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Vários – “A Outra Europa” (dossier / folk)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.09.1992


A OUTRA EUROPA



A outra Europa mantém-se firme. A outra Europa não diz nem não nem sim a Maastricht e não tem medo do marco. A outra Europa não passa por Paris, nem Bona, nem Londres. Muito menos por Tóquio e Nova Iorque. A outra Europa chama-se Galiza, Bretanha, Provença, Piemonte… por onde os caminhos são traçados pelas estrelas e pela Terra. A outra Europa não sofre de “stress” nem de enfartes do miocárdio. As ruínas da outra Europa aguentam-se melhor que os edifícios de vidro e betão onde os burocratas da Europa assinam as suas certidões de óbito. A outra Europa não receia o futuro porque não acredita no tempo. A outra Europa está ligada por correntes subterrâneas e é iluminada pelos raios do Sol e pelos reflexos da Lua. A outra Europa não marcha, dança. A outra Europa não grita, canta. E se, do Leste, chegam horrores e sangue, antecipando o Apocalipse anunciado, é porque ao corpo de loba da Europa faltam a cabeça de leão e o coração de pomba. E não há meio de percebermos isto. A outra Europa é a verdadeira Europa.

A selecção seguinte, subjectiva como todas as selecções, apresenta alguns dos melhores álbuns de música tradicional das respectivas regiões da Europa. Certos nomes, como é óbvio, teriam direito a figurar com mais do que um disco nesta lista. Optou-se pelo critério um nome, um disco, visando uma maior variedade. Na página seguinte, discos novos.

