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Loreena McKennitt – Concerto, 31 de Março, Lisboa

Pop Rock

30 MARÇO 1994

A PRINCESA PROMETIDA


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A sua figura de princesa da Idade Média sugere os mitos e a simbologia célticos. Infelizmente, vista de perto, Loreena McKennitt revela-se uma figura de papel. Vem pela segunda vez cantar e tocar harpa a Portugal. Com um novo álbum na bagagem, “The Mask and Mirror”.
Nasceu no Canadá, aprendeu canto clássico e encontrou a harpa quase por acaso. É estudiosa da cultura celta e interessa-se, entre outras coisas, por literatura, pelos vários folclores do Globo e por Portugal, onde tirou as fotografias da capa e foi buscar alguma inspiração para o seu penúltimo álbum “The Visit”, cartão de visita do seu anterior concerto, há dois anos, no nosso país. Loreena McKennitt parece ter à partida vários trunfos à sua disposição. Trunfos que, na prática, desaproveita ao desbarato. Em parte, talvez, devido ao sucesso de vendas obtido com “The Visit”, primeiro álbum da sua discografia a ter distribuição internacional, pela Warner, a música desta senhora, que se adivinha cheia de boas intenções, raramente ultrapassa a beleza superficial, dispersando-se por arranjos que privilegiam o exotismo e piscam o olho aos ouvidos e sensibilidades ávidas de evasão, mas que, ao mesmo tempo, não dispensam uma certa caução cultural.
Loreena dá, no fundo, aos seus auditores aquilo que eles querem receber, pondo de lado aquilo que os poderia levar mais fundo e a outras músicas menos presas à superficialidade. Não basta ir buscar um amontoado de referências – Yeats, Shakespeare, Tennyson, Stª. Teresa d’Ávila, S. João da Cruz, Santiago de Compostela, a música indiana, sufis, cátaros, templários, os evangelhos, a mil e uma noites, África… – para depois as misturar numa sopa que, no novo álbum, “The Mask and Mirror”, mais ainda do que em “The Visit”, acaba por saber a um inofensivo exercício de “new age”, com um ligeiro aroma a tradição.
Compreende-se que Loreena queira agradar a todo o custo. As capas dos discos são por regra belíssimas – por sinal mais, até, do que a própria música –, as referências célticas são distribuídas com parcimónia por tudo o que é nota, a força evocativa da harpa (céltica, topam?), também ajuda. Tudo isto não chega nem evita que a obra de Loreena McKennitt precise urgentemente de levar um abanão.
Posto isto, o que poderemos esperar desta sua segunda apresentação em Portugal? Sem dúvida, muitas e bonitas melodias, uma voz doce como a dos anjos, doses cremosas de folclore e “imaginários” celtas, um ou outro bocejo nos momentos mais contemplativos. Deve chegar para fazer do concerto desta princesa prometida um êxito.

31 DE MARÇO
Lisboa
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
22h00



Loreena McKennitt – “The Visit”

Pop Rock

15 JANEIRO 1992

VERNIZ CELTA

LOREENA MCKENNITT
The Visit

LP/CD, WEA, distri. Warner Music

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“Sempre considerei o impulso criativo como uma visita”. É Loreena quem o diz, explicando deste modo o enigma do título. Loreena Isabel Irene (assim mesmo, em português) McKennitt nasceu no Canadá e desde muito nova, quando tocava num clube “folk” em Winnipeg, começou a interessar-se pela música céltica. Loreena tem o cabelo louro e longo aos caracóis, toca harpa e teclados e canta, na sua bela voz de soprano. Jura que se apaixonou pela harpa quando ouviu pela primeira vez o álbum “Renaissance de l’Harpe Celtique”, de Alan Stivell. Não descansou enquanto não adquiriu uma, que por acaso encontrou, a um preço em conta, na montra de uma loja perto do hospital de onde acabara de ter alta.
“The Visit” é o quarto álbum da senhora, primeiro distribuído por uma multinacional, depois de “Elemental”, “To Drive the Cold Winter away”, (uma colectânea de temas de Natal gravados num mosteiro irlandês) e “Parallel Dreams”, todos editados na sua própria editora Quinlan Road Productions.
Neste novo disco, Isabel Irene procurou ir ao fundo, que é como quem diz, às raízes da questão celta, e descobriu, encantada, a pólvora no lugar certo – a oriente. Por pouco não ia mesmo ao fundo. A solução musical que encontrou para o problema da distância geográfica não podia ser mais simples: juntar o som de umas “sitars” sampladas ou de uma “tamboura” indianas à harpa e à gaita-de-foles e esperar que a voz fizesse o resto. Bem pode Isabel gritar aos sete ventos que até visitou a exposição sobre os celtas em Veneza. “The Visit” pouco difere das xaropadas do sétimo céu de Enya, incorrendo nos mesmos tiques e na mesma visão “Walt Disney” da música tradicional.
Alguma crítica estrangeira embandeirou em arco, o que não espanta, atendendo à memória curta de que costuma dar mostras e que a faz tomar por “novo” ou por “original” aquilo que, neste caso, não passa de polimento de uma ideia antiga. Se fosse Mike Oldfield a fazer o mesmo que Loreena (e já fez parecido), eram capazes até de lhes chamar nomes. Nada melhor do que escutar o clássico de John Renbourn (com Jacqui McShee e um percussionista indiano, entre outros músicos) “A Maid in Bedlam” (1977) para refrescar a memória e ajudar a distinguir entre “mistura” e “síntese”.
Irene dá tudo por tudo – não faz mais do que o seu papel – para dar ares de princesa de Avalon, mesmo se na interpretação de “Greensleeves” se diz inspirada por Tom Waits – dotada pela natureza com um visual adequado (com o senão do queixo, demasiado proeminente), apenas teve de se preocupar em encaixar nas canções textos de Tennyson (“The lady of Shalott”) e Shakespeare (“Cymbeline”), deixar-se fotografar com a harpa entre as pedras de uma quinta portuguesa em Azeitão (onde, numa laranjeira, viu materializada a árvore representada na mítica tapeçaria “The Lady and the Unicorn”) e falar a torto e a direito do rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, sem esquecer a mensagem ecológica, veiculada num dos temas, contra a destruição das florestas de carvalhos na Irlanda.
Tudo isto é belo, tudo isto é (mais ou menos) celta, tudo isto é positivo e defensável e onírico, etc., mas infelizmente a música não está à altura dos adereços. Fica a promessa do tema de abertura, “All Souls Night”, a fazer lembrar glórias passadas dos Pentangle e de Jacqui McShee, um ou outro apontamento do violinista Hugh Marsh e a voz de ouro de McKennitt a prometer “visitas” de outra envergadura. O resto é luz reflectida. Muito brilho para pouca substância. (6)

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