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T. S. Elliott, Prince, Nanni Moretti – “25 de Abril Vinte E Nove Anos Depois – Por Vezes Neva Em Abril” (efeméride / música / literatura / cinema)

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sábado, 26 Abril 2003
Destaque / Efeméride / 25 de Abril


25 DE ABRIL VINTE E NOVE ANOS DEPOIS

POR VEZES NEVA EM ABRIL

T.S. Elliott, Prince e Nanni Moretti são alguns dos artistas que incluíram Abril no seu calendário pessoal. O mês que inspirou artistas de todas as épocas


A meio de uma aula na Universidade de Harvard, o filósofo George Santayana interrompeu de súbito a palestra ao avistar pela janela uma forsítia que rompia de um montículo de neve: “Não vou ser capaz de terminar esta frase, acabei de descobrir que tenho um encontro marcado com a Primavera!”
Era assim antigamente. A Primavera tinha neve, forsítias e poesia. Mas isso era antes de os americanos terem dado cabo do tempo com as bombas atómicas. Apesar disso, Abril reteve uma certa mística. É o mês das transformações, das revoluções da Natureza e dos homens, dos rituais de passagem, de deitar fora os trapos velhos e substituí-los por novos, do despertar dos sentidos, de colher forsítias para oferecer ao namorado ou namorada.
Em Portugal, graças à revolução dos capitães de Abril, os cravos juntaram-se às forsítias no imaginário popular. E a um lote de canções a celebrar a liberdade, de forma mais ou menos ingénua, mais ou menos panfletária, como “Portugal Ressuscitado”, com o slogan “agora o povo unido/ nunca mais será vencido”, “Obrigado Soldadinho”, de Tonicha ou o grito épico “Força, força, companheiro Vasco/ nós seremos a muralha de aço” cantado com todo o fulgor da revolução por Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo. Sem esquecer que era “preciso voltar a combater pela verdade”, como cantava Pedro Barroso em “Canção para a Unidade” ou de manifestar o receio de que voltassem as “vozes de comando/com um cheirinho a antigamente”, de que falava Afonso Dias em “Com Volta na Ponta”.
Para a história ficaram não estas, mas as canções que verdadeiramente desencadearam a revolução de Abril: “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, e “Grândola Vila Morena”, de José Afonso. Todas incluídas no álbum duplo “25 Abril, 25 anos, 25 canções”.