1 – PORTUGAL
GAC – … E Vira Bom (1977)
Brigada Victor Jara – Tamborileiro (Mundo Novo), 1979
Terra a Terra – Pelo Toque da Viola (Rádio Triunfo), 1981
Grupo de Cantares de Manhouce – Cantares da Beira (EMI-VC), 1982
Vai de Roda – Vai de Roda (Orfeu), 1983
Almanaque – Desfiando Cantigas (EMI), 1984
Ronda dos Quatro Caminhos – Cantigas do Sete-Estrelo (Rádio Triunfo), 1985
Maio Moço – Inda Canto, Inda Danço (ed. Autor), 1987
2 – GALIZA
Emilio Cao – Fonte do Arano
Amancio Parada – Caravel de Caravells (Fonomusic), 1984
Milladoiro – A Galicia de Maeloc (Dial), 1984
Pablo Quintana – O Cego Andante (Edigal), 1984
Grupo Didactico-Musical do Obradoiro – Instrumentos Populares Galegos (Sonifolk), 1987
Luar na Lubre – Beira-Atlântica (Sons Galiza), 1990
Muxicas – Desafinaturum (Edigal), 1990
3 – ASTÚRIAS
Lian de Cubel – Na Llende (Fono Astur), 1990
4 – CASTELA
Manuel Luna – Como Hablan las Sabinas (RNE), 1987
La Musgana – El Paso de la Estantigua (RNE), 1989
5 – ANDALUZIA
Rosa Zaragoza – Cancons de Noces del Jueus Catalans (Saga), 1987
Aurora Moreno – Aynadamar-La Fuente de las Lagrimas (Saga), 1988
6 – BRETANHA
Alan Stivell – Chemins de Terre (Fontana), 1973
An Triskell – Kroaz-Hent (Le Chant du Monde), 1977
Skolvan – Kerzh ba’n’ Dans (Keltia), 1991
Strobinell – Na Aotrou Liskildri (Keltia), 1991
Storvan – Digor’n Abadenn (Keltia), 1991
7 – FRANÇA (geral)
Le Bourdon – Le Galant Noyé (le Chant du Monde), 1975
Malicorne – Almanach (Hexagone), 1976
Vielleux du Bourbonnais – Vielleux du Bourbonnais (Hexagone), 1979
Mélusine – La Treizième Heure (Polydor), 1979
Jean Blanchard & Eric Montbel – Cornemuses (Hexagone), 1979
Maluzerne – Nous sommes venus vous Voire… (Le Chant du Monde), 1981
La Bamboche – Quintessence (Hexagone), 1990
8 – GASCONHA
Verd e Blu – Musica de Gasconha (Menestrêrs Gascons), 1990
Perlinpinpin Folc – Ténarèze (Compas), 1991
9 – PROVENÇA
Mont-Jòia – Cant e Musica de Provenca (Le Chant du Monde), 1976
10 – PIEMONTE
La Ciapa Rusa – Stranòt d’Amur (Madau), 1984
11 – CÓRSEGA
Les Nouvelles Polyphonies Corses (Philips), 1991
12 – SARDENHA
Elena Ledda & Suonofficina – Sonos (Biber), 1989
13 – CHIPRE
Ensemble Cypriote de Musique Ancienne – Chants Épiques et Populaires du Chypre (Arion), 1991
14 – ESCÓCIA
Silly Wizard – Caledonia’s Hardy Sons (Shanachie), 1978
Battlefield Band – Home is where the Van is (Temple), 1980
Robin Williamson – Mabinogi (Claddagh), 1983
Savourna Stevenson – Ticked Pink (Springthyme), 1985
Tannahill Weavers – DancingFeet (Green Linnet), 1987
Hamish Moore – Open Ended (Dunkeld), 1987
House Band – Word of Mouth (Topic), 1988
Gordon Mooney – O’er the Border (Temple), 1989
Catherine Ann-McPhee – Chi Mi’s Geamhradh (Green Trax), 1991
15 – INGLATERRA
Fairport Convention – Liege & Lief (Island), 1969
Shirley Collins & Dolly Collins – Antems in Eden (Harvest), 1971
Steeleye Span – Tem Man Mo por Mr. Reservoir Butler Rides Again (Chrysalis / Shanachie), 1971
Ashley Hutchings & John Kirkpatrick – A Compleat Dancing Master (Hannibal, 1973
Tim Hart & Maddy Prior – Summer Solstice (Shanachie)
Albion Country Band – Battle of the Field (Island / Carthage) 1976
June Tabor – Ashes and Siamonds (Topic), 1977
Brass Monkey – See how it Rain (Topic), 1986
Blowzabella – A Richer Dust (Plan Life), 1988
Martin Carthy – Right of Passage (Topic), 1988
Silly Sisters – No more to the Dance (Topic), 1988
John Kirkpatrick & Sue Harris – Stolen Ground (Topic), 1989
16 – IRLANDA
Planxty – Cold Blow and the Rainy Night (Polydor / Shanachie), 1974
Chieftains – The Chieftains 5 (Island / Claddagh), 1975
Bothy Band – Old Hag you have Killed me (Polydor), 1976
De Danann – The Mist Convent Mountain (Gael-Linn), 1980
Dolores Keane & John Faulkner – Broken Hearted I’ll Wonder (Green Linnet), 1981
Whistleblinkies – Whistleblinkies 4 (Claddagh), 1986
Boys of the Lough – Farewell and Remember me (Lough / Shanachie), 1987
Patrick Street – Patrick Street (Green Linnet), 1988
17 – LAPÓNIA
Mari Boine Persen – Gula Gula (Real World), 1990
18 – SUÉCIA
Filarfolket – Smuggel (Temple), 1988
19 – DINAMARCA
Dronningens Livstykke – Traditional Arranged (Pan), 1990
20 – RÚSSIA – Tüva – Voices from the Land of the Eagles (Pan), 1990
21 – HUNGRIA
Kolinda – Kolinda (Hexagon), 1978
Sebö Ensemble – Hungarian Folk Music (Rounder), 1980
Marta Sebéstyen & Muzsikas – Muzsikas (Hannibal), 1987
22 – BULGÁRIA
Bisserov Sisters – Music from the Piri Mountains (Pan), 1980
Le Mystère des Voix Bulgares (4AD), 1986


