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Vários – “É Preciso Violentar O Sistema” (artigo de opinião | blitz | valores selados)

BLITZ 20 FEVEREIRO 1990 >> Valores Selados

O universo do Rock tem as suas mitologias bem demarcadas. Ao longo de quase 40 anos a indústria soube sempre absorver as inovações e a rebeldia pretensamente típicas do género, retendo apenas a sua imagem superficial, integrando-a e faturando à sua conta. Em Portugal somos mais aconchegados. Poucos arriscam sair dos círculos de amigalhaços. Rocker português sofre? Felizmente ainda há quem vá fazendo por isso…


«É PRECISO VIOLENTAR O SISTEMA»

A galeria de mitos fabricada pelo business, desde Presley até Ian Curtis dos Joy Division, passando por Hendrix, Jim Morrison ou Janis Joplin, tem como características comuns a morte e o excesso. O herói rocker é inseparável da sua condição de mártir. A fama, o dinheiro e o sucesso tornam-se demasiado pesados para serem suportados. O ego das estrelas é sempre extremamente frágil e complexo. No fundo são pessoas como nós só que mais sensíveis e vulneráveis.
Vão-se abaixo facilmente, afundados em terríveis dilemas existenciais. O seu estatuto de stars torna-se penoso. O sucesso é insuportável, a sua ausência também. O medo do palco transforma-se, com a experiência dos anos, em pânico. O talento passa a funcionar unicamente ao toque do álcool e das drogas.
A imagem pública sobrepõe-se à verdadeira personalidade. Tudo é agonia e sofrimento.
A indústria sofre em silêncio com a dor dos seus meninos de ouro e também em comovido silêncio vai fornecendo a farmacologia necessária e esfregando as mãos de contentamento. É um ciclo vicioso que desemboca na morte ou no abandono.
No nosso país de pequeninos são poucos os músicos que alcançaram o estatuto de mitos/mártires incompreendidos. O guitarrista Filipe Mendes, o Jimi Hendrix português, e mais recentemente António Variações são os dois únicos exemplos conhecidos. O primeiro nunca alcançou a merecida glória, o segundo passou de quase desprezado em vida para referência obrigatória para a nova geração de rockers, depois de morto. É triste, mas a coisa funciona mesmo assim.
Os nossos músicos não se arriscam muito. Morrer sim, talvez, mas muito devagarinho e de preferência só depois dos 90. Em vez de se afogarem em quantidades inimagináveis de substâncias proibidas caminhando rapidamente para a autodestruição, preferem ser empregados de escritório, bancários ou técnicos e computadores.
A máxima punk de que se é velho aos vinte anos não lhes diz nada. Em vez de se divertirem à grande em orgias com groupies apetitosas, casam e constituem família. Em vez de provocarem distúrbios na rua ou nos hotéis, serem presos por posse de droga ou destruírem em palco material do mais caro, preferem trabalhar e ser úteis à sociedade. Então essa rebeldia e espírito de transgressão? Que é feito da insolência e da provocação gratuita? Ou será que os nossos rockers são todos quarentões de barriguinha e bem instalados na vida?
Aos fins-de-semana, os nossos músicos rock tiram a máscara de cidadãos normais e cumpridores e trocam-na pela de estrelas do rock and roll. Mas porquê só aos fins-de-semana? Todos sabemos que o País fervilha de salas e de gente ávidas do bom velho compasso de 4/4. Não precisavam de se esconder por detrás de balcões de banco ou de escritório. Ou será que os nossos jovens rebeldes encontraram novas e mais subtis formas de subversão e contestação social? À fúria das guitarras elétricas, das calças justas e das letras intervencionistas, estilo «é preciso violentar o sistema», terão achado mais eficaz o desvio voluntário de um processo lançado nos labirintos de um arquivo ou a introdução de um vírus no computador? Não há dúvida que os tempos são outros?
Não se conhecem muitos casos apaixonantes ocorridos com músicos portugueses. Há o Jorge Palma que tocava no Metro, o António Manuel Ribeiro que levou com a casca de noz no olho e se casou, ou uma ou outra queda do palco. É pouco. A maior parte da vida do músico é passada a protestar: contra a falta de condições e de organização dos espetáculos ao vivo, o preço dos instrumentos musicais, a falta de um lugar para ensaiar sem incomodar os ouvidos dos vizinhos, a ausência de salas e de interesse das editoras. Uma vida de cão.
Os nossos músicos de rock dividem-se em três grupos distintos: o primeiro é o dos consagrados que subiram a pulso a escada do sucesso. É o caso dos UHF, GNR, Heróis do Mar ou dos Xutos e Pontapés. Ao fim de 10 anos de esforços e cedências conseguiram obter discos de prata e ouro, com vendas astronómicas na casa dos dois e três mil exemplares. Vão à televisão e enchem os arraiais de província. Ao fim de mais 10 anos arriscam o Coliseu. E ao fim de outros 10 começam a considerar a hipótese de abandonar os empregos seguros. Passam a vida à procura de projeção no estrangeiro e a afirmarem que «desta vez é que é», «o empresário interessa-se mesmo pela nossa música» e «estão reunidas as condições necessárias». O melhor que conseguem é ir tocar a Espanha, vá lá, com sorte, a França, perante emigrantes. No regresso contam que a Europa os adorou.
O segundo grupo é o dos desgraçados tesos, sem dinheiro sequer para comprarem os instrumentos. Procuram furar a todo o custo mas raramente o conseguem. Afirmam-se todos independentes e marginais mas à primeira oportunidade assinam por uma multinacional. A maioria não chega a gravar qualquer disco e mesmo esse vende-se pouco. Incluem-se neste grupo os incontáveis concorrentes aos concursos do Rock Rendez-Vous ou a massa amorfa das bandas de bailarico. Não cito nomes para não desmoralizar. Além de que a vida não é só música.
Por fim há os queridos da crítica, uns realmente bons outros nem tanto, que ou por terem verdadeiro talento ou boas amizades nos meios certos adquirem uma aura de prestígio e qualidade. Têm mais fama que proveito. É o caso dos realmente talentosos Mler Ife Dada, Sétima Legião, Madredeus, ou Nuno Canavarro, entre outros apenas preocupados com a qualidade da música que praticam. Tocam poucas vezes ao vivo mas não se ralam muito. Gravam bons discos mas as massas persistem em ignorá-los. São teimosos e ingénuos e pensam que a qualidade, a sinceridade e a honestidade de processos bastam para a obtenção de sucesso. Não bastam. Mas ainda bem que persistem na sua ingenuidade e teimosia.
O melhor do «rock português» não é rock. Às vezes é português…