Abril, obras mil

Mas, e na arte pela arte? Que importância teve e tem Abril na arte pela arte? Abril está presente em obras e títulos variados. April March é o pseudónimo escolhido pela californiana Elinore Blake para dar voz a uma pop primaveril. Victoria Abril, a atriz espanhola com cara de Primavera, caiu nas graças de Pedro Almodovar e Fonseca e Costa. Recentemente, outra cantora, Susanne Abbuehl, gravou para o selo ECM o álbum “April”, também com os tons e cores da estação, embora apresentando mais nebulosidade e humidade, com possibilidade de aguaceiros e geada durante a madrugada. Ronnie Lane lançou em 1999 o álbum “April Fool”. A banda de “hard rock” April Wine gravou o seu álbum homónimo em 1972.
“Sometimes it snows in April” é o título de uma canção de Prince. Por cá, Old Jerusalem introduziu a country alternativa nos gostos pop nacionais. Já para não falar na linda melodia “Abril em Portugal” ou “Avril au Portugal” (Eartha Kitt cantou-a) que tantas gentis Primaveras coloriu durante a longa noite salazarista. Tom Jobim falhou por um mês, quando compôs “Águas de Março” (provavelmente estaria a pensar em Abril, mas enganou-se).
Passemos à literatura. Pode considerar-se um “must” o conjunto de versos que abrem A Terra sem Vida, de T. S. Elliott: “Abril é o mais cruel dos meses, gerando/Lilases na terra morta, misturando/A memória e o desejo, atiçando/Raízes inertas, com a chuva da Primavera”. Assim, às forsítias e cravos, juntaram-se paulatinamente os lilases.
O cinema também tem a sua Abrilada. O cineasta brasileiro Walter Salles, autor de Frida, realizou “Abril espedaçado”, inspirado no livro homónimo do escritor albanês, Ismail Kadaré. Um filme onde, como diz o roteiro, “o olhar inocente de um menino é confrontado com um duplo e doloroso rito de passagem. Pela descoberta de um mundo adulto cruel e fatal, por um lado, e pela percepção da realidade exuberante e trágica do Brasil”. Nanni Moretti dirigiu “Aprile and the Last Customer”, filme exibido extra-concurso no Festival de Cannes de 2003. Em Portugal, o dramaturgo João Santos Lopes pôs em cena no Teatro Aberto “Às Vezes Neva em Abril”, peça que em 1997 ganhou o Grande Prémio de Teatro Português.
Canções ou temas com Abril no título, contam-se às dezenas. Por artistas conhecidos ou importantes, temos: “April showers” (Alien Sex Fiend, Cab Calloway, Bing Crosby, Judy Garland, Woody Herman, Spike Jones, Al Jolson, Guy Lombardo, Frank Sinatra), “April rain” (Eric Dolphy), “April snow” (Chick Corea), “April fools” (Burt Bacharach, Cilla Black, Aretha Franklin, Earl Klugh, Rufus Wainwright, Yukihiro Takahashi, Dionne Warwick), “April joy” (Pat Metheny), “Aprilling” (Gil Evans, Lee Konitz), “April in Paris” (Louis Armstrong, Josephine Baker, Billy Bang, Count Basie, Shirley Bassey, Tony Bennett, Cindy Blackman, Ran Blake), “April, 5th” (Carmel), “April, 1st” (Talk Talk), “April, 8th” (Elvin Jones), “April, 15th” (Human Beinz), “April 1724” (Pluxus), “April 19, 1993” (Sex Gang Children) e “April 24, 1981” (Rick Springfield). Mas existem também “April song”, “April Ann”, “April day”, “April foo”, “April one”, “April sky”, “April and you”, “April air”, “April sun”, “April, 1978”, “April, 19th”, “April, 23th”, “April, 29th”, “April 2031” e “April 29, 1992”. “Avril”, em francês, é outro dilúvio. Como dizia o poeta – chega a ser cruel.

Jorge Luis Borges – “COLEÇÃO MIL FOLHAS FICÇÕES: Jorge Luis Borges – A enciclopédia infinita”

(público >> cultura >> literatura)
quarta- feira, 26 Fevereiro 2003


COLEÇÃO MIL FOLHAS FICÇÕES

Jorge Luis Borges
A enciclopédia infinita

Em “Ficções”, obra hoje publicada na Coleção Mil Folhas, Jorge Luis Borges combina o arrebatamento poético com o delírio lógico. Contos para se perder ou ganhar a razão.


“Ficções”, de Jorge Luis Borges, foi editada em 1944. Junta duas coleções de contos, “O Jardim dos Caminhos Que Se Bifurcam” (1941) e “Artifícios” (1944). Poderiam ser datas fictícias e Jorge Luis Borges um anagrama do nome de outro autor, real ou imaginário. O próprio Borges admitiria o logro, questionando a sua identidade. “Às vezes sou Borges.”
Borges foi acima de tudo um filósofo poeta, da mesma forma que Fernando Pessoa foi um poeta filósofo. Um e outro tentaram descartar-se da personalidade, da máscara. Borges afirmou: “Na realidade não tenho a certeza de que exista. Sou todos os autores que li, toda a gente que conheci, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei, todos
os meus antepassados.” Pessoa, mais sintético, falou em “ser tudo, de todas as maneiras”.
Transformaram-se integralmente em literatura. Procurando ser, como o Deus da Cabala judaica, o nome sagrado que em si é e contém todo o Real. No caso de Jorge Luis Borges havia ainda labirintos e espelhos, temas que, de resto, o enfastiavam “especialmente quando são outros que os usam”. Em “Análise da obra de Herbert Quinn”, um dos contos reunidos em “Ficções”, avalia-se uma obra deste escritor fictício intitulada “The God of the Labirynth”, através de fórmulas matemáticas. Existem espelhos disseminados nas salas hexagonais de “A Biblioteca de Babel”, conto central no universo borgesiano, que “fielmente duplicam as aparências”. Reflexos de reflexos. Em “Pierre Ménard, autor do ‘Quixote’”, Pierre Ménard, outro escritor imaginado por Borges, escreve uma obra inteira absolutamente igual, letra a letra, ao “Quixote” de Cervantes, no entanto absolutamente diferente porque Ménard reproduziu interiormente todo o processo psicológico e literário que conduziu à sua feitura.
Como se percebe, Jorge Luis Borges soube esconder-se. Ele que, na série de entrevistas concedidas a Georges Charbonnier em 1964, publicadas pela Gallimard no livro “Entretiens avec Jorge Luis Borges” (“Entrevistas com Jorge Luis Borges”, na tradução portuguesa pela editora Início) falava numa “máquina de fazer versos que nos diz para não pensar, esgotando as possíveis combinações das palavras até ao momento em que tais palavras dariam algumas ideias”. Mas que, no fundo, reconhece que esse “poeta mecânico” jamais “satisfaria inteiramente, dado que não conseguiria explicar a emoção”, e porque a intensidade do poema se mede pelo estado de “arrebatamento interior” do autor.

