic Shit”. Socorro, tirem-me daqui! Desamparem-me a loja. Se isto é música céltica, eu sou australiano. Mas era de prever. As pessoas precisam de lenitivos, de sonhos, de coisas bonitas, como diria Artur Jorge. “Celtic” tornou-se sinónimo de conforto por medida.

Agarre-se num postal ilustrado, de preferência com um lago e muita verdura (um castelo também calha bem), numa harpa e numa menina de olhos verdes e cabeleira loura e pronto, está composto um cenário “celta”. As pessoas adoram.
O pior é que a música tradicional de raiz céltica, que de facto existe e que, apesar de tudo, goza de boa saúde, tem pouco ou nada a ver com estas séries “celtic” que vão aparecendo um pouco por todo o lado.
É a velha operaçãod e liofilização do produto, tão do agrado da indústria, quando se trata de controlar e desvirtuar determinada música situada fora dos parâmetros “mainstream”. Por regra, as produções são asépticas, com as tais capas postal-ilustrado e a música produzida por gente, alguma dela com responsabilidades, cuja preocupação principal é ganhar dinheiro. Deitemos, de qualquer modo, um olho ao pacote mais recente.

A série “Celtic Heartbeat”, com distribuição MCA, acaba de lançar o que, para muitos, será a prenda de natal ideal. “The Roots of Riverdance”, de Bill Whelan, sucede ao multipremiado espectáculo “Riverdance”, capitalizando em obras anteriores deste especialista na composição de “suites” orquestrais que, regra geral, contam com grandes músicos da tradição irlandesa. Estão neste caso “The Sevilla Suite” e “The Spirit of Mayo”, onde marcam presença, entre outros, Eileen Ivers, Dónal Lunny, Nollaig Casey, Mairtin O’Connor e Tommy Hayes, a par de excertos de “EastWind”, de Andy Irvine e Davy Spillane, e de “Riverdance”. Tudo o que foi possível arranjar com a participação de Bill Whelan. Mesmo assim é, de longe, o melhor disco do lote. (7)

Declan Masterson é, em termos rigorosamente técnicos, um bom executante de “uillean pipes”. Infelizmente o bom-gosto não impera na composição e nos arranjos de “Drifting Through the Hazel Woods”, um pastelão de programações do piorio. Comparado com o nível médio dos discos de ouro “piper” de gostos semelhantes, Davy Spillane, é bastante pior. (3)

“Omnis”, do colectivo vocal Anúna, consegue ser boa música de fundo. O álbum de estreia do grupo era bom. O mercado encarregou-se de tornar inócuas estas harmonias que parecem descer dos céus mas que na verdade não passam de um rigoroso trabalho de cosmética laboratorial. (5)

Outra obra de fôlego é “The Children of Lir”, de Patrick Cassidy. Neste caso, a “folk” desaparece para dar lugar a uma composição sinfónica, com ocasionais intromissões profanas de sabor “rock”, no qual participa uma das mais notáveis formações de música antiga da actualidade, os Tallis Choir. Ouve-se com outros ouvidos, embora a faceta ecorativa não tenha sido totalmente leiminada. (6)

Thomas Loefke é um alemão apaixonado pelas tradições irlandesas e pelo imaginário celta mais delicodoce. Para romper os véus de Tir Nan Aog, nada melhor do que fazer passar os dedos por uma harpa céltica. Se assim pensou, melhor o fez. “Nordland Wind” é uma versão plastificada que junta o pior Alan Stivel à frivolidade de um William Jackson, amparado em vocalizações de duas senhoras que, entre imitarem as inglesas June Tabor e Sandy Denny, revelam uma total incapacidade para compreender os segredos do genuíno canto irlandês no feminino. (5)

Frances Black tem boa voz, mas não a confundam com uma cantora “folk”. “Talk to me” agradará aos apreciadores de canções de variedades, ponto final. (3)

E já que se falou em prendas de natal, era natural que na Celtic Heartbeat se lançasse, com a devida antecipação, um objecto destinado a esse fim. Então aí temos “A Celtic Heartbeat Christmas”, cuja embalagem explica melhor do que mil palavras o conceito subjacente: um violino misturado com enfeites de Natal. A escolha dos celebrantes, em excertos de discos já editados antes, enfia os Altan ao lado dos “maus” Clannad, os “vendidos” Nightnoise (com senhores e uma senhora que já pertenceram aos Botty Band…), Thoms Loefke, Anúna, Declan Masterson, Brian Dunning (um ex-Gryphon, vejam lá…) e Cormac Breatnach, entre outros. Feliz Natal para eles e para todos nós. (5)

Também com a etiqueta “celtic” apareceu outra colectânea, desta feita com canções de embalar, “The Celtic Lullaby”, num selo do qual não se esperaria, tão cedo, cedências deste tipo, a Ellipsis Arts…, e com um anjinho na capa. Como, por regra, se trata de um género lento, funciona às mil maravilhas. Colaboram alguns nomes interessantes, alguns deles com pergaminhos: Tommy Sands, Plethyn, Jean Redpath, Mac-Talla e Alison Kinnaird. O melhor elogio que se pode fazer é que cumpre na perfeição o objectivo de pôr, mesmo o adulto mais “stressado”, a dormir. Como um anjinho, claro. (Ellipsis Arts…, distri. Megamúsica, 5).

Reservamos para o final uma surpresa agradável, o mais recente de Loreena McKennitt, “The Book of Secrets”. Embora insistindo na mesma tónica de sempre, uma abordagem leve da música antiga e da “folk” do ciclo Arturiano, com ramificações nas músicas do Oriente, na efabulação de um panceltismo planetário, o álbum oferece não poucos motivos de deleite, indo mais fundo do que os anteriores. Tmas longos, construídos sobre o equilíbrio de programações electrónicas mais discretas do que o habitual e uma vasta e sofisticada gama de sonoridades acústicas. “The Book of Secrets” regista dois excelentes momentos: “The Mummer’s Dance”, enobrecido pelo “swing” medieval do convidado Nigel Eaton, na sanfona, e os dez minutos de “The Highwayman”, onde a diversidade de registos e entoações vocais, verdadeiramente encantatórias, de Loreena McKennitt se consegue equiparar aos melhores momentos de Maddy Prior com os Carnival Band (Quinlan Road, distri. Warner Music, 6).

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