Arquivo de etiquetas: Who (The)

Pop Rock

5 Fevereiro 1997
reedições

The Who
The Who by Numbers (6)
Who are You (5)
POLYDOR, DISTRI. POLYGRAM


who

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A questão que Pete Townshend colocava em 1975, com “The Who by Numbers”, para os The Who, consumado o êxito e a qualidade dos projectos anteriores, “Who’s Next” e “Quadrophenia”, dizia respeito à própria sobrevivência artística do grupo que, à época, começou a ser hostilizado pela imprensa. Para o guitarrista, chegado aos 30 anos de idade (“espero morrer antes de ficar velho”, foi a declaração proferida por si nessa altura, acabando por ser o baterista Keith Moon a levá-la à prática), era a confrontação com o estatuto de “star” e a verificação de se andar a imitar a si próprio, nos “clichés” dos espectáculos ao vivo. “Slip kid”, o tema de abertura, coloca desde logo o problema da liberdade, pessoal e artística, desde sempre duas obsessões do músico. A resposta foi dada através de um trabalho de depuração do “rock’n’roll”, das guitarras, desenvencilhadas da anterior carga de formalismo, e da voz, tornada imagem de marca do grupo, de Roger Daltrey.
Três anos depois, em “Who are You”, o derradeiro álbum com a presença de Keith Moon, que viria a falecer vítima de todos os excessos, os sintetizadores reapareceram, após o pioneirismo minimalista, num contexto Rock, de “Who’s Next”, para pintar velhas inquietações, agora revertidas, de novo, para preocupações religiosas, mas já libertas da alçada do guru Baba Yaga. O “punk” eclodira entretanto, havendo uma contradição entre o facto de os The Who serem pais espirituais do movimento e ao mesmo tempo, neste álbum, renegarem os seus princípios estéticos (?) e o seu niilismo. “Who are you” está, de facto, mais próximo, por vezes, da pop electrónica, da pompa sinfónica FM e do “disco” que da rebeldia “punk”. “Who are you”? A pergunta fazia todo o sentido, nessa constante procura de Pete Townshend, de uma relação mística entre o grupo e o seu público. Mas a época era de raiva e os The Who não resistiriam, vindo a ser esmagados pelo mito que eles próprios haviam criado. Estes dois álbuns ajudam a perceber porquê. Agora remisturados, remasterizados, reembalados e aumentados com temas extra.



The Who – “Who’s Next”

Pop Rock

6 de Dezembro de 1996
àlbuns poprock
reedições

The Who
Who’s Next

POLYDOR, DISTRI. POLYGRAM


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Originalmente editado em 1971 pela Track, “Who’s Next” resultou de um projecto abortado de Pete Townshend que deveria suceder e ultrapassar o gigantismo de “Tommy”. “Lifehouse”, assim se chamava o que deveria ter sido um filme, uma peça de teatro, um álbum duplo e um novo conceito de apresentação ao vivo que Townshend definiu, na altura, como “música total”. “Lifehouse” antecipava uma sociedade totalitária do futuro em que a salvação dos indivíduos apenas seria possível através do rock’n roll. O guitarrista dos Who idealizou, inclusive, aquele que seria o “concerto definitivo”, onde cada elemento do público contribuiria com a sua própria música pessoal – utilizando para tal um computador – para um “acorde universal”. Excertos deste projecto, que Townshend ainda não desistiu de pôr em prática, encontram-se no álbum a solo do guitarrista editado em 1993, “Psychoderelict”, bem como em alguns temas de bónus incluídos na presente versão, remisturada e remasterizada, de “Who’s Next”. À distância de 24 anos, a música de “Who’s Next” mantém a mesma vitalidade, soando como um manifesto do rock criativo com o qual Pete Townshend pretendeu responder à desbunda remanescente dos anos 60. Obra sólida e rigorosa (o guitarrista afirmou, na altura, que ele próprio funcionou como uma espécie de computador humano, ao qual todos os aspectos da música estavam ligados), “Who’s Next” é ainda um álbum formalmente inovador, onde Pete Townshend transpôs para o rock os fundamentos da música sequencial electrónica, utilizando os sintetizadores VCS3 e A.R.P. não como instrumentos melódicos (o que na época faziam quase todos, dos ELP a Rick Wakeman), mas como agente rítmico de primeiro plano. Em 1971 causou furor o minimalismo robótico do A.R.P. no tema de abertura, o célebre “Baba O’ Riley” (onde participa o violinista dos East of Eden, Dave Arbus), sem esquecer outros onde o sintetizador funciona como componente sonoro determinante, como o não menos célebre “Won’t get fooled again”, “Bargain”, “The song is over” e “Going mobile”. “Behind blue eyes”, aqui presente em duas versões, é, por seu lado, uma das mais belas prestações vocais de sempre de Roger Daltrey. “Who’s Next”, mantendo dentro de limites aceitáveis os excessos dramáticos de “Tommy”, mostrou que a complexidade dos anos 70 não passou apenas pelas hostes do Progressivo. Um álbum para viver, cheio de saúde, até no final do século. (8)