King Crimson – “Na Corte Do Rei Carmesim” (valores selados | blitz | artigo de opinião | dossier)

BLITZ 2 JANEIRO 1990 >> Valores Selados


KING CRIMSON

NA CORTE DO REI CARMESIM



Ainda se cantavam a paz e o amor nos finais da década marcada pela geração hippie quando Robert Fripp e os seus pares entraram a matar, anunciando de forma violenta o advento do homem esquizóide do século XXI. Era de mais para a época. Os King Crimson ficavam definitivamente marcados com o estigma de grupo maldito. Fripp nunca se importou muito com isso. A sua guerra era outra.

Muito se escreveu e historiou já acerca desta banda, uma das mais marcantes e decisivas na definição das novas estéticas da década agora prestes a findar. Será pois talvez mais interessante procurar levantar um pouco o véu que cobre algumas das ocultas intenções do seu líder e mentor espiritual, Robert Fripp.
Logo no primeiro álbum eram já visíveis alguns indícios das principais preocupações e motivações do guitarrista e compositor do grupo. O rosto e o sinal da personagem desenhada na capa, os títulos sintomáticos de algumas das canções (entre as quais a já citada «21st Century Schizoid Man» e a que dava o nome ao disco: «In the court of the Crimson King») e as tonalidades majestosas e sombrias da música apontavam inequivocamente para uma personagem que era nem mais nem menos que o próprio diabo, padrinho e mestre de Fripp.



Peter Sinfield, letrista e encarregado de todo o aspeto gráfico e visual da banda, era o pólo oposto à negritude diabólica daquele. A tensão entre estas duas polaridades resultaria nalguns trabalhos fabulosos que viriam a constituir a fase inicial da banda. Depois do álbum de estreia, «In the Wake of Poseidon» e o deslumbrante «Lizard» (ambos de 70) marcam o apogeu desta fase de contornos classizantes e sinfónicos. No primeiro as tendências mefistofélicas do guitarrista, bem expressas em temas como «Pictures of a City» ou «The Devil’s Triangle», são contrabalançadas pelos dois poemas que abrem e fecham o disco, «Peace-A Beginning» e «Peace-An Ending», da autoria de Peter Sinfield.
Mas seria com «Lizard» que os King Crimson atingiriam o ponto culminante da sua arte. A imprensa britânica, deslumbrada, comparava-os com os grandes autores da música clássica. O Rock (seria?) alcançava, com os Crimson e outras bandas importantes da então designada «Música Progressiva», o estatuto e as honras da maioridade e paridade em relação aos seus vizinhos eruditos.