O jogador

Eis-nos instalados no eixo do paradoxo de que se faz a obra de Borges. Entre a arte combinatória do jogador e do matemático e a absoluta imprevisibilidade da vida e da literatura.
Os temas da lei (ordem) e do jogo (acaso) são sistematizados, de acordo com a lógica mais implacável (e, por isso, delirante) a par da poesia mais marcada pelo onirismo, em “A Biblioteca de Babel” e “A Lotaria na Babilónia”, dois contos fulcrais contidos em “Ficções”.
Em “A Lotaria na Babilónia”, das narrativas mais marcadamente kafkianas do escritor argentino, a sociedade é governada por uma Companhia que se dedica a tornar o quotidiano dos cidadãos num imenso jogo de lotaria que progressivamente se complexifica até à insanidade, permitindo toda a espécie de teorias explicativas. “Porque a Babilónia não é outra coisa senão um infinito jogo de acasos”, enquanto para outros “a Companhia é omnipresente mas só tem influência sobre as coisas minúsculas: o piar de uma ave, as cambiantes da ferrugem e da poeira, os meios sonhos da madrugada”.
Já na “Biblioteca de Babel” a ordem ostenta a crueldade de Sade. “Não há nesta biblioteca dois livros idênticos. A biblioteca é total e as suas estantes registam todas as possíveis combinações dos vinte e tal símbolos ortográficos (número embora vastíssimo, não infinito) ou seja, tudo o que nos é dado exprimir: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o relatório verídico da tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas…” e mesmo “um livro que seja a chave e o resumo perfeito de todos os outros”.
Na biblioteca de Babel não é possível combinar os caracteres “dhcmrlchtdj”, “que a divina biblioteca não haja previsto e que nalguma das suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja plena de ternuras e de temores; que não seja nalguma dessas linguagens o nome poderoso de um Deus. Falar é incorrer em tautologias.(…). Um número ‘n’ de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; numas o símbolo ‘biblioteca’ admite a correta definição de ‘ubíquo e duradouro sistema de galerias hexagonais’ mas ‘biblioteca’ é ‘pão’ ou ‘pirâmide’ ou outra coisa qualquer, e as sete letras que a definem têm outro valor. Tu que me lês, tens a certeza de que compreendes a minha linguagem?”
Jorgeluisborges, rigsbsorulejore, sigerjgroseulo… Ao ler estas “Ficções” jogue o leitor e descubra quantos e quais são os nomes de Deus. Apenas ficções ou algo mais?

CRONOLOGIA

1899 Nasce a 24 de Agosto, em Buenos Aires, na casa do avó paterno, Isidoro Acevedo, onde cresceu rodeado de livros. Com seis anos, disse ao pai que queria ser escritor; dois anos mais tarde, escreve “La Visera Fatal”, inspirado num episódio do “D. Quixote”. Aos nove anos, traduz para espanhol “O Príncipe Feliz”, de Oscar Wilde

1914 Acompanha o pai numa viagem à Europa, fixando-se com ele em Genebra e depois em Lugano. Posteriormente, vive em Espanha — onde contacta com movimentos vanguardistas como o ultraísmo — e na Argentina