The Who – Tommy

30.01.2004

The Who
Tommy
2xCD Polydor, distri. Universal
9/10

The Who – A Ópera do Cérebro

LINK

“Tommy, can you hear me?”, o grito, ouvido nos quatro cantos do mundo onde se ouve música rock, volta a ecoar, passados 35 anos. Tommy, o rapaz cego, surdo e mudo que se relacionava com a realidade através dos jogos de flippers, nos quais era imbatível, está de regresso. Agora em formato de super áudio CD (legível também nos leitores vulgares), em som Surround e aumentado para dois discos. Sujeito a nova remistura por Pete Townshend, o álbum tem agora a companhia de 17 temas extra, incluindo “demos” e apontamentos dispensáveis. Lamenta-se ainda, em comparação com a anterior reedição (em CD simples), a ausência e a eliminação do grafismo original.
Mas é “Tommy”, a ópera-rock, que renasce das cinzas. Na altura foi recebida com aclamações de “obra-prima” mas também como uma exploração chocante da temática do autismo e da violação (numa parte da narrativa, Tommy, ainda criança, é violado por um tio). “Tommy” é ambas as coisas, marcado pelo acesso de misticismo de Townshend, na altura influenciado pelas ideias de Meher Baba (o grande álbum da banda, “Who’s Next”, abriria mesmo com o tema-dedicatória “Baba O’Riley”).
Sexo, drogas (o ácido, claro, estava-se em 1969… e em 2004, o último número da Mojo dedica 40 páginas ao tema!…), ilusões, traumas, religião, falhanços e, em última instância, o triunfo e a glória do herói, metamorfoseado em Messias, reflectem as preocupações do líder e guitarrista do The Who, para quem a realidade não é percebida exclusivamente pelos sentidos mas por uma visão interior. “Tommy” é essa viagem de descoberta interior. O disco teve, aliás, títulos provisórios elucidativos, como “Amazing Journey”, “The Brain Opera”, “Journey into Space” e “Deaf, Dumb and Blind Boy”. Sofreu precalços. De grande música derivou para o espectáculo de pacotilha em que Ken Russell o transformou, ao fazer do tema matéria para o seu filme e, consequentemente, convocando para a banda sonora uma chusma de estrelas para interpretarem, no filme e no disco, as personagens idealizadas por Townshend. Esse, porém, é outro “Tommy”, porventura até mais conhecido.
As 24 canções de “Tommy” são jogadas acutilantes de pop e rock que integram elementos de psicadelismo (“Christmas”, “Cousin Kevin” ou “Smash the mirror”, por exemplo, mais do “The acid queen”, são suficientes para amolgar o cérebro), melodias de sedução e precisão notáveis e arranjos que desmentem em absoluto a ideia da ópera-rock ser um amontoado balofo de exibicionismo de meios e lugares-comuns. “It’s a boy”, “Pinball wizard” e “I´m free” são as canções mais conhecidas, aquelas às quais as rádios e as memórias se agarraram, mas é a sequência total que impressiona.
“See me, feel me, touch me, heal me” é o pedido de auxílio, lançado insistentemente pelo deus dos “flippers”. “Tommy”, o disco, faz o mesmo apelo.