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Kathryn Tickell – “A Mais Bela Colheita” – Entrevista –

Sons

29 Agosto 1997

A mais bela colheita


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Para Kathryn Tickell, o borracho da gaita-de-foles de Northumbria, são importantes o “feeling”, o respeito e o diálogo com os tocadores mais velhos, mas também que aos mais jovens sejam dados a oportunidade e os meios para poderem singrar como músicos. O seu novo álbum, “The Gathering”, é um dos estoiros do ano. Mesmo “sem um acordeão à vista”, numa alusão à saída do grupo de Karen Tweed.

Kathryn Tickell, que já actuou, há uns anos, em Portugal, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, junta a fotogenia e o talento, como tocadora de gaita-de-foles e violino, com uma genuína preocupação com o que se passa, a nível do ensino de música, em Inglaterra. Falou ao PÚBLICO dessas preocupações e do seu álbum mais recente. “The Gathering”, que considera ser o seu melhor de sempre. Em matéria do gostos pessoais, as suas preferências vão para a música da Escandinávia.
PÚBLICO – Quais são as diferenças entre as “uillean pipes” e as “Northumbrian small pipes”?
KATHRYN TICKELL – Ambas usam o mesmo tipo de fole, em volta da cintura e pressionado com o cotovelo para empurrar o ar em vez de se soprar com a boca. Mas as ponteiras são bastante diferentes, por isso o som também é diferente. As “Northumbrian pipes” soam muito puras e precisas. As “uillean pipes” têm um som mais selvagem.
P. – Não é muito vulgar encontrar executantes que juntem a gaita-de-foles e violino, como é o seu caso…
R. – Na região de onde venho, a Northumbria, era comum entre os executantes mais velhos esta combinação. Suponho que o violino era usado mais para as danças e as “pipes” para os solos. Aprendi a tocar estes dois instrumentos aos 9 anos, em parte porque era normal na minha família, mas também porque era essa a minha vontade.
P. – Há quem diga que a música que faz actualmente perdeu uma parte de energia, com a saída de Karen Tweed, a acordeonista. Ela era assim tão importante no grupo?
R. – Antes de Karen Tweed, havia outro tocador de acordeão na banda que também era muito bom. O acordeão é um instrumento dominante e, obviamente, quando se tem um grupo de quatro elementos e esse instrumento desaparece, sente-se a sua falta. A nossa música tinha mesmo que mudar depois da saída de Karen. Agora é mais subtil, tem mais espaço. Mantivemos apenas um par de temas do reportório do acordeão e, mesmo estes, foram completamente rearranjados para se adaptarem ao trio. Nos festivais ou n os concertos maiores gostaria de aumentar o trio com mais um instrumento, talvez o acordeão, outra vez, ou outro qualquer, para trazer de volta o som da “big band”. Mas Ian e Neil gostam mais do novo formato, sentem-se mais livres. Devo dizer que me sinto bastante feliz com “The Gathering”, que considero ser, de longe, o meu melhor álbum. E sem nenhum acordeão à vista! Karen era de tal forma boa que seria difícil encontrar outro acordeonista para a substituir. Por isso decidimos que esta seria a melhor estratégia, evoluirmos para um “feeling” diferente.
P. – Num instrumental como “Real blues reel”, faz um dueto de extrema complexidade com a harmónica de Brendan Power. O que é mais importante para si, a velocidade, a capacidade de introspecção, a força, a emoção?…
R. – O “feeling”. É claro que a técnica também me impressiona, mas os meus músicos preferidos, os que mais me inspiraram, são aqueles que tocam as minhas emoções.
P. – Numa entrevista publicada na edição de Junho da “Folkroots” demonstra um grande interesse pelos músicos mais novos, referindo-se ao seu envolvimento no “show” da BBC Bright Young Things e a uma tal Tyne & Wear Foundation.
R. – No ano passado fiz, de facto, uma série de programas de rádio para a BBC onde apresentei alguns jovens músicos. A resposta do público foi boa, por isso deram-me mais uma série, à qual mudei, entretanto, o título. Há músicos tradicionais de excelente qualidade em Inglaterra que não estão a ter o reconhecimento que merecem. Sempre que tenho oportunidade, dou-lhes um empurrão. Em relação à Tyne & Wear Foundation, é uma organização de caridade, com a qual montei, em Março passado, um “fundo para os jovens músicos”, cujo objectivo é ajudar esses mesmos músicos no Nordeste de Inglaterra, região onde as taxas de desemprego são muito elevadas. Aprendi a tocar violino na escola, como parte da minha educação. Presentemente, devido aos enormes cortes governamentais nesta área, chegou-se a uma situação em que as crianças só podem aprender a tocar um instrumento se os pais tiverem posses para pagar. E muitos não têm. O fundo tenta arranjar dinheiro para pagar lições, coisas deste tipo, às crianças.
P. – Tem alguns planos para editar o material que gravou com dois músicos lendários de Northumbria, Will Atkinson e Willie Taylor?
R. – Will Atkinson, um tocador de harmónica, foi dos tais músicos que mais me influenciaram, assim como o violinista Willie Taylor. Willie não é brilhante, em termos técnicos, mas adoro o seu “drive” e o seu ritmo. Dá-nos uma vontade irresistível de dançar. Além de que tem um “feeling” fantástico nos “slow airs”. Infelizmente não temos muita música gravada, os três. Eu e Willie tocámos algumas coisas, no ano passado, que gravei. Ele tem 81 anos e o seu som está a tornar-se um bocado arranhado e a sua memória já não é o que era, mas quando consegue “arrancar” ainda é fabuloso! Adoraria editar este material num álbum. Sei que não venderia milhões, mas isso não é importante. No que diz respeito a Will, está com 89 anos, e forte como nunca!…
P. – Vai tocar com o saxofonista de jazz John Surman no Stockton Riverside Festival, já no próximo mês. Como se está a sentir?
R. – Excitada. Apavorada, mas excitada!…
P. – E em que ponto se encontra outro projecto seu, com Sting e Jimmy Nail, a favor da Rainforest Foundation?
R. – Esse é mesmo um estranho trio! Gravámos um tema tradicional de Northumbria, “The waters of Tyne”, para um álbum. Também o tocámos ao vivo num concerto de caridade no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Sting e Jimmy Nail são de Newcastle, onde eu vivo, e interessam-se ambos pela música tradicional.
P. – Qual é o seu “top” de preferências discográficas actual?
R. – “Song for Everyone”, de Jan Garbarek, Shankar e Zakir Hussain, tem sido um dos meus discos favoritos nos últimos anos. Os restantes variam de dia para dia. De momento escolho: 2) “Frifot”, de Mӧller, Willemark e Gudmunsson [N. R. – Fica a dúvida se Kathryn se estaria a referir-se ao novo “Järven”, dos Frifot]. Adoro música de violino sueca. 3) Martin Hayes, com “Under the Moon”. 4) Tenores de Bitti, “Intonos”. 5) Em princípio, escolheria o álbum de Ola Bäckstrӧm, “Ola Backstrom”, mas Ian acabou de me oferecer uma cópia do novo dos Swap, “Swap”, com ele na guitarra, Karen Tweed no acordeão e Ola Bäckstrӧm e Carina Normansson nos violinos. É uma maravilha.



