Arquivo de etiquetas: Von Magnet

Von Magnet, Cassandra Complex, e Test Dept. – “‘Extensões Musicais’ Do Citemor 92 Começam Hoje Em Montemor-O-Velho- A Decadência Da Civilização Ocidental” (festivais / concertos)

Cultura >> Sexta-Feira, 31.07.1992


“Extensões Musicais” Do Citemor 92 Começam Hoje Em Montemor-O-Velho
A Decadência Da Civilização Ocidental


Em Montemor-O-Velho, no seu castelo medieval, está montado o palco para três concertos que vão abalar os alicerces da civilização ocidental. Von Magnet, Cassandra Complex, e Test Dept. actuam integrados nas “Extensões Musicais” do Citemor 92.



Os Test Dept., banda britânica pioneira, ao lado dos Einstuerzende Neubauten e SPK, da música industrial que a partir dos anos 80 tem vindo a corroer os alicerces da civilização ocidental, prometem os abalos maiores numa noite (a 22 de Agosto) que se prevê inesquecível.
Mas não são só os mestres do martelo-pilão que se preparam para perturbar o sossego das noites beirãs. Os Van Magnet que dão um concerto hoje no castelo, e os Cassandra Complex (no mesmo local, a 15 de Agosto) são duas outras bandas que a Novas Audições Objectivas (NÃO) traz a Portugal, integradas no programa da “extensões musicais” do Citemor 92, festival de teatro que desde dia 21, tem vindo a decorrer nesta localidade.
Qualquer destes agrupamentos, pela sua prática teórico-musical, ilustra bem o conceito que a NÃO pretende implantar, definido como uma “ideologia produtiva”, sintetizada na frase de Philippe Von, dos Von Magnet: “A nossa religião consiste em dizer aos jovens que esqueçam o seu conforto, experimentem agir, sejam mais curiosos, corram riscos e lancem-se em delírios e projectos.”
A ideia de criação da NÃO surgiu em Coimbra, “numa esplanada de um café”, para procurar responder à estagnação de uma “cidade apática que hiberna durante todo um ano e que repentinamente, e como um período menstrual bem regulado, desperta numa semana de Maio para a bebocultura dos líquidos louros de facto agradáveis, mas que caem num estômago vazio de conteúdos culturais realmente importantes e, sobretudo, contemporâneos”. Entre tantos líquidos, uns da parra, outros orgânicos, não é claro o sentido geral da preposição, se bem que, num pequeno manifesto de intenções, os NÃO esqpecifiquem que os move a “vontade e a necessidade de agir”. Tudo contra aquilo a que chamam a “cultura do mofo”. Na sua sede de acção os NÃO trouxeram já a Portugal espectáculos dos Young Gods e The Grief.
Os Von Magnet, primeira banda a actuar, são um grupo de mutantes sediados em França, praticantes do que eles designam por “Electro flamenco”, a junção do sangue, da faena e das castanholas ao ritmo dos computadores, numa concepção semelhante à da fase recente dos catalães La Fura Dels Baus. Álbuns como “El Sexo Surrealista” ou o novo “Computador” (no sentido de “matador”) são o pretexto para os Von Magnet apresentarem a sua versão do que será, em traços largos, a nova linha existencial para o século vindouro: tecnologia, frio e rigor. O estilista será, obviamente, o anti-cristo, trajado de tecnocrata no escritório central da idade do gelo.
Não é muito diferente a história que os Cassandra Complex t~em para contar, um grupo belga militante da primeira linha da denominada “Electronic Body Music” que passa por ser o género dançável preferido dos androides. Eles referem-se à sua música como “cyberpunk” e ao futuro como um “pesadelo tecnológico”. Sem esquecer, dizem, a utilização de máquinas para exprimir sentimentos humanos. A audição dos discos deixa, no entanto, no ar a suspeita em contrário: de serem antes os humanos que exprimem os sentimentos das máquinas…

