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Horace Silver – “Horace Silver Trio” + Sonny Rollins – “Volume One” + John Coltrane – “Blue Train” + Grant Green – “Grandstand” + Dexter Gordon – “Our Man In Paris” + Art Blakey & The Jazz Messengers – “Indestructible”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 6 Setembro 2003

Destacando-se do mais recente pacote de reedições “The Rudy Van Gelder Series” da Blue Note, dois clássicos: “Our man in Paris”, de Dexter Gordon, e “Indestructible”, de Art Blakey & The Jazz Messengers.


Uma máquina indestrutível

HORACE SILVER
Horace Silver Trio
7 | 10

SONNY ROLLINS
Volume One
6 | 10

JOHN COLTRANE
Blue Train
7 | 10

GRANT GREEN
Grandstand
5 | 10

DEXTER GORDON
Our Man in Paris
9 | 10

ART BLAKEY & THE JAZZ MESSENGERS
Indestructible
8 | 10

Todos Blue Note, distri. EMI-VC


No emaranhado de épocas e estilos em que se tornou o jazz atual é fácil sentir insegurança e desorientação. A história e as suas lições constituem o melhor remédio e a mais fiel das bússolas. A Blue Note é um porto seguro onde a história do jazz, nomeadamente do bop (do bepop ao hard), encontrou terreno de eleição para crescer e se desenvolver. Grandes nomes do jazz gravaram para este selo criado em Nova Iorque, ainda nos anos 30, pelo berlinense Alfred Lion. A Blue Note, mais do que um som (devido, em grande parte, ao engenheiro de som Rudy Van Gelder) foi, e é, um conceito global com uma estética própria e um conceito que desde cedo privilegiou o intercâmbio de ideias e de músicos.
O hard bop teve na Blue Note alguns dos seus mais importantes praticantes e a incessante série de reedições “The Rudy Van Gelder Series” tem tido a virtude de recuperar, nas melhores condições sonoras, alguns dos momentos históricos registados nesta editora, em muitos casos aumentadas de takes e outro material inédito. Mais seis volumes da série acabam de ver a luz do dia.
O pianista Horace Silver foi um dos primeiros a incorporar a linguagem do hard bop na sua música. “Horace Silver Trio”, gravado em 1952 e 1953, inclui sessões com os baixistas Gene Ramey, Curly Russell e Percy Heath, mas é Art Blakey, na bateria, quem assume o comando da locomotiva. O co-fundador dos Jazz Messengers (grande universidade do hard bop, criadam aliás, na sequência de uma sessão com Silver) atrai constantemente as atenções no modo como faz de cada tema uma demonstração exemplar de criatividade. Além de poderosa máquina de ritmos (“Message from Kenya” é a erupção tribal da África mais profunda e mágica onde o baterista faz soar os seus tambores como se fossem o coração múltiplo das entranhas da terra e “Nothing but the soul” um solo absoluto capaz de pôr o planeta aos saltos), Blakey era um incessante desenhador de melodias, a cada momento projetadas para o centro dos acontecimentos. Silver, herdeiro de Bud Powell e de Monk, revela-se, por seu lado, um pianista fortemente enraizado na singularidade rítmica do “blues”. A aliança entre ambos faz dançar um morto.
Quando nos pedem para nomear, sem pensar, um saxofonista de jazz, o nome surge quase automaticamente: Sonny Rollins. Sonny Rollins é “o” saxofonista, o aglutinador e experimentador incessante de formas e estilos, unificados por uma energia e entrega sem limites. Embora, e como Coltrane – que constituiu como que o horizonte limite da sua própria busca –, se perdesse na exploração interminável do pormenor, Rollins era a fonte inesgotável, fluxo de soluções e inquietações. Mas “Volume One”, gravação mono de 1956, não vai além de uma típica sessão de manutenção. O então ainda jovem saxofonista sopra em relaxe, Max Roach dá lições de “swing” e Donal Byrd, como de costume, arde, arde, para no final sobrar pouco mais do que manchas de fuligem. Na balada “How are things in Glocca Morra?”, pelo contrário, basta ao saxofonista diminuir ligeiramente o volume de saída de ar do seu tenor para a alma se sentir aquecida. Nada de transcendente, no entanto, comparado com as vulcânicas erupções do magistral “Saxophone Colossus”.