«Lizard» é também o álbum mais «branco» de toda a sua discografia. Por uma vez o diabo ficava fora da jogada. Memorável o combate travado entre a guitarra demoníaca de Fripp e a voz celestial de Jon Anderson, convidado especial no tema épico que ocupa a totalidade do segundo lado. Do outro, a entrada grandiosa do Mellotron e do sax de Mel Collins (mais tarde nos Camel) em «Circus», as perturbantes sonoridades e alusões ao free-jazz de «Indoor Games», a subtil paródia aos Beatles em «Happy Family» e a balada de tons medievais que é «Lady of the Dancing Water». Produção impecável, arranjos esplendorosos e executantes excecionais (que incluem como convidado o pianista de jazz, Keith Tippett) dão a esta obra o cunho da perfeição.
Em «Islands» (71) Fripp ultrapassa os limites, tornando-se como compositor de música clássica «a sério». O tom geral torna-se demasiado óbvio, com a inclusão da soprana de Ópera, Paulina Lucas e um prelúdio instrumental de música de câmara com Fripp tocando órgão de pedais.
«Earthbound», gravado ao vivo nos E.U.A., sofre de um som péssimo mas tem a vantagem de nos dar a perceber toda a energia que a banda desenvolvia em palco, com a guitarra de Fripp arrasando tudo e todos em torrentes elétricas demenciais. A nova versão de «21st Century Schizoid Man» causa arrepios.
Os King Crimson fecham entretanto para balanço. Fripp viria a ressurgir alguns anos mais tarde, orientando definitivamente a sua música segundo as diretivas do senhor das trevas. «Larks’ Tongues in Apic» (73), «Starless and Bible Black» (74) e «Red» (74) constituem a fase mais negra da banda. Entram e saem constantemente novos músicos, incapazes de suportarem a tensão acumulada e a tremenda energia exigida nas prestações ao vivo. Apenas Fripp se mantém inexorável, cumprindo escrupulosamente as ordens do chefe. «Red» tem momentos quase insustentáveis, com a guitarra elétrica e a secção rítmica formada pelo baixo de John Wetton e a bateria de Bill Bruford sem darem um minuto de descanso, numa espécie de Heavy-Metal mais sofisticado. Com «Red» os King Crimson atingem novo ponto crítico e novamente é dado o toque a dispersar, não sem entes editarem mais um disco gravado ao vivo nos E.U.A., intitulado obviamente «U.S.A.».
Fripp confessa-se então à beira da loucura e retira-se para um mosteiro para receber os ensinamentos de J.G. Bennett, discípulo de Gurdjieff, cujas doutrinas esotéricas eram o suporte teórico ideal para os seus futuros projetos musicais.
Práticas mágicas e rituais, exercícios de auto-disciplina e a aprendizagem de novas técnicas (de guitarra e não só…) impelem o músico para uma atitude agora declaradamente luciferina. Domínio da dor, o sofrimento como forma de ascese ou a utilização fria e sistemática da inteligência em detrimento das emoções conduzirão a partir de agora toda a sua vida e obra.
O modo como Fripp toca a sua guitarra é exemplar desta nova atitude. A energia é agora perfeitamente canalizada e contida, jamais explodindo em clímaxes libertadores. Exercício tântrico. Toda a energia, sexual ou emocional, é contida e dirigida para os centros mentais superiores. Como consequência, o aumento de poder e de uma certa forma de lucidez e o crescente controlo que o músico vai progressivamente adquirindo, sobre si próprio e (mais subliminarmente) sobre os outros.
Grava entretanto, juntamente com Brian Eno, os álbuns «No Pussyfootin’» (74) e «Evening Star» (75), utilizando pela primeira vez a técnica das «Frippertronics». «Evening Star» é, ainda hoje, para quem o souber escutar e perceber, dos álbuns mais terríveis e diabólicos que alguma vez foram gravados. «Index of Metals» desvela-nos implacavelmente a beleza gelada do mais terrível dos Infernos, os da inteligência que se auto-devora nos labirintos do seu próprio orgulho e desmesura. Fripp foi ainda um dos precursores das técnicas de inversão.
Não quero para já adiantar mais sobre este assunto. A eletricidade e a música sempre foram bons condutores para a passagem de energia, seja ela positiva ou negativa. Magia, pois claro, neste caso melhor dizendo escuro, pois que de magia negra se trata. O trivial, nos tempos que correm, em algumas das correntes da música atual. Quanto ao resultado final de tudo isto só Deus o decidirá.
A trilogia final dos King Crimson, novamente reciclados para os anos oitenta, é constituída por mais três álbuns: «Discipline» (81), «Beat» (82) e «Three of a Perfect Pair» (84). Fripp é ultrapassado pela rapidez dos acontecimentos e pelos seus discípulos, nas artes diabólicas. Os citados álbuns são «apenas» bons, reunindo como sempre excelentes executantes, como Tony Levin ou Adrian Belew.
Hoje é um pacato cidadão casado com a senhora Toyah Wilcox e dá aulas regularmente na sua Winbourne natal.
Uma referência final para os álbuns a solo, excetuando o primeiro, «Exposure», exercícios de estilo de «Frippertronics» apoiados em manifestos teóricos de tom apocalíptico e profético. Duas vozes dão vida e entusiasmo aos dois primeiros trabalhos: as de Peter Hammill em «Exposure» e de David Byrne em «God Save the Queen/Under Heavy Manners». Dos restantes que venha o diabo e escolha…

