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Vários – “Do Cairo Ao Cabo” (african pop | televisão)

29.04.1991
Segunda-Feira, Local, Televisão


Do Cairo Ao Cabo

Viagens pelo continente negro. Pelos seus costumes e tradições. Pela sua música. África do deserto e da savana, berço do “jazz” e do samba brasileiro. África dos sons e tons tórridos que hoje aquecem as caves e estúdios de Paris. Ocidente rendido à matriz negra. Peter Gabriel, Paul Simon, Stewart Copeland abriram as portas e fizeram a junção dos continentes. Os músicos e a força africanos fizeram o resto.
Produzidos pela Metavídeo, os cinco programas da série “African Pop” contam a história da invasão africana, através da fusão dos batuques e cantos rituais com a electrónica e as estratégias de “marketing” ocidentais. Depois do Senegal, de Youssou N’Dour, Baaba Maal e Mory Kanté, lugar, esta tarde, para as imagens e sons do Zaire e da boémia de Kinshasa, cujas ruas e clubes de luxo se animam ao ritmo da rumba, tocada toda a noite por orquestras de guitarras especialmente afinadas para o efeito. A dança e a música juntam-se à moda nos concursos de “sapeur” – desfiles inspirados no Ocidente onde “dandies” de ébano, “passam” Saint-Laurent, Gaultier ou Yamamoto e ganha quem vestir a roupa mais cara e luxuosa. De “dandy”, Papa Wemba transformou-se num dos mais interessantes e conceituados músicos africanos a trabalhar na Europa. Vamos saber como e porquê.
O terceiro programa da série “African Pop” será dedicado À Nigéria, da música “juju” e Fela Kuti, e o seguinte às mútuas influências entre as músicas africana e europeia. Finalmente, no quinto e último, veremos como Paris se transformou na principal embaixada africana na Europa. Bastaria a música de Manu Dibango, Johnny Clegg (inglês de coração zulu), Kassav e Touré Kunda, para não os perdermos.
Canal 2, às 12h40

Youssou N’Dour – “Youssou N’Dour Em Lisboa – Mil Corpos A Dançar”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 24 OUTUBRO 1990 >> Cultura


Youssou N’Dour em Lisboa

Mil corpos a dançar


Pouco mais de mil pessoas davam na noite de segunda-feira, ao interior do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, um aspeto desolador. Mas, segundos após o senegalês Youssou N’Dour e as suas “Super Estrelas” terem entoado as primeiras notas, mil corpos começaram a dançar.



Youssou N’Dour chegou acompanhado pela sua banda “Super Étoile”, formada por um total de dez músicos e bailarinos, todos empenhados na celebração da grande festa africana. Já ninguém se importava se eram muitos ou poucos os presentes, com toda a gente rendida ao virtuosismo do africano e à energia transbordante dos instrumentistas.
Razão principal para a fraca afluência do público, foi a insuficiente promoção do concerto e de um nome por enquanto pouco conhecido entre nós. “É pena que um espetáculo como este tenha atraído tão pouca gente” – lamentava José Marinho, jornalista – “talvez por ser segunda-feira e a obra de Youssou N’Dour nunca ter tido entre nós a divulgação que merece”.
O som não seria o ideal, sobretudo porque a acústica foi afetada pelo vazio da sala, mas a falta foi perfeitamente compensada pela entrega completa dos músicos que rapidamente puseram todos aos pulos. “Fartei-me de dançar” – regozijava-se Miguel Portas, assessor do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, uma das muitas pessoas que de imediato se entregaram ao prazer do movimento corporal. “Pena foi não estar tudo cheio, ou se calhar ainda bem, pois se não era capaz de não haver espaço para o fazer!…”.
Menos esfuziante, o crítico musical João Lisboa confessava que, embora “The Lion”, penúltimo álbum do cantor, não o tivesse entusiasmado, reconhecia “ser ao vivo que melhor se pode apreciar a música e dança africanas. Mesmo que os corpos brancos ainda oponham certas resistências à carga instintiva que este tipo de música comporta”. De opinião contrária era Ricardo Camacho, produtor discográfico e músico dos Sétima Legião, para quem esta música “é a mais universal” e que acha “espantoso como as pessoas, mesmo sem a conhecer, se entregam de imediato ao seu ritmo”.