Entrevista: Zap Mama – Marie Daulne

Pop Rock

5 Março 1997

Sete, o número da cura

“Seven” é o sétimo sentido que cura e o título do novo trabalho das Zap Mama, filhos das viagens de Marie Daulne pelo hip hop, o reggae, a soul e a cultura tuaregue. Polifonias dos mundos antigos e modernos para encher os pulmões.


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Para Marie Daulne, mentora do grupo vocal feminino Zap Mama, agora com uma secção instrumental e contrato assinado com uma nova editora, é tudo uma questão de descoberta e aprendizagem. Se “Seven” é o seu álbum mais acessível, tal não acontece por uma questão de moda, mas porque ela descobriu a existência de outras maneiras de dar a ouvir as polifonias do mundo tradicional ao mundo moderno. Com a mesma paixão pelo som do hip hop. “O importante é fazer com que as pessoas cantem.”
PÚBLICO – Por que razão escolheu “Seven” para título do terceiro álbum das Zap Mama?
MARIE DAULNE – Sete é um algarismo que está presente em inúmeras culturas. Além disso, há os sete pecados mortais e toda a espécie de conotações simbólicas. Em África, acredita-se na existência de um sétimo sentido, concedido aos artistas, que têm o poder de curar as almas.
P. – A mudança de editora, da Crammed para a Virgin, significa que estavam descontentes com o trabalho da primeira? A mudança implicou alterações no estilo e métodos de trabalho do grupo?
R. – Sim, a Crammed é uma editora pequena e nem sempre dispunha dos meios financeiros para poder assumir a dimensão internacional que pretendíamos. A Virgin é maior e creio que poderá assegurar-nos o sucesso a esse nível. Quanto à nossa música, nada mudou…
P. – Mas é o vosso álbum mais acessível…
R. – Sim, porque cantamos em inglês e temos agora uma secção rítmica que ajuda a uma leitura mais fácil dos ritmos, recorrendo em simultâneo a cadências que toda a gente conhece.
P. – Ao ponto de haver uma série de temas com base no hip hop. Não é, um pouco, encostar-se a uma moda?
R. – Não tem nada a ver com ser ou não uma moda, mas apenas com o facto de gostar imenso de hip hop. A moda surgiu posteriormente, na world music, com grupos como os Deep Forest. Quanto ao hip hop, ouço imenso, sobretudo Spearhead, que é o Michael Franti, com quem, aliás, trabalhei [na banda sonora de “Blue in the Face”]. Também gosto dos US 3 e dos The Roots. Sinto que está a chegar uma nova geração, que aceita, em primeiro lugar, o som, em detrimento da melodia. É o som que fala por si. Se for a um concerto dos The Roots verifica que tocam uma caixa-de-ritmos com a boca ou fazem uso intensivo do “scratch”. Servem-se de tudo o que têm à mão para produzir som. Esta é a filosofia do hip hop e também a minha. A diferença está em que, enquanto os americanos recorrem a todas as máquinas que têm à sua disposição, na Europa fazem-se coisas bastante mais acústicas, mais naturais, mesmo mais silenciosas. Mas, repito, oponho-me a seguir qualquer moda, por isso recuso integrar-me no universo do hip hop ou do jazz.
P. – Apesar disso, nota-se, em “Seven”, que houve um trabalho de produção minucioso. Como é que o grupo trabalha em estúdio? Gravam uma voz de cada vez ou cantam logo em conjunto?
R. – Trabalho sozinha. Todos os discos do grupo foram feitos por mim, sozinha. Gravo uma voz de cada vez, sozinha, mas sabendo de antemão o som que pretendo. É um processo que vivo apaixonadamente, passo o tempo todo a intrometer-me, a mexer em tudo, a escutar o mínimo pormenor. Mas não sou como Bobby McFerrin, que não precisa de mais ninguém. Não resultaria se fizesse como ele. É preciso misturar timbres, vozes diferentes, uma graves, outras agudas, umas outras roucas. Pedi às outras raparigas que cantassem como eu queria. Em “Sabsylma” mudei as raparigas, porque quis usar outros timbres diferentes. Fiz o mesmo neste terceiro álbum, em que pretendi misturar o timbre das vozes com outros instrumentos.
