05.02.1999
World
A Lua Sobre O Macaco
Martin Carthy é uma das lendas vivas da folk inglesa. Integrou dois dos grupos responsáveis pelo “boom” da música tradicional no seu país, os ortodoxos The Watersons e, mais tarde, os pioneiros do folk rock, Steeleye Span, mantendo ainda uma colaboração regular com o violinista e ex-Fairport Convention Dave Swarbrick, a par de uma já extensa discografia a solo que inclui álbuns brilhantes como “Landfall”, “Because it’s there”, “Shearwater”, “Sweet Wivelsfield”, “Out of the Cut” e “Right of Passage”. “Signs of Life”, o seu mais recente trabalho a solo, reúne uma série de versões de canções que, segundo diz, o marcaram na época em que começou a manifestar o seu interesse pela folk.
Como sempre, a sua voz e a sua guitarra operam, por si só, maravilhas, transformando temas como “New York mine disaster, 1945”, dos Bee Gees, ou “Heartbreak hotel” (um dos primeiros 78 rotações que comprou, com o original de Elvis Presley, embora a autoria do tema se deva a Mae Hexton, mãe de Hoyt Axton) em baladas às quais a sua voz inconfundível imprime um cunho tradicional. O álbum inclui ainda versões de um tema que Carthy já interpretara num dos seus discos de parceria com Dave Swarbrick, “Prine Heathen”, e “Sir Patrick Spens”, que os Fairport Convention usaram em “Full House”, num registo diferente.
Destaque ainda para as ocasionais prestações, no violino, da sua filha, Eliza Carthy, num álbum que reforça ainda mais a posição de Martin Carthy como um dos nomes clássicos e, simultaneamente, mais inovadores) da música folk deste século. (Topic, distri. Megamúsica, 8.)
Voltamos a encontrar Martin Carthy nos Brass Monkey, outro dos projectos em que esteve, desde o início, envolvido, participando nos dois primeiros álbuns desta banda vocacionada para a interpretação do reportório tradicional inglês em instrumentos de sopro: “Bras Monkey” e “See how it Runs” (reeditados em CD, num único volume, “The Complete Brass Monkey”), respectivamente de 1983 e 1986. Volvidos 13 anos, os Brass Monkey regressam com a mesma formação, com John Kirkpatrick, no acordeão e concertina, Howard Evans, no trompete, Richard Cheetham, no trombone, e Martin Brinsford, na percussão, e um novo álbum que nada deve aos anteriores.
Se em “Signs of Life” é uma certa discrição vocal de Carthy que sobressai, em “Sound & Rumour” destaca-se o lado mais épico das suas vocalizações, valorizadas pela nobreza dos metais e pelas “squeeze boxes” de Kirkpatrick. “The flash lad”, “An acre of land”, “Old horse”, “”The roving journeyman”, “The old Virginia lowlands” e “Soldier, soldier/The flowers of Edimburgh” são clássicos instantâneos, apenas equiparáveis à obra-prima “Anthems in Eden”, de Shirley and Dolly Collins. Como complemento dos temas vocalizados os Brass Monkey dedicam os “sets” instrumentais ao levantamento e revitalização das velhas danças “morris”, num trabalho próximo dos primeiros álbuns dos Albion Country Band.
Empolgantes, sempre que Carthy intervém, inventivos nos arranjos intrumentais, os Brass Monkey ressuscitaram incólumes da sua letargia. Ou, como referem na capa, de uma “animação suspensa” ou de um “congelamento criogénico” do qual saíram como se nunca tivessem estado verdeiramente ausentes. (Topic, distri. Megamúsica, 9.)
Agora ligados a uma multinacional, os Luar na Lubre prosseguem o seu caminho em direcção a um universalismo que lhes permita atingir, a curto prazo, um estatuto semelhante ao dos Milladoiro, como embaixadores da música tradicional da Galiza no mundo. “Plenilunio” pode ser o impulso decisivo, uma vez que o grupo soube tornar mais aberta e sofisticada a sua música sem sacrificar o essencial, a ligação criativa às raízes que caracteriza os álbuns anteriores: “O Son do Ar”, “Beira-Atlântica” e “Ara Solis”. “O Son do Ar” ressurge, aliás, numa nova versão, no instrumental de abertura de “Plenilunio”, revelando de imediato uma mudança, em termos de sonoridade, na utilização da espacialidade, permitindo deste modo uma respiração mais ampla dos instrumentos.
Bieito Romero continua a fazer soar a gaita-de-foles, a sanfona e o acordeão diatónico de forma superlativa, enquanto a voz de Rosa Cedron (que também toca violoncelo) se destaca como elemento preponderante, centrando em si o lado eventualmente mais cativante da música do grupo. Em “Os Teus Ollos” consegue mesmo ser tocante, num embalo de tristeza em que a simplicidade das palavras contrasta com a complexidade de uma orquestração barroca : “Cando se pon a lúa tras dos penedos, choran as estrelinas todas do ceo / Temán eu choro, tamém eu choro, cando non me alumean eses teus ollos”.
“Ao-Tea-Roa” evoca o intimismo melódico dos Chieftans, de “The Chieftains 5”, num modo de “irlandização” que, literalmente, explode em glória em “Roi xordo”. Mas o mar e a claridade de um “luar na lubre” (“Lubre” era o bosque sagrado onde os celtas celebravam os seus ritos) tudo banham em “Ronsel”, um original de Bieito Romero, onde este demonstra por que é, hoje, um dos maiores executantes, na gaita-de-foles e na sanfona, da Galiza. “Cantiga de Falvan” cruza a “scooter” dos Gwendal com os menestréis Jethro Tull, a sanfona mergulha no mais profundo da Galiza medieval, em “Romance de Bernardino e Sibelina”, até o baile populat fazer valer os seus direitos no tema final, “Galaecia”. Depois de “Ara Solis”, “Plenilunio” garante aos Luar na Lubre outro triunfo. (Warner Bros. distri. Warner Music, 9.)