Arquivo da Categoria: Críticas 2004

Trapist – “Ballroom” (conj.)

29.10.2004

Radian
Juxtaposition

Trapist
Ballroom

LINK

Thrill Jockey, distri. Ananana

7/10

Trata-se da música das máquinas. Começou com a cena industrial dos 80’s, apadrinhada pelos krautrockers Cluster, Conrad Schnitzler ou Seesselberg, mais de uma década antes. E os Kraftwerk, claro, mas esses optaram por colocar uma alma de surfista nos circuitos. Com o pós-rock, alguma daquela desumanidade regressou e os austríacos Radian, com o patrocínio dos This Heat, podem ser considerados descendentes do industrialismo na sua faceta mais esquálida. “Juxtaposition” retoma os “grooves” descarnados, as drones ferrugentas e as pulsações secas desenhadas a papel milimétrico sobre paisagens desoladas. O prazer do som sustentado por um “pacemaker” que alimenta um corpo de metal. Na mesma editora, os Trapist são trabalhadores da mesma fábrica. Usam tinta envenenada e brocas de laser nas suas esculturas de electricidade e contraplacado. O longo tema de abertura poderia ser um “test signal” dos This Heat, até as guitarras trazerem vida aos materiais inanimados. Mas a palpabilidade dada aos timbres é manifesto, aspecto em que “Ballroom” é pródigo, na abundância de texturas suculentas dos sintetizadores analógicos. Radian e Trapist escavam um nicho entre a electro-acústica e a electrónica.

Brian Eno – ” Taking Tiger Mountain (By Strategy)” (self conj.)

18.06.2004

Brian Eno

Here Comes The Warm Jets
8/10

Taking Tiger Mountain (By Strategy)
10/10

LINK

Another Green World
10/10

Before And After Science
10/10
Virgin, distri. EMI-VC

Brian Eno – Abrir a Boca de Espanto

Brian Peter George St. Baptiste de La Salle Eno. Brian Eno para os amigos. Derrubou, remodelou e fugiu a sete pés da pop, criando com a sua “música discreta” as fundações de um edifício novo, com a etiqueta de “ambiental”, para a electrónica dos nossos dias.
Mas no princípio era o artifício e a experimentação com as cores e formas da pop, lidas, relidas e regurgitadas como algo desfasado das normas ou, para usar o léxico do próprio, desenhadas de acordo com as “estratégias oblíquas2. Eno acabara de abandonar os Roxy Music, onde a força da sua imagem fazia espumar de ciúmes o “dandy” Bryan Ferry. Plumas e lantejoulas e um sintetizador de trazer por casa transitaram para “Here Come the Warm Jets”, álbum de fazer torcer o pescoço no esforço de encontrar referências apaziguadoras. Não havia. Aqui a pop desta Ruth Marlene aristocrata de cabelo ralo e pintura borrada era convulsão, as melodias pareciam existir desde sempre para se acoitarem em arranjos de um “não músico” que integrava o erro e o acaso no seu modo de agir. Alguns temas são demolidores. Directos, lancinantes e, apesar disso, correndo ao pé-coxinho, como “Blank Frank” e o hino que arde, “Baby’s on Fire”. As guitarras de Robert Fripp e Phil Manzanera serviam de rastilho. Pelo meio, experimentação e falsas baladas, orgulhosamente pimba como “Some of them are old”. Bowie aprendeu a lição.
“Taking Tiger Montain (by Strategy”” é a primeira obra-prima. Inspirado nas “estratégias oblíquas” e na pintura de Peter Schmidt, refina a pop do disco de estreia. Impossível classificar estas canções que soam familiares e alienígenas, simples e incrivelmente complexas. Eno, o não-músico, descobria em cada nota, em cada reviravolta nas manipulações de estúdio, o prazer da criança que brinca com o desconhecido. “The true wheel” utiliza uma máquina de escrever para fazer o ritmo e a hipnose final, “Taking tiger mountain”, é uma lenta ascensão em espiral, “trompe l’oeil” auditivo cujos círculos sugerem um movimento que é pura ilusão.
Com “Here Come the Warm Jets” (uma das bíblias do pós-rock) Eno inicia o seu processo de afastamento da pop para se aproximar de uma música feita de fragmentos. A voz apaga-se para deixar brilhar a electrónica e os efeitos especiais, as melodias ocultam-se e revelam-se em jogos de cabra-cega mas tudo se ilumina numa saudade de ouro em “Golden Hours”, pura evocação não se sabe bem de que passado glorioso. Fripp, Phil Collins e John Cale são alguns dos participantes deste álbum feito de coincidências e confidências sussurradas demasiadamente baixo para lhe furtarmos um sentido único.
“Before and After Science” deve ser arrumado na estante dos discos fundamentais dos anos 70. É o retorno às canções construídas como colagens, mas agora envoltas na névoa minimalista resultante do contacto entre Eno e a dupla germânica Cluster, num tema como “By this river”, influência decisiva nos dois sentidos, já que também Moebius e Roedelius se deixaram enredar nas malhas do inglês nos seus “Cluster & Eno” e “After the Heat”. “Before and After the Science” anuncia ainda a new wave, no esplendor da sua energia concentracionária. “King´s lead hat” é uma homenagem com título em anagrama, aos Talking Heads e “No one receiving” e “Kurt’s rejoinder” fazem boa companhia ao lado da trilogia de Bowie de Berlim, para quem este disco viria a constituir leitura obrigatória.
Eno inventou a sua própria ciência e passaria os anos seguintes a teorizar sobre ela. Viria a seguir a fase dos murmúrios, das metamorfoses do céu sobre Manhattan e da música sonhada num leito de hospital com a qual reinventaria, como John Cage, o silêncio. Antes, porém, vale a pena agarrar estes quatro álbuns que fazem a pop abrir a boca de espanto.

13TH Floor Elevators – “The Psychedelic Sounds of 13th Floor Elevators”

27.02.2004

13TH Floor Elevators
The Psychedelic Sounds of 13th Floor Elevators
Sunspots, distri. Trem Azul
9/10

LINK

Do alto desta pirâmide 300 doses de LSD nos contemplam. 300 foram as vezes que, segundo as crónicas, Rocky Erickson ingeriu a substância mágica. Viria a flipar e a ser preso mas ainda teve tempo para gravar, em 1966, uma das obras-primas do psicadelismo. Subiu de elevador até à pirâmide de 25 andares e de lá fez a apologia de uma nova visão da realidade. “The Psychedelic Sounds…” é essa viagem guiada até ao cume, com direito a sexo, experimentação, sonhos lisérgicos e, no último tema, a redescoberta de Deus. Não se pense, porém, que Rocky era do tipo “flower power”, “California dreamin’”, incenso e tangerinas. A sua loucura é amarga e o som dos 13th Floor tresanda a rock de garagem. Em estados alterados de audição corre-se o perigo de não encontrar a saída. A bússola e o relógio deixam de funcionar em mantras (imaginem os Velvet sem a auto-disciplina) onde a guitarra de Stacey Sutherland, a voz e a cabeça de Rocky e o tempo reverberam, se deformam, encolhem e dilatam, e em canções como “Splash 1” que estabelecem a comunicação telepática entre Syd Barrett e Rocky. Tiveram ambos mau fim. Deixaram ambos um caminho estreito que conduz às estrelas. Ou ao lado escuro da lua.