O Decibel – Artigo 1/2
Este é o primeiro artigo, de uma série de dois, sobre essa unidade tão mal compreendida que é o Decibel (para os amigos, o dB).
O artigo que agora se apresenta é o mais “chato” pois é constituído “apenas por letras”. Por isso aconselhamos a sua impressão e leitura muito atenta.
O próximo artigo conterá já alguns ficheiros áudio interactivos e será, por assim dizer, a parte prática deste.
Decibel
Um décimo de um Bel?
O decibel (dB) é certamente uma das unidades de medida menos compreendidas de sempre.
É evidente que tal se deve ao facto de usar uma escala completamente diferente das escalas lineares a que estamos habituados e que usamos quotidianamente.
Assim, para se poder compreender esta unidade há que empreender algum esforço de concentração, persistência e, eventualmente, pesquisa.
Sem isso nada feito.
Leiam pois a explicação seguinte com muita atenção e utilizando o tempo necessário, não aquele que (acham que) têm disponível.
A confusão pode começar logo porque embora signifique fisicamente sempre a mesma coisa, o decibel pode ser calculado de várias maneiras. Isso também provoca que haja uma infinidade de explicações confusas e até erradas, o que esperamos não venha a ser o caso desta.
O decibel não é uma unidade no mesmo sentido da que é um metro ou um quilograma, por exemplo.
Os metros e os quilogramas são quantidades definidas de distância ou peso. (Podemos ir a qualquer enciclopédia ou à própria entidade que regula os standards de unidades de medida e ver o que significam exactamente um metro e um quilograma. E isso nunca muda, é uma coisa absoluta).
Por sua vez um decibel é uma relação entre dois valores de potência.
Ou seja, indica quantas vezes uma potência (ou outra coisa, como veremos) é maior (ou menor) que outra.
É como que se eu disser que um terreno é duas vezes maior. Mas maior do que quê? Tenho de saber qual é a referência, qual é o outro terreno com que estou a compará-lo. Se disser que esse mesmo terreno tem 200m2 é diferente, já não preciso de ter nenhum outro para compará-lo.
Estão a ver já a diferença? Se a resposta é não isso é muito mau sinal 🙂
Os decibéis usam-se quando temos que falar ou tratar numericamente de números que apresentam uma grande diferença de magnitude, como por exemplo 23 vs. 4 700 000 000 000.
Compreendem como seria difícil fazer ou utilizar uma escala que abarque valores tão díspares. Não? Então tentem fazer um gráfico de forma a poder marcar valores entre os valores limites exemplo que dou acima e constatem a dificuldade/impossibilidade.
Com uma tão vasta gama de valores em causa, o maior problema começa por ser acertar com o número de zeros exacto.
Podemos trabalhar com a notação científica, mas mesmo assim uma comparação entre 2.3 x 10 e 4.7 x 10 levantado a 12 ainda é inadequada e incómoda.
Então, por conveniência nossa, encontramos a relação entre os dois números e convertemos essa relação num logaritmo. Isso dá o valor de 11.3 no caso do nosso exemplo.
O que é um número bem mais simpático para cálculos, raciocínios e escalas.
Se não sabe ou já não se recorda do que é um logaritmo e como se trabalha matematicamente com ele é melhor não avançar mais. Veja o que temos a dizer sobre os logaritmos (abaixo, no final do artigo) e só quando tiver compreendido tudo bem volte a este ponto para prosseguir o estudo sobre o decibel.
Está melhor , não?
Como queremos que as coisas fiquem simples com estas manipulações matemáticas então simplifica-se ainda mais. E como? Vamos livrar-nos da parte decimal multiplicando o número por 10.
Por exemplo, se medirmos um valor de 23 cavalos-vapor (medida de potência) e outro de 4.7 triliões, diremos que o segundo é 113dB maior do que o primeiro.
Resumindo… matematicamente:
Diferença de potência em dB = 10 log (potência A / potência B)
Entendido?
A utilidade de tudo isto emerge limpidamente quando pensamos, por exemplo, acerca de como nós, humanos, percebemos o volume do som.
Certamente será relativamente à potência sonora que todos já ouviram falar em dBs, embora se possam usar em muito mais coisas do que isso, como veremos.
Primeiro que tudo, o nosso ouvido é muito sensível. O som mais baixo que conseguimos ouvir tem a potência de 0.000000000001 watt/metro quadrado e o limiar de dor tem a potência de 1 watt/metro quadrado (estão a ver a vasta gama de sons que “ouvimos”, mesmo propícia à utilização de dBs), o que dá uma vasta gama de sons, num total de 12dB.
