Arquivo de etiquetas: Devine & Statton

Devine & Statton – “Cardiffians”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 10 OUTUBRO 1990 >> Pop Rock >> LP’s


DEVINE & STATTON
Cardiffians
LP e CD, Les Disques du Crépuscule, distri. Contraverso



São discos do quilate deste que dão credibilidade à profissão de “escritor de canções”. “Cardiffians” é a segunda jóia arrancada à pedra da inspiração, depois de “Prince of Wales”. Longe vão os tempos dos Young Marble Giants, em que as ocasionais desafinações de Alison Statton eram compensadas pela frescura e pelo modo original como sabiam transformar a ingenuidade em pequenos e estimulantes exercícios melódico-minimais. De ingénuo não há nada, neste novo álbum da dupla. Quanto a Alison Statton, aprendeu a difícil arte de fazer da voz um instrumento capaz de produzir, mais do que sons, emoções de toda a espécie, sempre de modo natural e demonstrando uma facilidade e espontaneidade que não se perderam no “saber fazer” técnico entretanto acumulado. Jogos de subtis registos e entoações que percorrem todo o universo situado entre as latitudes ocupadas por Isabelle Antenna (“Hideaway”, “Enough is Enough”), Dagmar Krause (do tempo dos Slapp Happy e de canções como “Slow Moon’s Rose”, no balanço, e tipo especial de “vibrato”, em “A Fact of Life”) e Virginia Astley (a mesma ausência de peso, as refrações cristalinas luminosas de “A Right to be Lazy”). Ian Devine revela-se como um dos grandes autores de canções da atualidade. Em “Cardiffians” não falta nada: arranjos e produção (partilhados com Eric Mertens) revelam uma atenção e capacidade minuciosas na criação de pequenos pormenores fundamentais para o ambiente específico de cada canção. O trombone de Curtis Fowlkes, ao lado de Roy Nathanson e Marc Ribot, um dos três Jazz Passengers convidados, nos dois temas que abrem cada um dos lados, a introdução fantasmagórica e tauromáquica de “Lovers get in the Way”, o metal elétrico da guitarra e o órgão celestial em “A Fact of Life”, as percussões digitais de “Silence” ou o baixo pneumático de “In the Rain” são algumas entre infinitas cambiantes que tornam a audição de “Cardiffians” numa sucessão de prazeres constantemente renovados. Para além do já referido “A Fact of Life”, mencione-se ainda, entre outras delícias, a única interpretação vocal de Ian Devine, em “Green & Pleasant Land”, rasgada em vastidões pelo piano fabuloso de Eric Mertens e os instrumentais “Regina & Michael” (exótico à maneira dos Penguin Cafe Orchestra) e “Last Days” (que encerra o disco, aéreo e pastoril, como um jardim de Virginia Astley, pontuado por flautas e silêncio). Ao todo doze viagens através do melhor que a pop nos pode oferecer: a simulação da felicidade. ****