Um Prodígio Visual

Mas o grande acontecimento deste Verão em Montemor-O-Velho vai ser, sem dúvida, o espectáculo “multimédia” apresentado pelos Test Dept. munidos da sua estética totalitária baseada no confronto entre a Natureza e a Vontade de Poder, o senhor e o(s) escravo(s), o prazer e a tortura. Exemplificada em álbuns como “Beating the Retreat”, “The Unacceptable Face of Freedom” e “Terra Firma” ou no vídeo “Program for Progress”, que há alguns anos atrás escandalizou um dos auditórios do Centro de Arte Moderna, em Lisboa. Ao vivo, os Test Dept. são um prodígio visual que recupera para a música popular a noção de “trabalho” e de movimento físico, de músculos em actividade moldando a fogo e pelo sopro de demónio, nota a nota e a golpes de ruído, uma imensa arquitectura de metal em louvor ao homem “ex-machina”.
A música dos Test Dept. é como uma fábrica em pelan laboração, portadora de dor, da dor inerente a todo o acto de criação. Só que eles exageram. As percussões metálicas que constituíram o emblema inicial do movimento da “música industrial”, juntam-se ao ritmo implecável dos computadores e aos sons tradicionais produzidos por gaitas-de-foles ou por um “didjeridoo”.
O “admirável mundo novo” propagandeado pelso Test Dept. é um mundo construído pela colmeia, um mundo em que a dignidade só pode ser conferida pelo sofrimento e o corpo humano se assume como uma peça de um imenso maquinismo de precisão.
Tudo isto no espaço de uma noite, numa pacata localidade subitamente transformada no centro da decadência da civilização ocidental.

Von Magnet – “Von Magnet Meets the Data Gypsies: Cosmogonia”

Pop Rock

11 de Outubro de 1995
Álbuns poprock

Von Magnet
Von Magnet Meets the Data Gypsies: Cosmogonia

HYPNO BEAT, DISTRI. SYMBIOSE


vm

Onze arcanos do baralho esotérico “tarot” são aqui transformados em signos sónicos por um naipe variado de intérpretes, denominados Data Gypsies, através de remistura e montagem de música originalmente composta pelos Magnet, praticantes de tecno industrial, adeptos da new rage (por oposição à new age) e membros da MACOS (“Musicians against Copyright of Samples”). Monótono em alguns casos, aqueles onde a vertente tecno e industrial se sobrepõe, ocasionalmente sublimada numa voz de características étnicas ou rituais, “Cosmogonia” surpreende pelo lado mais ambiental e experimentalista. Estão neste caso os temas a cargo de Victor Sol (um espanhol que com os Xjacks, na Fax, de Pete Namlook, subverte algumas regras básicas da editora), “El carro d’Hermes”, onde máquinas monstruosas se emancipam do controlo humano; de Ken Thomas, no ritualismo obscuro de “El anciano”; e de Lassigue Bendthaus, com “El maestro”, exercício extenso de industrialismo cibernético que deriva para a colagem naturalista ao estilo dos PJR, antes de se organizar na mecanicidade pura de um Asmus Tietchens. Relativamente “conhecidos” desta área, os Bourbonese Qualk ficam-se por uma base rítmica sequenciada e bastante dançável, enquanto os estranhos Calva & Nada optam pelo discurso hermético sobre a figura de “El diablo aker” e Ian Briton com Boyd recorrem sem grande originalidade às vozes filtradas por um “vocoder” saídas da auto-estrada dos Kraftwerk. As principais referências estéticas da maioria da legião tecno giram contudo em torno dos Einsturzende Neubauten, Test Dept ou la Fura dels Baus, este últimos mimados num manifesto contra o poder por Gus Ferguson com os ICU, no derradeiro arcano, “El Ciclo”. A embalagem contém reproduções miniatura das respectivas cartas. Satisfação garantida para os apreciadores deste género de barulhos. (6)



Von Magnet – Sexo: Opção Máquina

11.05.2001
Von Magnet – Sexo: Opção Máquina

LINK (El Sexo Sur-Realista Live)