1923 Regressa à cidade natal, onde funda as revistas “Prisma” e “Proa”, com Macedonio Fernández. Foi aí que começou a publicar os poemas que, mais tarde, apareceriam reunidos nos livros “Fervor de Buenos Aires” (1923), “Lua Defronte” 1925) e “Caderno de San Martín” (1929)

1935 Publica “História Universal da Infâmia”. Mais tarde, “Ficções” (1944) e “O Aleph” (1949)

1938 Sofre um grave acidente, provocando-lhe uma degeneração progressiva da vista. Essa experiência foi relatada em “O Sul”, o seu melhor conto, na opinião do próprio

1955 É nomeado diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, cargo que ocupa até 1973, quando o avanço da sua cegueira o impede de continuar

1973 Viaja por todo o mundo, dando conferências e cursos

1986 Morre a 14 de Julho, em Genebra

Monteverdi + Vivaldi – “Festa Da Música 2003 De Monteverdi A Vivaldi – O Barroco É Uma Festa” (clássica / concertos / festivais / festa da música 2003)

(público >> cultura >> clássica >> concertos / festivais)
sábado, 26 Abril 2003


FESTA DA MÚSICA 2003 DE MONTEVERDI A VIVALDI

O BARROCO É UMA FESTA

A chuva afastou algum público do primeiro dia da Festa da Música que ontem teve início no CCB, em Lisboa, sob os auspícios do barroco italiano. Dessacralizar a música clássica é a palavra de ordem deste festival com 135 concertos que reúne famílias, os maiores intérpretes do mundo e um ambiente em que a alegria e o prazer andam de mãos dadas.

Por Fernando Magalhães e Raquel Ribeiro


“Dez…nove…oito…sete…seis…cinco…quatro…três…dois…um! Múúúúúúsiiiiiica!”. Foi em contagem decrescente, ao meio-dia em ponto, que uma voz excitada anunciou pelos altifalantes o início da Festa da Música que desde ontem e até amanhã decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, subordinada ao ciclo “De Monteverdi a Vivaldi”.
Não há gritos nem desmaios mas desde muito cedo que o CCB apresenta um aspeto diferente do habitual. As salas Tiziano, Caravaggio, Tintoretto, Giorgione, Canaletto, Tiepolo, Veronese e Guardi, assim designadas segundo alguns dos grandes pintores italianos da época, estão prontas para receber a música e os intérpretes do barroco italiano.
Os concertos, num total de 135 (60 dos quais, logo na manhã do dia de abertura, já se encontravam esgotados, embora a afluência esteja, por enquanto, abaixo da de anos anteriores, registando-se, às 16h30, um total de 52091 bilhetes vendidos, correspondentes a uma taxa de ocupação de 92,3 por cento, contra os 98,5 registados no ano passado), e as conferências só começam ao princípio da tarde, mas há quem chegue bem mais cedo para respirar o ambiente, decorar a geografia e o roteiro dos diversos auditórios improvisados ou simplesmente para tomar o pequeno-almoço, quem sabe se ao lado do maestro Michel Corboz, do cravista Rinaldo Alessandrini ou da pianista Anne Queffélec.
A chuva provocou um afluxo de público menor do que nas anteriores edições desta espécie de Festa do Avante! da música clássica, mas nem por isso o entusiasmo é menor. Vêem-se famílias inteiras dispostas a tirar do acontecimento o maior partido possível, para viver a festa, numa quase embriaguez que torne o fim-de-semana em algo mais luminoso, e melómanos solitários vindos para ouvir exclusivamente a obra ou o intérprete da sua preferência.
As “Quatro Estações” de Vivaldi são um “must” entre as famílias. Miguel Leal, 45 anos, veio com os três filhos e a mulher. Comprou bilhetes “para a família toda”: “Não foi muito fácil os miúdos virem, embora eles tenham algum hábito de ouvir música clássica. Portaram-se muito bem dentro da sala, o mais pequenino adormeceu…”. O programa da família Leal prevê cinco concertos só para o dia de estreia.
Maria Cristina Ferreira, 49 anos, presente pela terceira vez na festa do CCB, diversificou o seu plano de atividades: “Venho a parte dos concertos com as minhas duas filhas, elas gostam muito, estudam violino, a outros venho com o meu marido”. Na carteira tem bilhetes para 15 concertos: “Hoje [ontem] cinco, amanhã [hoje] seis e domingo quatro”. Com “As Quatro Estações” no centro das atenções, claro. Francisco Vasconcelos, 47 anos, gestor, também veio com as duas filhas, de 3 e 5 anos, ver “As Quatro Estações”: “Elas gostaram muito, portaram-se muito bem, muito compenetradas, a observar tudo, o pastor, o cão, tudo o que está descrito na peça”.

