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Cecil Taylor Ensemble – “The Light Of Corona” + Jane Ira Bloom – “Chasing Paint” + The Tony Oxley Alan Davie Duo – “The Tony Oxley Alan Davie Duo”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 26 Julho 2003


A música de Cecil Taylor, Tony Oxley e Jane Ira Bloom.

A idade das luzes

CECIL TAYLOR ENSEMBLE
The Light of Corona
FMP, distri. Multidisc
7 | 10

JANE IRA BLOOM
Chasing Paint
Arabesque, distri. Trem Azul
8 | 10

THE TONY OXLEY ALAN DAVIE DUO
The Tony Oxley Alan Davie Duo
A,L,L, distri. Multidisc
8 | 10



Cecil Taylor é um combatente, mas o piano tem sabido resistir-lhe. Revolucionário no sentido espiritual do termo, o mestre do “free jazz” evolui no sentido de uma música que vai muito além das noções tradicionais. Em “The Light of Corona”, registo ao vivo de 1996 de uma sessão no festival Total Music Meeting, em Berlim, a performance do ensemble é um ritual de forças postas em ação com a finalidade de transportar músicos e audiência para o centro de si próprios. Tudo é música, enquanto houver a absoluta coincidência entre a hierarquia do transcendental, a escuta individual e coletiva e a adequação (obediência?) do universal ao gesto particular. Cecil Taylor, o músico mas também o mimo, o poeta e o dançarino, lança o desafio. Michel Portal e o seu grupo, na sua primeira e mítica apresentação em Portugal, nos idos dos anos 80, num pequeno auditório situado no sopé da serra de Sintra, iniciaram o concerto arrastando uma cadeira pelo chão. Fez sentido. A música nasce de todos os lados, desde que a chamemos e lhe saibamos dar a forma e a direção certas. Cecil Taylor manipula a energia, usa a voz, o grito, o ruído e o informe. Martela o piano para lhe arrancar a verdade definitiva. Sigamo-lo custe o que custar, sob pena de, como disse na altura um crítico alemão, estacarmos perante os” limites do que é aceitável em música”. E se tudo é, repetimos, música, deixam de existir quaisquer limites. E ficamos livres, na condição de assumirmos a responsabilidade de acompanhar por dentro o processo de criação. “The Light of Corona” segue o mesmo processo que um cerimonial religioso tibetano. É como subir uma montanha. Ou não subir. E descobrir em todos os lugares a ordem do silêncio. Convirá, no entanto, meditar um pouco antes de iniciar a ascensão. Audição árdua.
A saxofonista soprano e manipuladora de “live electronics” Jane Ira Bloom, acompanhada por Fred Hersch (piano), Mark Dresser (contrabaixo) e Bobby Previte (bateria), a mesma formação de “The Red Quartets”, de 1999, transpõe para música o universo pictórico do pintor Jackson Pollock em “Chasing Paint”. A luz, neste caso, não se esconde mas brilha no lirismo de “The sweetest sounds”, reflectida nas “Many wonders” que recompensam quem se dispuser a viajar até ao término da “Alchemy”, onde uma “white light” se vislumbra enfim. Jazz sem amarras, filho da tradição mas pujante na tensão criativa, método único para se alcançar o progresso e manter viva a chama da criatividade. O anti-virtuosismo de Jane clama pela emoção. Sentimo-la intacta, quando o soprano afaga “The sweetest sounds”. Ou quando o piano de Hersh quase nos faz odiar a violência do de Taylor, em “Many wonders”.
Voltemos, porém, à refrega. Com data original de 1974 e 1975, “The Tony Oxley Alan Davie Duo” recupera registos ao vivo e de estúdio diversos. Oxley é um dos mais conceituados improvisadores da atualidade, autor do aclamado “The Baptised Traveller”, ainda nos anos 60. Música de procura e descoberta, cria e destrói núcleos temáticos de densidade e textura variada, com Oxley a desmultiplicar-se pela bateria, o violino, o “ring modulator” e outros artefactos eletrónicos enquanto Alan Davie tem a seu cargo o piano, saxofone sopranino, clarinete baixo, vibrafone, xilofone e “ring modulator”. O território é semelhante ao explorado por Cecil Taylor mas os métodos de investigação divergem. Aqui avança-se pelo puro prazer da descoberta dos corpos sonoros e não à custa do sacrifício e da ascese. São permitidas pausas e mistura de cores. Ouvem-se sinos no meio de um átrio abandonado. Máquinas com vida própria. Vozes alteradas eletronicamente. Timbres e estruturas dispostos por camadas no espaço. “Song for the serpent” exalta tudo o que o jazz inglês dos anos 60 e 70 tem de melhor – a liberdade que não dispensa a elegância, quase afetação, e a disciplina. Diálogo vivo.