Arquivo de etiquetas: Lou Donaldson

Clifford Jordan & John Gilmore – “Blowing In From Chicago” + Jimmy Smith – “House Party” + Jimmy Smith – “The Sermon!” + Lou Donaldson – “The Natural Soul” + The Horace Silver Quintet – “Finger Poppin’” + Donald Byrd – “Byrd In Hand” + Jackie Mclean – “Jackie’s Bag” + Freddie Hubbard – “Hub Cap”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 05 Abril 2003

Clifford Jordan & John Gilmore
Blowing In From Chicago
8 | 10

Jimmy Smith
House Party
7 | 10

Jimmy Smith
The Sermon!
8 | 10

Lou Donaldson
The Natural Soul
7 | 10

The Horace Silver Quintet
Finger Poppin’
8 | 10

Donald Byrd
Byrd In Hand
7 | 10

Jackie Mclean
Jackie’s Bag
8 | 10

Freddie Hubbard
Hub Cap
9 | 10

Todos Blue Note, Distri. Emi – Vc

O hard bop teve na Blue Note um lar e uma escola. Oito novas remasterizações com selo Rudy van Gelder mostram outras tantas nuances do movimento que voltou a pintar o jazz com a raiva e as tintas negras do blues.


‘Hard bop’, 1º escalão

Chicago, onde os “blues” são mais tórridos e John Coltrane descobriu “mais jovens saxofonistas tenor do que em qualquer outra parte do país”. Nos anos 50, dois destes jovens tenoristas eram Clifford Jordan e John Gilmore. O primeiro herdeiro de Lester Young e Ben Webster, o segundo notabilizado na Arkestra de Sun Ra. “Blowing in from Chicago” é uma demonstração “hot”, plena de “swing”, das muitas que, nesta época, fizeram da Blue Note um dos lares privilegiados do “hard bop”. Os dois tenores entrelaçam-se em “Bo-till”. O “blues” reina, nas lições de piano de Horace Silver e nos mini-solos de Art Blakey, mestres absolutos do “hard”.
O “blues” do organista Jimmy Smith desliza de maneira diferente. Jimmy Smith integra na sua música a “soul”, o “rhythm’n’blues” e um lado “lounge” difícil de separar da sonoridade típica do Hammond. Duas sessões, a 25 de Agosto de 1957 e 25 de Fevereiro do ano seguinte, juntaram-se para dar origem aos álbuns “House Party” e “The Sermon!”. “House Party” inclui dois temas de Charlie Parker e inspirados desempenhos, no alto, de um dos seus discípulos, Lou Donaldson, deslumbrante na balada “Lover man”. “Just friends”, nas suas duas longas versões de 15 minutos dão azo a um entusiasmo “funky”, com o organista a fazer dançar e suar a sua mão direita e Lee Morgan a swingar na trompete num solo em que é visível o seu timbre “brilhante” e uma gama mais vasta de soluções harmónicas e melódicas que as evidenciadas pelo alto de Donaldson.
“The Sermon” soa a “jam” tocada no céu, com todos os participantes possuídos pelo “groove”. Soa mais descontraído e “cool” que “House Party”, como no título-tema. 20 min. de ondulação inalterável que quase recorda, respeitando a devida distância, as sessões de hipnose funk dos Can em “Future Days”. “J.O.S.” é easy listening na densidade (o Hammond parece pairar sobre as nuvens), tempo mais acelerado, cortado por um imaginativo solo de George Coleman, no alto. E que ninguém se assuste se ouvir Jimmy Smith a apitar pelo meio, marcando a duração dos solos, nem se choque se Lee Morgan fingir que não ouviu as buzinadelas insistentes e continuar a fazer o seu solo…
Mais “blues” e mais Lou Donaldson, em “The Natural Soul” (1962), pretexto para este saxofonista revisitar com mestria as escalas e “clichés” da matéria-prima do jazz. Ainda a devoção sem pecado do “gospel” e do “funk”. Tommy Turrentine, na trompete, mostra competência sem rasgos. John Patton é um organista mais linear e mais “pesado” que Smith, mas surpreende “dissonando” e fracionando o “bop” em “Sow belly blues”. Grant Green desenha na guitarra os “blues” com a distanciação do asceta e a nitidez que são seu timbre.
“Finger Poppin’” (1959) é um tratado de “hard bop” com assinatura de Horace Silver. Por vezes próximo de Monk, nomeadamente nos métodos de composição mas também no modo como parece querer abrir ao meio o piano até arrancar todos os segredos do seu ventre (ouça-se, a este propósito, “Juicy Lucy” ou as lentas e magistrais investigações involutivas, “Sweet stuff” e “You happened my way”). Blue Mitchell (trompete) e Junior Cook (sax tenor) “bopam” com agilidade horizontal. Silver sobe e desce. O que, no jazz, é bastante mais arriscado.
Donald Byrd é um dos trompetistas mais erráticos da história do jazz, tecnicamente competente, fluente quanto baste, mas sem uma verdadeira voz interior. Mesmo no ano do fogo de 1959, quando lançou um “Fuego” mal ateado e neste “Byrd in Hand”, agora reeditado, se pôs a falar de “Witchcraft” e “Devil whip”. Um dos temas, porém, redime o disco, “Here am I”, salvo por um daqueles motivos mágicos em que o jazz é fértil. Salvo pelo piano de Walter Davis Jr. e o saxofone barítono de Pepper Adams (volta a estar imparável em “Clarion calls”) aliados nesta síncope rítmica que fornece a senha para a volúpia.
“Jackie’s Bag”, de Jackie McLean (sessões compreendidas entre 1959 e 1960), constitui mais um motivo para andar na montanha-russa. Parkeriano na síntese da frase, metálico, agudo e acutilante no timbre, rude por vezes na transposição do discurso interior para o exterior, Jackie McLean entrou com o seu sax alto pelas ousadias do “free”, como de resto se pode comprovar pelas derradeiras frases de “Quadrangle”, de recorte ornettiano. Em “Isle of Java” encontramos o McLean quintessencial: obsessivo, flirtando tanto tempo quanto o necessário com a matemática harmónica do tema até pôr a nu todas as suas virtualidades.
A finalizar este périplo pelo “hard”, deparamo-nos com uma obra maior, por outra das suas figuras-chave, o trompetista Freddie Hubbard, tecnicista de um bom gosto e cultura irrepreensíveis, que no ano anterior a “Hub Cap” (1961) estivera presente no “Free Jazz” de Ornette Coleman e que, quatro anos mais tarde, integraria o grupo de eleitos que John Coltrane levou consigo, não se sabe se para o Paraíso ou para o Inferno, em “Ascension”. “Hub Cap” é um clássico, transcendente nos arranjos, nas variações contrapontísticas de “Cry me not”, de Randy Weston, no “swing” sensual de “Luana”, na perfeita articulação de um coletivo em que um Cedar Walton imperial, no piano, Julian Priester, no trombone, e Jimmy Heath, no saxofone tenor, levados ao colo por Philly Joe Jones, na bateria, e Larry Ridley, no contrabaixo, encontraram o plano ideal de compreensão e articulação, quase telepática, entre as ideias expostas na composição e a sua concretização instrumental.
Todas as reedições, com selo “The Rudy Van Gelder Edition”, além de temas extra, foram recuperadas em remasterizações de 24 bits e incluem novas notas informativas.