Em segundo lugar, e ainda por cima, a nossa capacidade de análise/julgamento em termos de volume de som é do género logarítmico (é o que dizem os psicólogos, pelo menos):
Se o som tiver 10 vezes a potência de um outro que tomamos como referência (10dB) nós ouvimo-lo como sendo duas vezes mais alto. Se apenas dobrarmos a potência notaremos que há diferença mas seremos incapazes de a quantificar, mesmo por aproximação.
[Os cálculos para as relações em dB que vos falei antes são assim: para uma relação de 10 para 1, o logaritmo de 10 é 1, e 10 vezes 1 é 10.
Para uma relação de 2 para 1, o log de 2 é 0.3, e 10 vezes esse valor é 3.
Por acaso, se a relação for ao contrario, com o valor medido menor que a referência, obtemos um valor negativo em dB, porque o logaritmo de valores entre 0 e 1 é negativo.]
Nota: como o decibel é uma relação entre duas potências, para as coisas fazerem sentido convém sempre usar um valor de potência como referência e depois caracterizar/medir em decibéis os outros valores de potência em relação a esse tomado como referência. Lógico, não?
Conversão de relações de tensão ou pressão para decibeis
Relembremos que o dB é usado para descrever relações de potências. Mas a potência é uma grandeza que muitas vezes não pode ser facilmente medida, especialmente em circuitos e dispositivos electrónicos.
Em geral medimos (porque é mais fácil) a tensão eléctrica e depois, para saber a potência, usamos a fórmula P = U ao quadrado a dividir pela resistência eléctrica R.
Da matemática sabe-se que elevar um número ao quadrado duplica o valor do seu logaritmo, e então a fórmula fica:
Diferença de tensões em dB = 20 log (tensão A / tensão B).
Por outro lado, a potência do som varia com o quadrado da pressão, logo esta fórmula é apropriada para usarmos em cálculos envolvendo a SPL (Sound Pressure Level – Nível de Pressão do Som) , que é o que ao fim e ao cabo nós ouvimos.
Níveis de Referência
A confusão final surge do conceito de potência RELATIVA.
A pergunta “mas relativa a quê?” não tem uma resposta única.
O nível de referência (0 dB) é escolhida de modo a que seja um valor conveniente para a aplicação que temos em mãos.
No caso da acústica, 0 dB na maior parte dos casos significa o limiar de audição (é este o nível de referência usado, em relação ao qual os outros valores são medidos em dB), isto é, o som mais fraco que um humano normal consegue ouvir, e que é 0.0002 microbar (1 bar corresponde à pressão normal do ar).
As pessoas que trabalham em acústica trabalham com valores positivos e dão às suas medidas o nome de dB SPL.
Os Engenheiros Electrotécnicos, por sua vez, usam diversos significados para os 0 dB. Por vezes lembram-se de adicionar uma letra ao símbolo dB para esclarecer melhor do que se está a tratar.
0 dBj = 1 milivolt -> referência é o milivolt
0 dBk = 1 kilowatt -> referência é o kilowatt
0 dBm = 1 miliwatt a 600 ohm -> referência é o miliwatt a 600 ohm
0 dBv = 1 volt -> referência é o volt
E por aí fora…
Os cálculos de potência também devem levar o espectro em conta: não é válido comparar um sinal de ruído com uma onda sinusoidal pura sem que se utilize um factor de correcção.
A regra simples para evitar mais confusões ainda é comparar sempre sinais similares.
dBVU
A referência mais comummente encontrada na música electrónica é 0 dBVU.
Os dbVU são calculados exactamente da mesma maneira que os dB mas com algumas restrições extra sobre a largura de banda e balística da escala usada.
O VU (Volume Unit – Unidade de Volume) é um resquício da utilização nos primórdios da rádio, quando 0 VU queria dizer 100% da modulação legal de uma determinada estação de rádio.
Os medidores de nível estavam todos marcados com números representando percentagens assim como em dBVU, e os números acima de 0 estavam pintados em vermelho. Quando os gravadores de fita foram inventados, continuaram a usar-se os mesmos medidores, e 0 dBVU tornou-se o ponto de operação recomendado para a fita em utilização.
O fabricante das fitas magnéticas fornecia fitas de calibração e as máquinas eram então ajustadas para dar uma leitura de 0 dbVU no medidor quando essas fitas eram passadas.
0 dBVU nos gravadores de fita foram-se desvanecendo ao longo dos anos. O standard do velhinho Ampex era de 185 nanoWebers/metro (uma medida do campo magnético na fita), e o mais comum hoje em dia são 250 nW/m, sendo que as pessoas estão já a falar das vantagens de 500 nW/n.