Magma – “A Música Do Fogo” (valores selados | dossier | artigo de opinião | blitz)

BLITZ 10 OUTUBRO 1989 >> Valores Selados


MAGMA
A MÚSICA DO FOGO


A história da música popular contemporânea está repleta de mitos. Uns para sempre irradiando glória do alto dos seus pedestais, erigidos pelas multidões. É o panteão oficial dos consagrados. Depois há os outros, tão ou mais importantes do que aqueles; os malditos, sempre incompreendidos, sempre mais à frente dos restantes. As massas passam ao seu lado sem os verem, excetuando uma minoria mais atenta que sabe distinguir a marca dos eleitos. Dos deuses, não dos humanos.
Os Magma pertencem a esta categoria. São obscuros e grandiosos. Christian Vander, o seu líder e mentor espiritual de sempre, é das figuras mais importantes e enigmáticas que têm atravessado o universo musical do nosso século. Génio para uns, louco para outros, é talvez ambas as coisas. A sua obra ergue-se num monumento definitivo – Construção musical e ideológica perfeitamente homogénea e coerente. A música de Vander é UNA e UMA. História intemporal com vários capítulos correspondentes a outros tantos discos. História da Luz e das Trevas. Da guerra e da serenidade. De todas as lutas e contradições. Se há uma música que reflete na perfeição esta dialética entre pares de opostos temáticos, estéticos e ideológicos, ela é a dos Magma. E a prova de que a Utopia é possível.


DOS DEUSES E DOS HOMENS

Mas comecemos pelo princípio. Christian Vander é francês e Kabaiano. Confusos? Eu explico. Para Vander as linguagens convencionais não chegam. A sua única linguagem é a da desmesura, do heroísmo exacerbado, da demanda do Absoluto. Assim, inventou um mundo, um universo, com a sua língua própria, a sua história, os seus ódios e amores. O mundo de Kobaia, em cuja língua (inventada por Vander) são cantados todos os discos dos Magma. Vander chegou mesmo a pensar escrever um dicionário Francês-Kobaiano. Não sei se o chegou a fazer.
E os discos, estarão à altura da personagem? Absolutamente. Poderemos compreendê-los melhor se conhecermos os seus heróis. São eles Nietzsche, Wagner, Hammill e Coltrane. Aos dois primeiros deve as concepções totalitárias e o paganismo presentes em toda a sua obra. De Nietzsche em particular as suas teorias sobre o super-homem. De Wagner retém as suas noções operáticas. De Hammill e Coltrane o lirismo apaixonante e a dimensão visionária. Tudo isto junto valeu-lhe o apelido de fascista. O símbolo que escolheu para os Magma e sobretudo para a capa do seu primeiro álbum, também não ajudaram. O símbolo representava uma espécie de garra, a mesma que na capa esmaga uma multidão em pânico. No interior, um desenho dos membros do grupo fazendo estranhas saudações a um sol negro.

O UNIVERSO DE KOBAIA

«Magma» de 1970 é também o título deste 1.º álbum, um duplo magistral, obra ímpar da década que então se iniciava. Sons operáticos, jazz-rock sem concessões e ritmos militaristas aliam-se a uma energia inesgotável. Num dos temas, Vander discursa à maneira de Hitler, num dia de maior histeria. A temática do álbum refere-se à odisseia do povo de Kobaia, o planeta da Beleza, Bondade e Sabedoria, ameaçado por mil perigos. «Thaud Zaia», «Aurae» ou «Sckxyss» são nomes belos e estranhos para uma música ainda mais bela e totalmente fora do vulgar. Acompanham Vander, nesta aventura, alguns excelentes músicos, com destaque para o pianista François Cahen, o saxofonista Teddy Lasry, o baixista Francis Moze e o vocalista Klaus Blasquiz. Em 1971 é editado o álbum seguinte, «1001.º centigrades» – temperatura a que o magma vulcânico sai do interior da Terra. Vulcânico é também «Riah Sahiltaahk», tema que ocupa todo o lado A, réplica de Vander ao fabuloso «A Plague of Lighthouse Keepers», composto por Peter Hammill para a obra-prima «Pawn Hearts», dos Van Der Graaf Generator, editada nesse mesmo ano. Onde nos Van Der Graaf a energia é inerente e subjugada pela palavra poética de Hammill, nos Magma é o vulcão em plena atividade. Juntaram-se ao coletivo mais um saxofonista, Jeff Seffer e um trompetista. Os metais sempre foram, de resto, fundamentais na estrutura sonora do grupo, constituindo-se como um dos principais destacamentos do exército comandado por Vander.