P. – Essa presença instrumental mais forte não descaracterizou o grupo? As Zap Mama deixaram de ser o grupo de vozes “a capella” dos dois primeiros álbuns…
R. – É simples, as Zap Mama não são um grupo no sentido restrito do termo, mas um conceito que eu própria inventei. No início, a ênfase era posta nas polifonias do mundo inteiro e foi isso que fiz. Presentemente, numa altura em que toda a gente tem a cabeça voltada para a polifonia, decidi cantar de outra forma e voltar-me para o mundo moderno.
P. – Ao vivo, as coisas funcionam da mesma maneira?
R. – Quem já ouviu as novas Zap Mama já comprovou a existência da nova componente rítmica e instrumental. Digamos que, hoje, tocamos para um público mais intelectualizado, enquanto, no início, o fazíamos para uma plateia mais simples, talvez mais próxima do mundo africano. Hoje tocamos para toda a gente. Todos têm direito a escutar polifonias.
P. – Como conheceu o “rasta” U-Roy, que participa em “XXX”?
R. – O meu empresário é também organizador de concertos e falou-me de um com U-Roy, um músico que ouço e adoro desde os meus 14 anos. Larguei tudo para ir ao concerto, encontrei-me com ele e convidei-o a tocar connosco. Felizmente, ele concordou…
P. – Como surgiu a ideia de fazer a versão de “Damn your eyes”, de Etta James?
R. – Quando era adolescente, ouvi esta canção na altura em que sofri uma desilusão amorosa e foi ela que me ajudou a sair da tristeza. Ao inclui-la em “Seven” achei que talvez pudesse, de novo, ajudar outros adolescentes a sair da mesma situação…
P. – Agora que o fenómeno da world music está firmemente implantado, é mais fácil fazer chegar ao público a música das Zap Mama?
R. – Sem dúvida que sim, mas o meu objectivo não é tirar partido da sorte, mas sim descobrir e divulgar os sons de outros povos. Se um maior número de pessoas ouvir a música das Zap Mama, o importante é poderem dizer: “Ah! Olha a música dos tuaregues!” Ou: “Oh, é assim a música dos pigmeus?” Este é o meu objectivo principal. Pessoas que nunca tiveram antes qualquer contacto com a música étnica, vão descobrir e apreciar outros povos e culturas e tomar consciência de que não estão sós sobre a Terra.
P. – “Sabsylma” tem como conceito base a luta contra a injustiça. “Seven” parece inclinar-se mais para o lado do misticismo. É verdade?
R. – Não sei se há misticismo… A única diferença que sinto em relação ao que era quando fiz “Sabsylma” é que agora sou mãe. Tenho a impressão de ser mais realista neste álbum. No primeiro disco do grupo, vivia num mundo que, embora sendo real, era um mundo que ninguém conhecia.
P. – “Zap Mama” e “Sabsylma” jogaram, em grande parte, no efeito da surpresa. Agora que ela se desvaneceu, as Zap Mama investigam novos caminhos?
R. – Estou sempre a descobrir coisas novas. Novos músicos, como Stéphane Galland e Michael Hatzigeorgiou, com quem aprendi muito. Com os tuaregues, descobri novas maneiras de funcionar. Fez-me abrir os olhos para novas realidades.
P. – O estilo vocal das Zap Mama fez escola, com seguidores como as Évasion, por exemplo. Como encara este facto?
R. – É verdade. Quanto mais pessoas houver para fazer este estilo de coisas, melhor. Desde que o façam bem, claro. Se não fosse assim, não fazia sentido gravar discos. Por mim, gostaria de fazer cantar as pessoas que sentem desejo de o fazer.
P. – Para acabar, que força é que a faz cantar?
R. – Saber que, através do canto, se cura muitas doenças. Que a melodia tem um poder de cura. As pessoas têm falta de ar, em vez de tomar remédios, deviam encher os pulmões. E o canto é, na essência, encher os pulmões.



