Bobby Conn – Rise Up!

19.02.1999
O Anticristo Ataca
Bobby Conn
Rise Up! (8)
Truckstop, distri. MVM

bobbyconn_riseup

De vez em quando, aterra no aeroporto da pop gente estranha. Bobby Conn é o passageiro mais recente de uma comitiva de que fazem parte Kevin Ayers, Daevid Allen, Captain Beefheart, Kim Fowley, Brian Wilson, R. stevie Moore ou David Thomas, entre muitos outros. A “Roar Magazine” chama a este espécime bizarro “a brilliant demented genius”. Quanto a Conn, as suas pretensões vão no sentido de se assumir como um anticristo (entre outras coisas, afirma que Jesus está de volta, com uma pedrada de “crack”) que irá converter a América e o mundo ao poder da besta. As “Nações Unidas sob o poder de Satã” são sistematicamente anunciadas em registo de “surf music”, profetizando que o “armagedão”, o dia do juízo final, está próximo.
Além deste pequeno pormenor que poderá levar o planeta à ruína, Conn também fez a auto-amputação de um dedo, pretende que os seus discos sejam editados numa tal editora Cascablanca e afirma ser um cristão-novo, um orador, um guru e um chulo. Talvez por isso, o artista precipita no seu mundo delirante um dilúvio de referências que – se levarmos em conta uma lista lançada por alguma crítica norte-americana – integram Jon Spencer, Screamin’ Jay Hawkins, Captain Beefheart, Jackson Five, James Brown, Big Black, Schoenberg, Marilyn Manson, David Bowie, Frank Zappa, T. Rex, Mott the Hoople e os Beatles.
“Rise Up!” é um daqueles discos que resumem, de facto, uma quantidade de páginas da pop compreendidas entre os anos 60 e os 90. Um humor corrosivo e, por vezes, desconcertante, juntamente com o penteado em estilo cogumelo e uma facilidade enorme de percorrer, de canção para canção, estilos completamente contraditórios aproximam Conn de um farrista como Kim Fowley. A voz do cantor tanto soa a uma clonagem de David Bowie, de “Hunky Dory” e “Ziggy Stardust” (em “Rise Up” e “United Nations”) como se esganiça numa patetice tétrica dos Residents (“California”), ou estremece no falsete de Marc Bolan (“White Bread”).
Conn é o profeta da desgraça, numa paisagem apocalíptica de um desenho animado dos Jetson, flirtando com o jazz, a electrónica, o “disco-sound”, a country, o reggae, a bossa-nova, o funk e o rock ‘n’ roll, mas sempre num esquema de excentricidade que faz de “Rise Up” um manancial de surpresas e de reencontros na esquina errada da memória. Todo o universo visual e sonoro de Bobby Conn está desfasado, minado por uma esquizofrenia latente cujos sintomas são mais claros numa faixa como “A Conversation”, uma gravação de chamadas telefónicas captadas em directo, também neste caso convocando processos semelhantes aos usados por Kim Fowley na sua fase criativa de maior desiquilíbrio mental, em “Good Clea Fun” e “Outrageous”.
Ouve-se “Rise Up!” de ponta a ponta e não se percebe muito bem onde é que Conn pretende chegar, embora seja evidente a sua capacidade de nos surpreender a cada momento. Imaginemos, por exemplo, o que poderia ter acontecido – podemos imaginar tudo ao escutar este álbum!… – se Bowie tivesse levado o gravador, nos anos 70, para dentro de um armário, como fez R. Stevie Moore, esse glorioso maluco a quem o mundo um dia há-de fazer justiça. Apenas um palhaço que decidiu apresentar o seu conceito muito pessoal de “pós-rock”? Ou será que Conn é, afinal, um extraterrestre (mas daqueles excessivamente artificiais e coloridos, de “Marte Ataca”) disfarçado de rocker que escolheu mal a cabeleira?
Seja qual for a resposta, que nunca chegará, o melhor mesmo é voltar ao princípio e sorrir outra vez, porque nada parece estar no sítio onde parecia estar na audição anterior. A participação e produção de Jim O’Rourke ajuda a compreender muita coisa, mas não explica nada.

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