13.03.1998
World
Celtas, “Vikings” E Ciganos
A nova música de raiz francesa, representada pelo Trio Patrick Bouffard e por colectâneas de bardos celtas, navegantes “vikings” e ciganos dos Balcãs, constitui o roteiro da viagem desta semana.
A música de raiz tradicional francesa goza actualmente de uma vitalidade sem precedentes desde os anos 70, quando a sua evolução se processava a partir do eixo da Bretanha, personificado por Alan Stivell e, mais tarde, nas múltiplas ramificações derivadas do grande templo edificado pelos Malicorne. a esta posição de destaque no panorama da folk contemporânea não é alheia um profundo trabalho de base que passa pela existência de escolas (tanto d emúsicos como de construtores de instrumentos), de clubes e festivais, enfim de todo um circuito autónomo e firmemente implantado que permite o contínuo desenvolvimento tanto da música como das suas estruturas de produção e divulgação.
É neste contexto de extraordinária riqueza e multiplicidade que surge o Trio Patrick Bouffard, liderado por este excutante de sanfona, antigo elemento dos La Chavannée, e do qual fazem também parte Cyril Roche, no acordeão diatónico, e Benoît mager, na “cornemuse”. O modo como exploram o reportório tradicional assenta numa pesquisa aturada das fontes documentais, bem como numa não menos exemplar reactualização. Já houve, aliás, quem lhes chamasse os Spice Boys da folk.
“Rabaterie”, registado ao vivo (embora não se trate de um concerto) no Castelo de Chazeron, ao qual foram posteriormente adicionados em estúdio outros instrumentos, é um trabalho notável que sucede à não menos notável estreia do grupo, “Revenant de Paris…”, com a diferença de que tudo soa agora de forma mais vibrante e imediata. A presença de metais e de uma secção de trompas confere a alguns dos temas um ambiente de fanfarra céltica equivalente à música dos ingleses Brass Monkey. Em “Chavouisses” notam-se semelhanças com os Ad Vielle Que Pourra, fruto de uma idêntica combinação de timbres e de métricas rítmicas. A voz de Anne-Lise Foy, em contraste com a densidade instrumental, confere çeveza a temas como “Trois petites notes de musique” (em registo de “bal musette” vagamente alpino…), enquanto em “Un Jour à l’ombrage”, “Le fuseau volé/Barnabé”, “Quand sera-t-elle mariée” e “La demoiselle aux beaux yeux” ganham a mesma dimensão épica e, por vezes, sombria de grupos como os Mélusine, Maluzerne e La Bamboche. Um clássico. (Acousteack, distri. MC – Mundo da Canção, 9).
O mundo celta volta a ser agitado pela enésima compilação em cujo título figura a palavra “celtic”. Mas no caso de “Ancient Celtic Roots” não estamos perante mais uma mistificadora sopa new age e, muito menos, de um simples sampler de apresentação de um catálogo. É antes uma colecção de temas gravados por alguns dos músicos mais velhos da tradição céltica, muitos deles em registo de canto “a capella”, outros em solo absoluto de “uillean pipes” ou de rabeca, que estarão longe de constituir uma receita de digestão fácil para o vulgar consumidor de pacotes indiferenciados com o rórulo “celtic”.
Provenientes das tradições irlandesa e escocesa, com a intromisão de um tema da Bretanha, são exemplos que pretendem fazer a “ligação com as raízes bárdicas e instrumentais dos tempos antigos”. Aqui encontramos nomes míticos como Willie Clancy e Seamus Ennis (“uillean pipes”), Sarah Makem, Paddy Tunney, Joe Heaney (cantores irlandeses), Belle Stewart, Jeannie Robertson e Ian Manuel (cantores escoceses), entre outros, sendo o tom prevalecente de ausência quase absoluta de ornamentação e sofisticação quebrado, como que por encanto, pelos bretões Kentigern, cujo tema ostenta todas as redundâncias mas também toda a magia da nova música céltica. Outro grupo importante, embora pouco conhecido, dos anos 70, os The Clutha, representam, pelo contrário, as harmonias vocais no seu cambiante mais ortodoxo e próximo dos seminais The Watersons. Não se deixem iludir pela capa e pelo título, “Ancient Celtic Roots” exige esforço e dedicação. (Topic, distri. Megamúsica, 8).
Continuando as suas viagens pelo mundo, depois de “World out of Time”, dedicado a Madagáscar, os dois artesãos das novas músicas Henry Kaiser e David Lindley assinam o segundo volume de “The Sweet Sunny North”, com novas incursões pelo folclore da Noruega, interpretado por nomes totalmente desconhecidos entre nós. Um excelente contraponto – onde representantes da escola mais moderna alternam com linguagens mais étnicas – aos grupos contemporâneos, já bem representados no nosso país, da nova folk escandinava. Algumas revelações: os Triltunga e a sua música acetinada (?), ou os Farmers Market, apostados em mostrar que os Balcãs não ficam assim tão longe dos grandes gelos do Norte. Oitenta minutos de descoberta e prazer constantes. (Shanachie, distri. MC – Mundo da Canção, 8).
Mais um exemplar para complementar o grande painel do mundo que a World Network tem vindo a construir, “Wild Sounds from Transylvania, Wallachia & Moldavia” coresponde ao volume 41 da série, dedicado à Roménia. Trata-se, ainda aqui, de um documento importante, indispensável para o conhecimento daquelas regiões, em particular na vertente da música cigana. Entre uma série de nomes com pouca expressão no mercado internacional da world music, avulta o dos Taraf de Haidouks, os únicos que conseguiram, para já, ter outro tipo de penetração no Ocidente e aos quais, aqui, foi naturalmente concedida a maior fatia de tempo. Nomes a descobrir: Constantin Gherghina, Dumitru Farcas (na linha de Ivo Papasov), Taraf Hodac, Marioara Mut (voz tão, tão antiga como as próprias montanhas…), Lucretia Hort (quantas Mártas Sebestyens se esconderão nessas montanhas?…) e, para quem não dispensa os arrepios dos metais em velocidade supersónica, os Fanfare Ciocarlia, que se reivindicam os “mais rápidos de todos” e já contam com um álbum editado e distribuído em Portugal. (World Network, distri. Megamúsica, 8).