ANDY IRVINE & DAVEY SPILLANE
East Wind
Tara, distri. Mundo da Canção



Andy Irvine (ex-Planxty, no bouzouki, sanfona), juntamente com o produtor e teclista Bill Whelas, são os mentores deste projecto, dedicado ao folclore dos Balcãs. Davey Spillane, mestre das “uillean pipes”, membro dos Moving Hearts e músico muito dado aos “blues” e ao rock, deixou-se levar. Os irlandeses fazem o que podem na reprodução dos difíceis compassos típicos da música desta região (7/8, 11/16, etc). Conseguem-no em termos técnicos, falham em termos anímicos. São síncopes que não lhes saltam de forma natural no coração. Márta Sebestyen vem do céu da Hungria para interpretar as baladas, procurando levar consigo, para o alto os seus compenetrados companheiros. Seduzidos pelos ventos de Leste, participam ainda os “virtuoses” Mairtin O’Connor, no acordeão, e Michael O’Súilleabháin no piano. (7)

LA CIAPA RUSA
Betanavola
Robi Droli, import. Etnia



Quinto álbum da discografia da banda de Piemonte e quinta obra-prima. Maurizio Martinotti, Beppe Greppi e os novos elementos – Devis Longo, Patrick Novara e Bruno Raiteri – voltam a construir um monumento ao folclore piemontês. Donatta Pinti, que faltou ao recente concerto do grupo no Porto por causa dos gatos, imprime à música, com a sua voz característica, uma nota de intimismo nas baladas, que alternam com o tom mais ensolarado dos instrumentais. Os Ciapa Rusa percorrem todo o espectro que vai da música antiga à ligeireza das “monferrini” da região. A sanfona electroacústica de Martonotti, simbolizando a aliança perfeita entre as margens do tempo, lidera uma lista de instrumentos e uma diversidade de registos que parecem não ter fim. Perfeito. (10)

ELENA LEDDA & SUONOFFICINA
Sonos
Biber, import. Etnia



Pela Sardenha passaram as culturas e civilizações fenícia, cartaginesa, romana, bizantina e árabe, entre outras. Mais tarde fez-se sentir aí a influência espanhola e de regiões como a Sabóia ou o Piemonte. Na actualidade, o império americano, das centrais nucleares e do turismo, tomou o seu lugar. Na música de Elena Ledda há revolta, lirismo e dramatismo. Como no flamaneco, nos “blues” ou no canto vocal corso. “Sonos”, sobre uma textura cristalina de guitarras e percussões, recupera a linhagem nobre dos instrumentos de sopro na Sardenha, das ancestrais “launeddas” (cuja sonoridade oscila entre o clarinete e a gaita-de-foles) ao saxofone actual. Vozes antigas e contemporâneas, numa odisseia contra a dominação estética alheia em que a assimilação das diversas músicas do Mediterrâneo pode funcionar como uma estratégia de sobrevivência. Só a voz de Elena, xamânica, lunar, é toda ela uma revolução. (9)

THE HOUSE BAND
Stonetown
Harbourtown, import. Etnia



São escoceses, o que não quer dizer que sejam avaros nas músicas que tocam. Para além da Escócia e da vizinha Irlanda, os House Band interpretam, com o mesmo à-vontade, temas tradicionais da Dinamarca, Noruega, Bretanha, Bélgica e Bulgária, ao lado de uma canção de Elvis Costello, outra de Archie Fisher e originais de Ged Foley, vocalista e tocador de gaita-de-foles de Northhumbrian e antigo membro dos Battlefield Band. Os House Band passam pelas várias tradições europeias sem se comprometerem com um estilo ou região particulares, à semelhança de uns Ad Vielle Que Pourra, com quem partilham, de resto, um certo tipo de sonoridade nas combinações gaita / acordeão / bombarda. (9)