Saladas e Vivaldi

As crianças mais novas, presumivelmente menos entusiastas da música de Frescobaldo, Palestrina, Gabrieli ou Scarlatti, têm à sua espera um Castelo Encantado que afinal se destina a ser visitado por “toda a família” – “luz, leveza e um sorriso” criados por “arquitetos do ar” do Reino Unido, com conceção de Alan Parkinson. Lá dentro o prazer será menos espiritual que o proporcionado pelas “Vésperas da Santíssima Virgem” de Monteverdi, pelo Ensemble Vocal de Lausanne e Les Cornets Noirs, sob a direção de Michel Corboz, mas nem os miúdos nem os graúdos se queixam. Dentro dos enormes insufláveis é mais pulos e gargalhadas mas, afinal de contas, festa é festa.
Festa que músicos e público vivem, desfrutam e discutem juntos, cruzando-se e conversando nos corredores, nos bastidores, nos bares ou no restaurante. Para René Martin, mentor da “Folle Journée” de Nantes, em França, em cujo modelo assenta a Festa da Música, “o espírito da Festa da Música é dessacralizar tudo. Juntar os artistas, o público, os jornalistas, os técnicos”. “Aqui não há convenções”, diz, mas “igualdade e democracia”.
14 horas. Hora de almoço e dos primeiros concertos. O “Concerto Italiano” de Vivaldi, na Tiziano, com Rinaldo Alessandrini (cravo e direção), salada de beterraba com passas, concertos de Vivaldi pela Sinfonia Varsovia, dirigida por Gorka Sierra com Irene Lima (violoncelo), Carlos Trepat (guitarra) e Paulo Gaio Lima (violoncelo), na Caravaggio, tranches de cherne com arroz de ervilhas, Scarlatti por Ana Mafalda Castro (cravo) e Pedro Burmester (piano), na Tintoretto, “ravioli” de espinafres, Clementi, por Aleksandar Serdar (piano), na Giorgione, “mousse” de laranja, Lanzetti, Pergolesi e Porposa, com Gaetano Nasillo (violoncelo), Andrea Marchiol (cravo) e Hendrike Ter Brugge (violoncelo), na Canaletto, sericaia, “Giovanni Sebastiano Bacho” – obras transcritas por J.S. Bach, com Christian Rieger (cravo), na Veronese. O cardápio é rico e variado.
Os auditórios não encheram, é demasiado cedo, os concertos da tarde e da noite, esses, estão esgotados há muito. O restaurante, pelo contrário, está à cunha, ocupado na sua maioria pelos músicos.
Emmanuel Strosser dá as últimas garfadas na salada. Tem 37 anos, é pianista e esteve na Festa da Música Russa, em 2001. Tocará mais logo na sala Giorgione, a quatro mãos, com Claire Désert, sonatas de Clementi e Galuppi. Está aqui mais pelo trabalho do que pela diversão, mas faz questão de assistir a outros concertos, ainda “não sabe quais”: “O espírito da Festa da Música é toda a gente poder ir a concertos, seja em salas pequenas, em que há uma grande proximidade entre os músicos e os espectadores, seja em salas grandes, com grandes orquestras”.
A seu lado, Claire Désert, 35 anos, também pianista, concentra-se. Na medida em que os seus concertos a quatro mãos com Emmanuel Strosser o permitirem, tentará assistir amanhã a um dos concertos da Sinfonia Varsovia, em “As Quatro Estações”, de Vivaldi, bem como aos recitais de piano de Anne Queffélec, e de cravo, de Pierre Hantaï, ambos em sonatas de Scarlatti. Considera as festas de Lisboa e Nantes semelhantes “em termos de número de concertos e de ambiente”, mas diferentes “em termos de cor e de acústica”.
Concertos, ambiente e cor são o que não falta na Festa da Música do CCB. Será que não deveria ser assim durante todo o ano?