Entrevista – Boris Blank (Yello) – “Um Elefante Ao Microscópio”

Pop Rock

26 Março 1997

Yello metem o universo no bolso

Um elefante ao microscópio

Boris Blank fechou-se no estúdio, na companhia de um cão e dos seus amigos sintetizadores e computadores, para criar o seu pequeno universo de bolso, de “bips” e “beats” alinhados nas tendências actuais da música de dança. “Pocket Universe”, o novo álbum dos Yello, é o trabalho de um cientista agarrado ao microscópio. Com a voz de Stina Nordestam e as mãos de Carl Cox.


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Foram pioneiros da electrónica aplicada à dança, mas hoje repetem os passos dos seus seguidores. O êxito e o dinheiro transformaram os Yello de grupo compincha dos Residents num circo de luxo habitado por muito luxo e pouco excesso. “Se tiver um circo pequeno com burros, vacas e patos e ganhar algum dinheiro, vai querer comprar um elefante ou um trapezista”, explicou ao PÚBLICO Boris Blank, sintetista desta banda suíça que um dia gravou um disco tão inovador como bizarro. Chamava-se “Tem que Dizer sim a mais Um Excesso” e tinha um gorila na capa.

PÚBLICO – “Pocket Universe” faz um apanhado de drum ‘n’ bass, house e jungle. O que significa que de pioneiros e líderes de movimento os Yello passaram à condição de seguidores. Isto não o incomoda?
BORIS BLANK – Somos considerados os pais da música tecno, juntamente com os Kraftwerk. Se somos os pais, então devemos ter alguns filhos. Se um filho fizer algo bom, o pai pode ser inspirado por ele. Mas o importante é que a nossa música tem conservado um som que é tipicamente Yello.
P. – A partir do álbum de remisturas “The New Mix in One Go”, esse som tornou-se progressivamente mais comercial. Continua a reivindicar para os Yello esse “campo de experimentação onde tudo pode acontecer”, como diz na folha de promoção?
R. – Digamos que, nos álbuns mais recentes, nos inclinámos mais para as canções. Mas creio que o novo disco é relativamente experimental, do mesmo modo que era experimental aquilo que fizemos há 17 anos, nos dois primeiros álbuns. [N.R. “Solid Pleasure” e “Claro que Si”, para a mesma editora, a Ralph, onde gravavam os Residents.] Mas tenho que reconhecer que gostaria de fazer um tipo de música mais experimental sem preocupações de ser passada na rádio.
P. – Para nós, a obra-prima dos Yello é “You Gotta Say yes to Another Excess”. Pode dizer-se que, hoje, o lema é “You gotta say no another excess”?
R. – Continuamos a divertir-nos e creio que há neste álbum mais excesso do que nos imediatamente anteriores. Tem uma transparência, como se existisse filmes no seu interior. É uma música visual. Para mim, isso é experimental e, nalguns temas, muito excessivo.
P. – “One Second” marcou uma viragem no som dos Yello, que se tornaram numa espécie de pioneiros do electropop. Sentiram nessa altura a pressão ou o desejo de entrar para o circuito da música de dança?
R. – Não, sempre fizemos apenas aquilo que queríamos. Música e diversão. Não pensamos em conceitos prévios para depois aplicar à música. Ao fim destes 17 anos, continuamos a ter o mesmo rosto, não o alterámos recorrendo a qualquer cirurgia plástica.
P. – Em “Pocket Universe”, a voz e os instrumentos foram gravados em separado. É esse o modo usual de trabalharem?
R. – A música surge sempre primeiro que as letras. Só que, desta vez, o Dieter gravou a voz noutro estúdio, trazendo-me uma disquete que eu posteriormente “liguei” à música, como se estivesse a ligar um cabo. Foi uma experiência interessante.