IVO PAPASOV & HIS ORCHESTRA
Balkanology
Hannibal, import. Mundo da Canção e MVM



Quem viu Ipo Papasov tocar na televisão, numa emissão recente da Música no Dois, deve ter ficado sem respiração. O búlgaro toca clarinete como um diabo. Diz-se que a mãe de Ivo lhe cortou à nascença o cordão umbilical com a palheta de uma zurna. Nas festas de casamento de aldeia, para onde é muitas vezes solicitado, é costume a banda tocar toda a tarde e toda a noite, provocando a loucura colectiva. Ivo Papasov é o John Zorn da folk dos balcãs. E “Balkanology” um vento de demência: ragtime, baladas ciganas, improvisações “free”, danças búlgaras (horo, ruchenitsi, Kopanitsa…) e turcas em ritmo de “reggae”, de rock, de swing, seja o que for, em velocidade desenfreada. Três temas chegam para a voz impressionate de “tremolo” e modulações, de Maria Karafezieva falar com Deus. (9)

MUXICAS
Escoitando Medra-la Herba
Edigal, import. Etnia



Galegos até à medula, os Muxicas são um dos poucos grupos da sua região a resistir à electricidade e à “irlandização” que parece afectar actualmente grande parte doss seus conterrâneos. “Escoitando Medra-la Herba” permanece ancorado ao compo e aos seus rituais, às “muineiras” e ao cancioneiro medieval. Percussões, muitas, gaitas e sanfonas, marcam a pulsação do sangue e da terra. Uma criança conta uma história de gnomos e de uma pulga que sorri. Uma caix-de-música faz parar o tempo, enquanto um “boneco de palla” com coração escuta a voz do senhor dos ventos. Os Muxicas são populares sem serem popularuchos. Estão nos antípodas dos Milladoir e sintonizados com os Obradoiro, a quem dedicam uma canção. “Para os que gostam de escoitar o silêncio. Sem presas, sem pausas”. (8)

THE TANNAHILL WEAVERS
Cullen Bay
Green Linnet, distri. Megamúsica



Os Tannahill Weavers são um grupo emblemático da folk escocesa, conhecido em Portugal através dos álbuns anteriores “Dancing Feet” e “Land of Light”, que voltam a estar disponíveis nos escaparates. “Cullen Bay” apresenta a música tradicional da Escócia em toda a sua integridade. Excelentes as harmonias vocais e o virtuosismo dos executantes, com destaque para Iain MacInnes, nas “highland pipes”. “Cullen Bay” sintetiza o lirismo do canto gaélico, o ritmo marcial das tradicionais “pipe bands” e uma enorme fluência instrumental. Uma das canções fala de um homem que se apaixona (literalmente) por uma ilha. Não se veja aí nenhuma perversão. “Um escocês pervertido” – dizem os Weavers – “é uma coisa completamente diferente: um homem que prefere as mulheres ao whisky”. (8)

VASMALON
Vasmalon II
RG Music, import. Etnia



Na Hungria existe uma tradição de bons agrupamentos folk: Muzsikas, de Márta Sebestyen, Kolinda ou, menos conhecidos, Zsarátnok e Sebo Ensemble, citando apenas os que tiveram direito a importação nacional. Servindo-se de elementos comuns – a música cigana, as danças típicas, a música religiosa, sagrada ou profana, as baladas de amor e de trabalho – os Vasmalon diferem daqueles por um desejo incontrolável de transgressão. Heterodoxia que os leva às proximidades do jazz, à improvisação, à utilização do estilo vocal mongol (emissão simultânea de dois sons) ou, no tema final, um “blues” à boa maneira magiar, à paródia. Fora de série são a voz de Eva Molnár, uma potencial rival de Márta Sebestyen, e os fraseados de cristal de Kálmun Balogh, no “cimbalon”, espécie de saltério gigante. (9)

Mari Boine Persen – “Concerto De Mari Boine Persen, Domingo, Em Lisboa – A Lapónia Não É Uma Parvónia”

Cultura >> Quarta-Feira, 10.06.1992


Concerto De Mari Boine Persen, Domingo, Em Lisboa
A Lapónia Não É Uma Parvónia

Os apreciadores de folk deveriam ficar de vigília e em jejum até ao próximo domingo, dia em que Mari Boine Persen actua em Lisboa. Em Belém, às 21h00, no relvado em frente dos Jerónimos e dos pastéis. Num concerto “Pela Terra e pela gente” com mais nomes mas em que ela é a estrela principal – a estrela de Belém. Como preparação espiritual, é o mínimo que se pode exigir.