A lei do ritmo

Sobre o palco Yousso N’Dour não dava descanso a ninguém. Nem os temas mais lentos chegavam para arrefecer os ânimos. Logo de seguida o ritmo imposto pelas percussões da “Super Étoile” voltava a ditar a sua lei. Entusiasmado estava o radialista Amílcar Fidelis que não hesitava em considerar o músico senegalês como “um dos nomes mais fortes da denominada ‘World Music’, não espantando que Peter Gabriel o tivesse ‘apadrinhado’ através da sua participação numa das faixas de ‘The Lion’”.
No Coliseu dos Recreios, Youssou N’Dour interpretou canções deste e do mais recente longa-duração de genérico “Set”. Os teclados eletrónicos e os saxofones não obstaram a que o coração do continente negro pulsasse sem parar. Para o crítico Ricardo Saló não havia dúvidas: “De todos os grupos africanos que vi até agora, o de Youssou N’Dour, a par do de Ray Lema, foi aquele que melhor soube equilibrar a tradição étnica e a tecnologia ocidental, mantendo embora o sinal africano do princípio ao fim”. Menos sensível ao lado negro, Pedro Ayres de Magalhães, compositor, músico e letrista dos Madredeus, foi sobretudo sensível aos temas finais, aqueles em que “a instrumentação ficou reduzida ao mínimo e a música se aproximou mais dos valores ocidentais, privilegiando o silêncio”.
Ao longo de quase duas horas de atuação, incluindo a longa sequência de “encores”, os músicos “deram o litro”, segundo a expressão de outro homem da rádio, António Sérgio. Para o veterano locutor apaixonado pelos sons de África e divulgador desde o início da música de N’Dour, os “Super Étoile” são hoje em dia, “verdadeiras super-estrelas, a maior banda que o chamado Terceiro Mundo conheceu desde os tempos áureos de Bob Marley”. Referindo-se ao escasso número de presentes (“com a sala cheia teria sido um acontecimento inesquecível”), adiantou uma explicação de caráter sociológico algo polémica: “Os traumas da guerra no Ultramar impedem ainda muitos portugueses de se deslocarem para ver atuar uma banda constituída só por africanos”.
Seja como for, desde a noite de segunda-feira, a alma de um milhar de portugueses passou a ser um bocadinho mais africana. E a ordem que a alma deu ao corpo foi: dançar!

Youssou N’Dour – “21 De Outubro, Coliseu Do Porto 22 De Outubro, Coliseu De Lisboa” (concertos | antevisão | artigo opinião)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 17 OUTUBRO 1990 >> Pop Rock


YOUSSOU N’DOUR
21 de outubro, Coliseu do Porto
22 de outubro, Coliseu de Lisboa


N’Dour é sobretudo conhecido pela fusão, nos seus discos, de vários estilos musicais, nomeadamente as sonoridades étnicas do Senegal, o “reggae”, a eletrónica e a música de dança. Sensível aos sons e cultura ocidentais, e não só, trabalhou com Peter Gabriel, no álbum “So”, Paul Simon (“Graceland”), Ryuichi Sakamoto (“Beauty”), Bruce Springsteen, Sting e Tracy Chapman (estes últimos ao vivo na “tournée” mundial organizada pela Amnistia Internacional, “Human Rights Now”).
Em 1976, juntou-se aos Star Band, e três anos mais tarde formava a sua própria Super Étoile de Dakar, banda com a qual se tornou conhecido fora do país natal. Depois do sucesso internacional de “The Lion”, “Set” (“limpo”, em dialeto wolof, produzido por Daniel Lanois) é o registo discográfico mais recente deste senegalês apostado em estender as fronteiras da África pelo mundo fora. Em “Set”, a sonoridade é mais urbana do que nunca, baseada no “mbalax”, “cocktail” rítmico que mistura ambientes de mercado, clubes noturnos e festas particulares.
Ao contrário, nomeadamente de Mory Kante, seu concorrente direto no campo da revisão moderna dos dialetos tradicionais africanos, Youssou N’Dour parece agora apostado em manter-se fiel a um som que, apesar de sincrético, não faz concessões ao gosto americanizado. De modo que, se “Lion” foi o seu ensaio mais sério no plano da massificação, “Set” é um disco que equivale a um retrocesso autenticista. Internacionalista, mas não pura curiosidade turística, em Portugal teremos oportunidade de escutar a sua voz tenor e o vibrante entusiasmo com que procura, a partir do grande caldeirão de culturas, pôr o mundo inteiro a dançar, mas sempre e sobretudo agora numa perspetiva africana.