P. – A propósito deste disco, disse que se “deixou flutuar através do maravilhoso cosmos da música”. É mais uma das típicas piadas dos Yello…
R. – É o que tenho andado a fazer nos últimos tempos, a trabalhar em novos temas onde funciono como um cientista que observa os fenómenos através de um microscópio. Pode proceder-se da mesma maneira com os sons, fazer uma síntese e manipulá-los até ficarem totalmente diferentes do que eram antes. É este o meu pequeno universo onde flutuo em cada dia, no estúdio, entre os meus sintetizadores e computadores, que são os meus melhores amigos. Trabalho sempre sozinho. A minha única companhia costuma ser um cão…
P. – Quer dizer que nunca trabalha em conjunto com Dieter Meier?
R. – De facto, não é frequente. Em cada álbum, passa apenas duas ou três semanas comigo. O resto fica a meu cargo.
P. – Em anteriores álbuns convidou para cantar Shirley Bassey, e Billy McKenzie. Em “Pocket Universe” o convite foi endereçado a Stina Nordestam. Por alguma razão em especial?
R. – Quis ter uma voz feminina em “To the sea”, porque achei que este tema ficaria melhor com um registo agudo, em vez de um grave. Gravei-o numa cassete e dei-o a ouvir a Stina, que veio a Zurique já com ele completamente preparado. Acabámos as letras, a harmonia e a vocalização, tudo em três horas. Depois ela desapareceu…
P. – Por que razão convidou Carl Cox para produzir o tema “Magnetic”?
R. – Achámos que devíamos fazer alguma coisa juntos quando nos encontrámos em Zurique para discutir o projecto “Hands on Yello”. Depois, fizemos um concerto juntos, em Dortmund. De novo em Zurique, resolvemos produzir-nos mutuamente. Trabalhámos juntos dois dias, fartámo-nos de rir…
P. – Que opinião tem sobre esse projecto, “Hands on Yello”, de remisturas de temas do grupo?
R. – Acho interessante ver o que as outras pessoas conseguem fazer com as nossas cores sonoras. É uma sensação engraçada. Achei que talvez tenham demonstrado um respeito excessivo pelos Yello. Podiam ter sido bastante mais loucos…
P. – Os Yello têm hoje um êxito considerável. Isso representa para o grupo um alívio ou uma armadilha?
R. – Se tiver um circo pequeno com alguns burros, vacas e patos, é claro que terá que os alimentar. Se ganhar algum dinheiro, vai querer comprar um elefante ou um trapezista, que custam mais caro. O sucesso significa ter mais dinheiro e mais pessoas a virem ao circo. Até agora, têm gostado do nosso circo.
P. – A música do grupo já foi usada em contextos tão diferentes como um filme de animação da produtora japonesa Manga e um “spot” publicitário da cerveja Budweiser. Agrada-lhe este tipo de apropriação?
R. – Absolutamente. São sempre janelas para os Yello, uma montra onde qualquer pessoa pode escutar a música e perguntar quem é que a fez. Talvez gostem dela e vão comprar os discos. Até porque é muito raro tocarmos ao vivo.
P. – Pode dar-nos alguma informação sobre o videoclip de “To the sea”? Tem imagens e uma montagem verdadeiramente espantosas (Manhattan transformada numa gigantesca piscina de mergulhos, com nadadores a lançarem-se do alto dos arranha-céus)…
R. – As primeiras imagens foram feitas sem o Dieter. As imagens em que ele entra foram acrescentadas por um inglês, Paul Morgan, que realizou todo o trabalho. As fotos que tirámos foram feitas em Londres, durante dois dias, dentro de água, numa piscina verdadeira.