Mari Boine Persen é a representante de uma cultura estranha que traz como credenciais uma voz fabulosa (o jornal londrino “The Guardian” chamou à cantora a “Piaf do Norte”) e uma música diferente de todas as outras. Vem cantar a Portugal no concerto “Pela Terra e pela gente”, a convite da Etnia, em colaboração com a Oikos, uma organização não governamental com um projecto de educação para o desenvolvimento em várias regiões europeias.
Quem já ouviu o seu álbum “Gula Gula”, gravado para a Real World, sabe o que o espera e nesta altura o mais provável é já estar a caminho de Belém, gemendo de ansiedade e expectativa. Ainda por cima o espectáculo é gratuito. De referir que Mari Boine Persen, para além do concerto lisboeta, actuará noutras quatro cidades, em mais uma ronda dos Circuitos da Tradição Europeia. No Porto, dia 13, no Cais da Estiva (à Ribeira), em Guimarães, dia 15, no Paço dos Duques, na Guarda, dia 16, na Alameda de S. André e em Viana do Castelo, dia 17, no Teatro Sá de Miranda. Todos os espectáculos com início às 21h30.
Além dos aspectos musicais propriamente ditos, que por si só justificam todos os louvores, a obra da cantora reveste-se de um significado político. Mari Boine Persen vem registada no bilhete de identidade como cidadã norueguesa o que, para ela, deve querer dizer pouco. A Lapónia existe, não é uma parvónia, foi lá que Mari nasceu e por esse motivo tem de lutar contra a segregação a que geralmente são votadas as minorias. Mari é norueguesa da mesma maneira que um galego é espanhol, o que desde logo dá origem a confusões. O povo lapão suportou, na sua história recente, a opressão dos mais fortes. Os fortes – neste caso noruegueses de cabelos louros, olhos azuis e corações de gelo – procederam como procedem sempre que se lhes deparam casos de rebeldia e a vontade de afirmação de uma identidade cultural autónoma: oprimiram primeiro, como forma de desgaste, e assimilaram depois, como se a diferença não passasse de uma ilusão ou de um capricho de indígenas pouco civilizados. A única canção que Mari Boine canta em norueguês tem por título “Receita para criar uma raça superior”…
Na música de Mari Boine Persen afirma-se a identidade de um povo e a vitalidade da tradição “Sami”. A língua utilizada é o lapão. Os ritmos assentam nas pulsações ancestrais. Quando Mari canta, sentimo-nos todos lapões e apetece cortar relações com os noruegueses (com as norueguesas, não). Mas esta firmeza e este enraizamento na tradição não implicam a recusa dos tempos actuais. Provam-no a presença da electrónica, em “Gula Gula”, ou o anunciado projecto de um novo disco, com edição prevista para o Outono, de parceria com o seu compatriota Jan Garbarek, sucedendo deste modo a Agnes Buen Garnas, na lista das cantoras “norueguesas” a quem o saxofonista emprestou o seu talento de arranjador.
Acompanham Mari Boine Persen, no concerto de Belém, Roger Ludvigasen (guitarras e percussão), Gjermund Silset (baixo), Carlos Zamata Quispe (flautas e charango) e Helge Nordbakken (percussões).
Dos Andes, das grandes altitudes onde voa o condor, sopram as flautas de Pã e os chapéus são arrancados das cabeças pelo vento, chegam os Caliche, com a sua música de inspiração pré-colombiana e as suas típicas mantas de lã às riscas. Não será bem assim mas não deixa de ser poético. Por acaso o nome da banda até é inspirado nas minas de nitrato das montanhas do Norte do Chile. Música do interior da montanha e não tanto dos seus cumes – o primeiro álbum dos Caliche tem por título “Deep from the Earth” e faz lembrar os sete anões da Branca de Neve. Gravaram outros: “Winds from the South” e “Dance of the Llamas”. Na sua terra natal, alinham na “Alerce”, editora chilena em cujo catálogo figuram os nomes míticos de Victor Jara, Quilapayun, Inti-Illimani e Violeta Parra.