O standard da cassete comum é de 160nW/m.
0 VU não é, todavia, o sinal máximo permitido nos gravadores de fita analógicos. A maioria dos decks de fita aguentam com +6 ou até +15 por breves instantes (tais níveis podem danificar os medidores de VU se se mantiverem por largos períodos) e outros dispositivos podem ir até aos +25.
Qualquer área de operação acima dos 0 VU é chamada de “headroom”.
0 VU é o sinal máximo permitido nos gravadores de fita digitais. Exceder esse nível causa habitualmente grande distorção de som nesses dispositivos
O sinal mínimo utilizável é limitado pelo nível do sempre presente sinal de ruído. Trata-se do “Noise Floor”, e pode ir até aos -40 VU num deck de cassetes ou abaixo de -100 VU num gravador digital.
——————————————————————–
O que é um logaritmo? Uma breve descrição
——————————————————————–
Primeiro olhe para os expoentes. Se escrevermos 102 ou 103, queremos dizer:
102 = 10 x 10 = 100 e 103 = 10 x 10 x10 = 1000.
Então o expoente (2 ou 3 no nosso exemplo) diz-nos as vezes que temos que multiplicar a base (10 no nosso exemplo) por si própria.
Aqui apenas falamos da base 10, que é a que nos interessa para o decibel, mas o mesmo raciocínio se pode aplicar a qualquer base.
Voltando ao nosso exemplo, 2 é o logaritmo (log) de 100, e 3 é o log de 1000. Se multiplicarmos 10 apenas uma vez por si próprio, obtemos o resultado de 10, ou por outras palavras:
101=10
Deste modo, podemos ter também logaritmos negatives. Quando escrevemos 10-2 queremos dizer 0.01, que é 1/100, logo:
10-n = 1/10n
Vamos agora complicar um pouco. Vejamos o valor de (102)3. É fácil se fizermos um passo de cada vez:
(102)3 = (100)3 = 100 x 100 x 100 = 1 000 000 = 106.
Escrevendo-o, deve convencer-se a si próprio que, para quaisquer dois números n e m,
(10n)m = 10nxm
Mas o que acontecerá se n não for um número?
Como as regras que vimos até agora não nos dizem o que quer isso dizer, podemos defini-lo para significar o que desejamos, mas temos de fazer a nossa escolha de modo consistente.
A definição de logaritmo de um número a (numa base 10) é:
10log a = a.
Por outras palavras, o logaritmo de um número a é a potência (expoente) à qual devemos elevar a base 10 para obter o número a. Confuso? Leia com atenção e compreenda. Sei que poderá demorar algum tempo mas uma vez entendido nunca mais esquecerá.
Vamos agora dar um exemplo de um número cujo logaritmo não é um número inteiro. Consideremos a raiz quadrado de 10, que é 3.1623…, por outras palavras 3.16232 = 10. Usando a nossa definição acima, podemos escrever:
3.16232 = (10log 3,1623)2 = 10 = 101
Contudo, usando a nossa regra que diz que (10n)m = 10nm, vemos que neste caso 3.1623 x 2 = 1, por isso o logaritmo de 3.1623… é ½. A raiz quadrada de 10 é 100.5.
Então temos um par de questões para responder:
– Como calculamos os logaritmos?
– Podemos ter a certeza que os números reais maiores que zero têm logaritmos também reais?
Deixamos isso para os matemáticos (quem, a propósito, ficaria mais feliz em vos dar um tratamento mais rigoroso sobre expoentes do que esta pincelada superficial?).
Há outros exemplos que convém notar. 100 tem a propriedade de, não importa quantas vezes o multipliquem por si próprio nunca atingiremos o valor de 10.
Além disso, não importa quantas vezes o dividir por 1, nunca chegará a 1/10.
Usando a nossa velha regra (10n)m = 10nm, vê-se que 100 = 1 a satisfaz, e por isso o logaritmo de 1 é zero.
O logaritmo de 2 é usado frequentemente na acústica, e é 0.3010.
Mais, a duplicação da potência corresponde a um aumento de 3.01 dB, que normalmente se aproxima por 3 dB porque, como poderá descobrir por si próprio ouvindo os sons abaixo, as décimas de decibel são um valor muito pequeno para ser destrinçado pelo ouvido humano.
——————————————————————–
1 comentário
Olá! Obrigado pela excelente explicação. Entendi de uma vez por todas o que é o dB.
Cláudio
Curitiba / Brasil
Deixe-nos um comentário