Pois… Coltrane, o mago. Rollins e Coltrane funcionam dialeticamente um pouco como os Rolling Stones e os Beatles. A Trane bastou uma trajetória meteórica para alcançar as estrelas e se tornar um mito. Já Rollins, como os Stones, é o trabalhador eterno e infatigável (Coltrane também o era, mas funcionava numa dimensão de grau superior…) cujo génio não se revela no instante mas antes se constrói a pulso. “Blue Train” não é, porém, uma obra com o estatuto de “A Love Supreme” ou “Ascension”. A gravação, com data de 1957, rodeou-se de várias contingências, com misturas de “takes” e mesmo, como no título-tema, de colagem de momentos extraídos de “takes” diferentes. Ladeado por dois notáveis solistas, Lee Morgan, na trompete, e Curtis Fuller, no trombone, e pela secção rítmica de Paul Chambers (contrabaixo), Kenny Drew (piano) e Philly Joe Jones (bateria), Coltrane corria aqui ainda sem a urgência de quem sabe que o tempo escasseia para alcançar a imortalidade. Ou seja, sem sair dos carris.
Autor de extensa discografia para a Blue Note, o guitarrista Grant Green é sinónimo de “blues” e de “feeling”, um pouco como uma versão simplificada de Charlie Christian. “Grandstand”, de 1961, caracteriza-se (como outros álbuns do guitarrista) por um som “longe” e acessível em que a leveza de timbre do guitarrista e as sonoridades aveludadas do Hammond de Jack McDuff se casam de uma maneira que viria a mostra-se altamente rentável, em termos de vendas, para a editora. Yusef Lateef, como Roland Kik, um soprador e multi-instrumentista adepto da excentricidade, é a peça fora da engrenagem, embora o seu desempenho em “Grandstand” esteja longe de soar ao canto exótico de uma ave rara.
Falemos então de coisas sérias. Como “Our Man in Paris” (1963), de Dexter Gordon. Às primeiras notas desaparece qualquer resistência. O tenor de Gordon possui o timbre exato, entre a clareza do fraseado e a dose ideal de rugosidade e uma pessoalíssima conceção do tempo de onde lhe advém o “swing”. Sobre a voz do seu saxofone tenor – cuja influência se exerceu, já agora, quer sobre Rollins quer sobre Coltrane –, há quem diga que alia a descontração, quase indolência, de Lester Young (ouça-se a forma como se deixa atrasar, arrancando golpes de lânguida sensualidade em “Willow weep for me”) à virilidade de Coleman Hawkins. “Our Man in Paris”, considerado um dos clássicos do bebop tardio, é uma daquelas fortalezas inexpugnáveis do jazz que permitem, a cada nova consulta, descobrir a essência do próprio jazz. No meio de “Scrapple from the apple”, notável apropriação de um tema e das conceções harmónicas de Charlie Parker, “A night in Tunisia”, de Dizzy Gillespie, e “Our love is here to stay”, de Gershwin, “Brodway” destaca-se como uma demonstração da capacidade de improvisação que, inclusive, fizeram o saxofonista evoluir para fora do bop (“estou sempre à procura de novos modos de improvisar”, disse) e “Stairway to the stars” é um tratado sobre como subir ao céu nas asas de uma balada. Aqui com o indispensável impulso do piano de Bud Powell, absolutamente notável na delicadeza e luminosidade que imprime a cada nota, a cada harpejo capaz de transformar o teclado na rede de luz de uma harpa.
De regresso ao início e ao local do “crime”, deliciemo-nos com uma gravação de Art Blakey com os Jazz Messengers de 1964, “Indestructible”, preenchida na íntegra por originais do grupo. Eis a máquina a funcionar em pleno. A Lee Morgan e Curtis Fulwer junta-se o tenor elástico de Wayne Shorter. O contraponto entre os três em “The egyptian” é para ser gozado até ao tutano desta renovada remasterização de 24-bits. Cedar Walton, no piano, faz bater o pé no andamento hispânico de “Sortie”, com o baterista a trotar em volta e o baixo de Reggie Workman faz rolar “Calling miss Khadija”. O diálogo entre o tenor de Wayne Shorter, autor das duas últimas composições, e o trombone de Curtis Fuller, em “When love is new”, é um instante de suspensão, cumplicidade e lirismo num álbum cuja força e coesão são suficientes para justificar o título e considerar a máquina Jazz Messengers, de facto, indestrutível.