Uma Fruição Não PREC

Em 1974, a rádio portuguesa não passava outra coisa. Um enjoo. Passados todos estes anos de merecido descanso, a distanciação já permite fruir sem preconceitos – uma fruição não PREC – estas sonoridades com sabor a vento e terra.
Seckou e Ramata representam o continente africano. O primeiro é oriundo da Gâmbia, descendente de um clã de feiticeiros (“gritos”). A Gâmbia fica situada entre o Oceano Atlântico e o Senegal, entre as regiões desérticas do Norte e a selva tropical, a Sul. Terra de uma cultura que permaneceu inviolável, das tribos dos mandingos e do “kora”, instrumento musical popularizado no Ocidente por Mory Kanté ou Foday Musa Suso. Mistério e melopeias encantatórias, cerne da tradição oral deste país, são transportados na voz de Diely Seckou, cantor de casamentos, baptismos e outras cerimónias de inicação. Seckou traz consigo a sua mulher Ramata Kouyaté, maliniana, cantora, também ela herdeira da tradição dos feiticeiros e portadora do segredo negro, cuja decifração passa pela atenção constante aos “menores estrmecimentos do coração” africano. O duo será acompanhado por Lansine Kouyate (balafone), Ali Wage (flauta vocal) e Djeli Moussa Cissoko (percussões).
Portugal faz-se representar pelos Toque de Caixa que até agora têm andado um pouco na sombra dos Vai de Roda, em particular por António Tentúgal ter sido, há anos, o seu director musical. São sete, tocam uma quantidade de instrumentos – das guitarras, percussões e teclados ao violino, concertina e gaita-de-foles – e defendem que “para se saber o caminho em frente é bom não esquecer o caminho que está para trás, o caminho de regresso”.

Caixa
Ad Vielle Que Pourra E Ex-Planxty

OS TERCEIROS Encontros da Tradição Europeia já têm o programa deste ano. À semelhança das duas primeiras edições, a Etnia não brinca e traz a Portugal os melhores. Este ano, então, é caso para dizer que por nada deste mundo se poderá perder a música que aí vem. Atente-se nos nomes: Lyam O’ Flynn em duo com Donnal Lunny. O primeiro, um dos maiores tocadores de gaita-de-foles da Irlanda, o segundo, mestre dos instrumentos de corda dedilhada. Ex-membros dos Planxty (Lunny também passou pelos Bothy Band), trazem consigo a Portugal “amigos” por enquanto incógnitos, mas que devem ser do mesmo quilate. Da Escócia, os Capercaillie, cujo álbum recente, “Delerium”, foi incensado nas páginas da “Folk Roots”. Elena Ledda & Suonoficina e o grupo Vasmalon representam respectivamente a Sardenha e a Hungria.
Regressam a Portugal os espanhóis La Musgana, que há dois anos rubricaram uma actuação memorável, no castelo de Palmela. O seu álbum “El Paso de La Estantigua” deve andar esquecido por uma ou outra discoteca. Finalmente (prenda-se a respiração), do Canadá, os Ad Vielle Que Pourra, uma das maiores formações Folk da actualidade que, nos “Encontros”, decerto confirmará a expectativa criada pelos álbuns “New French Folk Music” e “Come What May”, ambos disponíveis no mercado nacional, via importação. Está ainda prevista a inclusão no programa de dois grupos portugueses, a definir, ou, em alternativa, um grupo estrangeiro, da Bretanha ou da Grécia.