Tortoise – As Metamorfoses Da Pós-Tartaruga

30.03.2001
Tortoise
As Metamorfoses Da Pós-Tartaruga

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“That’s me, the president of the junta! I am the president of the junta!” (“Eu, eu é que sou o presidente da junta!”), gritam em coro John McEntire e Jim O’Rourke. A junta é o pós-rock, género musical algo estafado nos dias que correm, mas cuja liderança era de primordial importância, há cinco, seis anos atrás. Eles são de facto os dois presidentes da junta do pós-rock de Chicago.
Mas, perguntarão vocês, porquê falar aqui de política regional? Fácil: porque um destes autarcas, John McEntire, visita-nos amanhã, na qualidade de dirigente dos Tortoise, uma das mais importantes instituições musicais de Chicago e uma das que mais e melhor contribuiu para conferir credibilidade ao pós-rock. Tortoise pela primeira vez em Portugal é um acontecimento. Ainda para mais numa altura em que mal pousou nos escaparates nacionais o novo álbum “Standards”, capítulo mais recente de uma aventura sónica que não cessa de surpreender.
Os Tortoise (“tartaruga”, designação inspirada em John Fahey, um dos heróis da banda, recentemente falecido, cujo gosto por este réptil constituía uma das suas muitas idiosincrasias…), expoente da cena alternativa de Chicago, formaram-se – surpresa – em… Chicago, mais concretamente no Illinois, em 1990. Quatro anos após a sua fundação, o álbum de estreia “Tortoise”, juntamente com outros álbuns de bandas como os Rome, Trans AM, Slint ou Him, alertou a crítica e o público para a existência de um movimento ao qual foi colado o rótulo “pós-rock” (“post rock”). Na prática, queria dizer: rock que recusava sê-lo, ou que queria levá-lo para fora dos seus parâmetros tradicionais, para tal recorrendo e reformulando influências, passadas e contemporâneas, como o krautrock, a cena de Canterbury, progressivo, jazzy, easy listening, art-rock e até… bem camuflado, o rock.
Mas “Tortoise” não fazia prever a dimensão que viria a ter o álbum seguinte, “Millions now Living Will never Die” (existe um disco intermédio de remisturas, de 1995, nunca distribuído em Portugal, “Rhythms, Resolutions & Clusters”). De imediato, o álbum ganhou um estatuto de culto, muito por culpa de um tema, “Djed”, que não se envergonhava de permanecer a girar durante cerca de 20 minutos, recuperando sem traumas a tradição das faixas longas, quer do krautrock, quer da música progressiva, dos anos 70. “Djed” é uma experiência sem paralelo nos domínios da experimentação, abrindo ao então emergente pós-rock novas pistas, tanto a nível estético, como ao das técnicas de estúdio.
Muita desta liberdade criativa – é forçoso reconhecê-lo – deve-se ao visionarismo de dois dos produtores, Steve Albini e… Jim O’Rourke, precisamente, o outro presidente da junta, com quem McEntire trabalhara nos Gastr del sol.
Quem, hoje, quiser saber os caminhos que em 1996 se abriam ao pós-rock, deve consultar “Millions now Living Will Never Die”. Os Tortoise tinham-se tornado a ponte que ligava a tradição à inovação. E uma referência incontornável da música de Chicago que deste modo voltava a fazer frente a Nova Iorque, sede desde a década passada da tentacular cena “downtown2, na liderança das “novas músicas” americanas. Os Tortoise ficavam paralelamente imortalizados numa novela de Timothy White, “Low Fidelity”, onde se narra a viagem de um fanático a Londres para comprar todas as edições discográficas do grupo.
Depois de novo disco de remisturas, “Remixed”, o passo seguinte, “TNT”, indica uma viragem musical de 180º. O som torna-se difuso, menos focado, em abstracções que sugerem improvisação, novas investigações de estúdio e experimentação nas franjas do jazz. O que não surpreende se atendermos a que um dos músicos, Jeff Parker, faz parte da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians) e que os Tortoise mantêm relações com outras duas bandas importantes de Chicago, os Isotope 217º e os Chicago Underground Orchestra, ambas do universo do jazz alternativo.
O novo “Standards” volta a surpreender. É o “disco punk” dos Tortoise. O pós-rock afastara-se tanto do rock que, no fim, fechando um ciclo, encontra… o rock. Mas um rock que perdeu a inocência para se assumir como criação mutante. Ainda um álbum sobre a América, onde também a inocência cedeu o lugar, definitivamente, ao império do espectáculo. A mais recente edição da série “Red Hot”, “Red Hot + Indigo”, dedicada a Duke Ellington, conta com a colaboração do grupo, numa versão do tema “Didjeridoo”.
Na primeira parte, actuam os “The Sea and the Cake”, um dos múltiplos projectos paralelos de John McEntire (também autor, a solo, da banda sonora de “Reach the Rock”). Nostalgia, memórias de Canterbury, pop e bossa-nova, numa música de nuances suaves que pode ser ouvida em disco no novo “Oui”.

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