Clifford Jordan & John Gilmore – “Blowing In From Chicago” + Jimmy Smith – “House Party” + Jimmy Smith – “The Sermon!” + Lou Donaldson – “The Natural Soul” + The Horace Silver Quintet – “Finger Poppin’” + Donald Byrd – “Byrd In Hand” + Jackie Mclean – “Jackie’s Bag” + Freddie Hubbard – “Hub Cap”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 05 Abril 2003

Clifford Jordan & John Gilmore
Blowing In From Chicago
8 | 10

Jimmy Smith
House Party
7 | 10

Jimmy Smith
The Sermon!
8 | 10

Lou Donaldson
The Natural Soul
7 | 10

The Horace Silver Quintet
Finger Poppin’
8 | 10

Donald Byrd
Byrd In Hand
7 | 10

Jackie Mclean
Jackie’s Bag
8 | 10

Freddie Hubbard
Hub Cap
9 | 10

Todos Blue Note, Distri. Emi – Vc

O hard bop teve na Blue Note um lar e uma escola. Oito novas remasterizações com selo Rudy van Gelder mostram outras tantas nuances do movimento que voltou a pintar o jazz com a raiva e as tintas negras do blues.


‘Hard bop’, 1º escalão

Chicago, onde os “blues” são mais tórridos e John Coltrane descobriu “mais jovens saxofonistas tenor do que em qualquer outra parte do país”. Nos anos 50, dois destes jovens tenoristas eram Clifford Jordan e John Gilmore. O primeiro herdeiro de Lester Young e Ben Webster, o segundo notabilizado na Arkestra de Sun Ra. “Blowing in from Chicago” é uma demonstração “hot”, plena de “swing”, das muitas que, nesta época, fizeram da Blue Note um dos lares privilegiados do “hard bop”. Os dois tenores entrelaçam-se em “Bo-till”. O “blues” reina, nas lições de piano de Horace Silver e nos mini-solos de Art Blakey, mestres absolutos do “hard”.
O “blues” do organista Jimmy Smith desliza de maneira diferente. Jimmy Smith integra na sua música a “soul”, o “rhythm’n’blues” e um lado “lounge” difícil de separar da sonoridade típica do Hammond. Duas sessões, a 25 de Agosto de 1957 e 25 de Fevereiro do ano seguinte, juntaram-se para dar origem aos álbuns “House Party” e “The Sermon!”. “House Party” inclui dois temas de Charlie Parker e inspirados desempenhos, no alto, de um dos seus discípulos, Lou Donaldson, deslumbrante na balada “Lover man”. “Just friends”, nas suas duas longas versões de 15 minutos dão azo a um entusiasmo “funky”, com o organista a fazer dançar e suar a sua mão direita e Lee Morgan a swingar na trompete num solo em que é visível o seu timbre “brilhante” e uma gama mais vasta de soluções harmónicas e melódicas que as evidenciadas pelo alto de Donaldson.
“The Sermon” soa a “jam” tocada no céu, com todos os participantes possuídos pelo “groove”. Soa mais descontraído e “cool” que “House Party”, como no título-tema. 20 min. de ondulação inalterável que quase recorda, respeitando a devida distância, as sessões de hipnose funk dos Can em “Future Days”. “J.O.S.” é easy listening na densidade (o Hammond parece pairar sobre as nuvens), tempo mais acelerado, cortado por um imaginativo solo de George Coleman, no alto. E que ninguém se assuste se ouvir Jimmy Smith a apitar pelo meio, marcando a duração dos solos, nem se choque se Lee Morgan fingir que não ouviu as buzinadelas insistentes e continuar a fazer o seu solo…
