Holger Hiller – “As Is”

Pop-Rock Quarta-Feira, 06.11.1991


ANATOMIA DO PORMENOR

HOLGER HILLER
As Is
CD, Mute, import. Contraverso



Seria necessário recuar até ao princípio do século, à aventura serialista e aos delírios “concretistas”, passando pela pop experimental dos Faust, ou pelo desconstrutivismo niilista dos Einstuerzende Neubauten, para uma aproximação fundamentada à essência da música de Holger Hiller.
Mestre das técnicas de colagem e “samplagem”, e da utilização heterodoxa do computador, Holger Hiller integrou uma das bandas mais interessantes da pop vanguardista alemã da última década, os Palais Schaumburg. Antes disso, tinha gravado uma ópera sobre a temática das “claças”.
Para quem descobre os seus dois primeiros álbuns, “Ein Bundel Faulnis in der Grube” e “Oben imEck”, “As is” poderá surgir à primeira audição como uma bizarria incompreensível, um exercício de estilo nascido de uma mente desequilibrada. Um banho de radiações emitidas por um pulsar a anos-luz de distância do centro habitável da galáxia electrónica. Depois, por baixo das aparências, percebe-se que uma lógica, por ilógica que pareça, se revela nas profundezas do vórtice sonoro.
Holger Hiller procede como um fotógrafo. A técnica é aparentemente simples, mas tem por limite o infinito: a ampliação de pormenores, a dissecação de frequências – operação capaz de transformar cada pedaço de música arrancada às entranhas e à sensibilidade pós-moderna, em algo inteiramente novo.
Imaginem-se pormenores de um “rap” dos De La Soul. De uma ária operática. De um martelo-pilão em actividade. De um ensaio dos Faust. De um fractal. Holger Hiller amplia cada parcela, descobrindo no seu interior novas formas, novas possibilidades de transmutação. A ideia de uma micromúsica não é nova, tendo sido já explorada, em sentidos opostos, por Stockhausen ou, mais recentemente, por Graeme Revell, em “The Insect Musicians”. Em Holger Hiller essa “microscopia” , chamemos-lhe assim, é sobretudo mental e conceptual. Ao contrário dos compositores referidos, o processo de composição não se organiza segundo operações matemáticas nem processos computacionais, mas a um nível intuitivo, anterior ao “modus operandi” propriamente dito. Trabalho de atenção e (re)conversão. Revelação e ampliação. Holger Hiller, fotógrafo dos sons, escuta, isola, recorta, abstrai, sintetiza e reconstrói. Cada ideia, cada som, cada parcela de som são sempre resultado e ponto de partida para novo avanço, nova ampliação, nova operação alquímica. Matéria e forma de uma música em permanente movimento. Em Acto, como diria Aristóteles. A música de “As is” prolonga e actualiza a dos dois últimos álbuns anteriores, aprofundando-a, revelando novas paisagens, novas fotografias.
Se em temas como “Bacillus culture”, “Trojan ponies” e “Cuts both ways” o resultado se assemelha às refracções “dub” de Adrian Sherwood, ou, em “You”, a uma projecção desfocada de uma banda sonora de “filme negro” à maneira de John Zorn e “Spillane”, isso deve-se a um fenómeno de contaminação. Só a fotografia consegue focar e isolar os diversos momentos desse caos vibratório primordial, em que a totalidade das músicas se confunde num todo sincrético em constante movimento. Cada faixa de “As is” é como que um instantâneo dessa “música total”.
Música a que, no limite paradoxal, Hiller procura dar forma de “canção”, buscando a reconversão definitiva da linguagem pop, na passagem pelo buraco negro (ou “cãmara negra”) que filma e dá acesso ao “outro lado”. (9)

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