Sexo surrealista? O manual foi apresentado pelos Von Magnet em 1988, num álbum intitulado precisamente “El Sexo Sur-realista”, considerado hoje um clássico do electro-flamenco. Não se vislumbram mais praticantes deste género que combina a sensualidade das danças do Sul da Andaluzia com a electricidade das máquinas. Os Von Magnet estão, neste aspecto, sós. Isolados na visão de um mundo conceptualizado pelo cérebro e animado por pulsões sexuais tão incrustadas na carne como deslocadas do seu sentido primordial.
Embora sejam associados aos “industriais” Young Gods, Test Dept, Cassandra Complex, In The Nursery ou Psychic TV, a forma como a sua música funde os elementos étnicos e rituais com a electrónica de pendor hipnótico estará mais próxima de uns Controlled Bleeding e, sobretudo, dos Delerium, extensão electrotribal minimalista da “electronic body music” dos Front Line Assembly.
A música dos Von Magnet traduz os paradoxos, as inquietações e as fobias do homem moderno. A carne e o espírito, as tradições étnicas e a sociedade da comunicação electrónica, transe e informação, suor e magnetismo, magia sexualis e matemática aplicada, rituais arcaicos e programações digitais dilaceram-se num novo tribalismo para o novo milénio neste colectivo formado em 1985 pelo catalão Phil Von, que já actuou em Portugal, num castelo de Montemor-O-Velho, durante o festival Citemor 92. Nove anos volvidos, por iniciativa da Alcateia Plásmica, para um espectáculo multimédia com projecção de vídeos e a presença em palco de Phil Von (dança, voz), Flore Magnet (voz, cenografia), Mimetic (percussão, electrónica), Sigmoon (instrumentos étnicos) e Nikho (misturas).
Indissociável da música, a perfomance que rodeia cada espectáculo dos Von Magnet permite traçar um paralelo com os La Fura Dels Baus. Como as “ratazanas dos esgotos” da Catalunha, os Von Magnet aliam à música, predominantemente electrónica, a dança, o teatro, o circo, a tecnologia e um elemento de pânico que torna cada espectáculo numa experiência inolvidável. Não são a mesma coisa, os discos e as apresentações ao vivo. “cuidado: não estão a experienciar os Von Magnet, mas somente a escutá-los!”, explicam no booklet de “El Sexo Sur-Realista”. Fica o aviso… A arte total – e cruel – que emanava deste álbum que materializava a simbiose do humano com a máquina estabeleceu para o grupo um estatuto de culto e uma aura de esoterismo.
Um ano depois, e após colaborações com os Greater Than One e Neil Starr (dos Test Dept), renovam a sua formação que passa a contar com 14 elementos, destacando-se Jerome Soudan (Mimetic) nas percussões e electrónica. Um novo álbum, “Computador”, aprofunda a temática favorita: a ligação da Natureza com a tecnologia, dirigida para a criação de um novo ser humano, mutante cibernético, o “corpo eléctrico” que Ray Bradbury profetizou, detentor de uma alma gentil, e os Human League esticaram em betão até às alturas nietzscheianas do seu “empire state human”.
“Flamenco Mutants”, de 1992, reforça a vertente telúrica e xamânica da música e “La Centrale Magnetique” recupera ao vivo alguns dos cenários apocalípticos dos discos anteriores. “El Grito” (1993) e “Cosmogonia” (1995) são explorações divergentes do organismo Von Magnet. O primeiro é um reflexo das apropriações étnicas, e não só (“estejam À vontade para nos samplar, nós já vos samplámos a vocês!” é uma das máximas do grupo…), a que desde sempre os Von Magnet recorreram; o segundo faz circular com redobrada intensidade a corrente eléctrica e a mensagem das máquinas, através de versões de bandas como os Lassigue Bendthaus (Atom Heart, numa das suas manifestações prévias) e Bourbonese Qualk: Seguem-se, em 1996, as edições de “Mezclador” e da colectânea “Nuevas Cruzes”.
Finalmente, no ano passado, surge “El Planeta”, álbum sobre a esquizofrenia planetária e a necessidade de novas vias de comunicação para o ser humano, com base no instinto. O som de um violino, réstea de humanismo a pairar sobre as ruínas, sobrevoa paisagens de um mundo auto-regulado em circuito-fechado pelas ondas do córtex. Música electrónica sombria, plasma de sonhos, erotismo da carne vazia. O sexo surrealista dos Von Magnet é, afinal, o do corpo com os órgãos fora do lugar (como os da capa do CD) e um programa de ilusão. Posto a correr eternamente em “repeat”.

Von Magnet (1ª Parte: ZZZZZZZZZZZZZZZZZZP!)
Lisboa | Caixa Económica Operária,
R. da Voz do Operário, à Graça.
Sexta, 11 Às 21h30
Tel. 218862836. Bilhetes a 2000$00