Mais “blues” e mais Lou Donaldson, em “The Natural Soul” (1962), pretexto para este saxofonista revisitar com mestria as escalas e “clichés” da matéria-prima do jazz. Ainda a devoção sem pecado do “gospel” e do “funk”. Tommy Turrentine, na trompete, mostra competência sem rasgos. John Patton é um organista mais linear e mais “pesado” que Smith, mas surpreende “dissonando” e fracionando o “bop” em “Sow belly blues”. Grant Green desenha na guitarra os “blues” com a distanciação do asceta e a nitidez que são seu timbre.
“Finger Poppin’” (1959) é um tratado de “hard bop” com assinatura de Horace Silver. Por vezes próximo de Monk, nomeadamente nos métodos de composição mas também no modo como parece querer abrir ao meio o piano até arrancar todos os segredos do seu ventre (ouça-se, a este propósito, “Juicy Lucy” ou as lentas e magistrais investigações involutivas, “Sweet stuff” e “You happened my way”). Blue Mitchell (trompete) e Junior Cook (sax tenor) “bopam” com agilidade horizontal. Silver sobe e desce. O que, no jazz, é bastante mais arriscado.
Donald Byrd é um dos trompetistas mais erráticos da história do jazz, tecnicamente competente, fluente quanto baste, mas sem uma verdadeira voz interior. Mesmo no ano do fogo de 1959, quando lançou um “Fuego” mal ateado e neste “Byrd in Hand”, agora reeditado, se pôs a falar de “Witchcraft” e “Devil whip”. Um dos temas, porém, redime o disco, “Here am I”, salvo por um daqueles motivos mágicos em que o jazz é fértil. Salvo pelo piano de Walter Davis Jr. e o saxofone barítono de Pepper Adams (volta a estar imparável em “Clarion calls”) aliados nesta síncope rítmica que fornece a senha para a volúpia.
“Jackie’s Bag”, de Jackie McLean (sessões compreendidas entre 1959 e 1960), constitui mais um motivo para andar na montanha-russa. Parkeriano na síntese da frase, metálico, agudo e acutilante no timbre, rude por vezes na transposição do discurso interior para o exterior, Jackie McLean entrou com o seu sax alto pelas ousadias do “free”, como de resto se pode comprovar pelas derradeiras frases de “Quadrangle”, de recorte ornettiano. Em “Isle of Java” encontramos o McLean quintessencial: obsessivo, flirtando tanto tempo quanto o necessário com a matemática harmónica do tema até pôr a nu todas as suas virtualidades.
A finalizar este périplo pelo “hard”, deparamo-nos com uma obra maior, por outra das suas figuras-chave, o trompetista Freddie Hubbard, tecnicista de um bom gosto e cultura irrepreensíveis, que no ano anterior a “Hub Cap” (1961) estivera presente no “Free Jazz” de Ornette Coleman e que, quatro anos mais tarde, integraria o grupo de eleitos que John Coltrane levou consigo, não se sabe se para o Paraíso ou para o Inferno, em “Ascension”. “Hub Cap” é um clássico, transcendente nos arranjos, nas variações contrapontísticas de “Cry me not”, de Randy Weston, no “swing” sensual de “Luana”, na perfeita articulação de um coletivo em que um Cedar Walton imperial, no piano, Julian Priester, no trombone, e Jimmy Heath, no saxofone tenor, levados ao colo por Philly Joe Jones, na bateria, e Larry Ridley, no contrabaixo, encontraram o plano ideal de compreensão e articulação, quase telepática, entre as ideias expostas na composição e a sua concretização instrumental.
Todas as reedições, com selo “The Rudy Van Gelder Edition”, além de temas extra, foram recuperadas em remasterizações de 24 bits e incluem novas notas informativas.