OS COMANDOS DA DESTRUIÇÃO


Em 73 é editado «Mekanik Destruktiw Kommandoh», o álbum mais conhecido do grupo, primeiro editado em Inglaterra, com o selo A&M. É o 3.º movimento da trilogia «Theusz Hamtaahk» – o julgamento da humanidade, culpada dos crimes de crueldade, desonestidade, inutilidade e falta de humanidade, segundo a palavra do profeta Nebehr Gudahtt, inspirado pelo espírito do Universo. Vem-nos à lembrança «Dune», obra aliás cuja versão cinematográfica realizada por David Lynch esteve para ser musicada por Vander. O álbum assinala a entrada no grupo da sua mulher Stella, com a sua voz soprano de diva alucinada. Stella é a estrela deste disco. Sozinha ou acompanhada, em longas invocações culminando numa histeria coletiva. Imaginem Diamanda Galás integrada num coro, invocando estranhos deuses. É mais ou menos isso. A grande falha do disco está num defeito das gravações originais, problema que Vander, na altura, se viu impossibilitado de solucionar. A secção rítmica formada pelo baixo e bateria é, em algumas partes, praticamente inaudível. Convém aqui esclarecer que Christian Vander, além de grande compositor é um fenomenal baterista, aliando uma técnica perfeita a uma energia quase desumana.


MUNDOS VULCÂNICOS

«Kohntarkosz» de 1974 é a continuação, mais instrumental, de «Mekanik». É também o titulo da composição-chave, meia-hora orgiástica, com todos os instrumentos contribuindo para a criação de um clima grandioso e angustiante. A música e intensidade opressiva ergue-se a alturas talvez só atingidas novamente por Hammill em «In Camera», na sequência «Gog/Magog». Jannick Top entrara entretanto para os Magma e seria o único a aguentar até ao fim a pedalada de Vander. As sonoridades convulsivas do seu baixo e violoncelo e a entusiástica adesão às ideias do mestre tornaram de imediato Top numa peça fundamental para a música do grupo. Por esta altura Top e Vander formavam a Uniweria Zekt, associação global, aglutinadora de todos os pressupostos estéticos e ideológicos do universo construído pelo músico francês. O álbum incluía ainda «Ork Alarm», da autoria de Top, descrevendo o combate entre os povos de Kobaia e Ork, o planeta cujos habitantes estavam para as máquinas como estas estão para os humanos. O tema é literalmente arrasador. O álbum termina com «Coltrane Sundia», pungente homenagem de Vander a um dos seus mestres espirituais.
É editado entretanto o duplo ao vivo «Magma Live», demonstração exemplar da energia libertada pelo grupo nas suas prestações em palco, em atuações que chegavam a durar perto de oito horas.
1976 vê surgir «Udu Wudu». O 1.º lado é totalmente ocupado pela suite «De Futura» com os Magma reduzidos ao trio Vander/Top/Blasquiz. É um tour de force rítmico, em contínuo crescendo. 18 minutos de lava sonora a transbordar culminando num êxtase absolutamente indescritível. Neste disco eram utilizados pela 1.ª vez os sintetizadores. A eletrónica predominava já no álbum seguinte «Attahk» que nada adiantava em relação a obras anteriores.

O CREPÚSCULO DO HERÓI

A partir daqui Vander perde-se em misticismos insondáveis. «Merci» e «Offering» apontam decididamente para direções mais jazzísticas e contemplativas. Vander trocava progressivamente a bateria pelo piano, dando especial ênfase ao trabalho de orquestração. Gravou ainda três álbuns a solo: «Tristan et Iseult», ainda no tempo áureo dos Magma, «Fiesta in Drums» e o recente «To Love», autêntica anedota, com o antigo baterista cantando esganiçadamente baladas de uma espiritualidade balofa, acompanhadas ao piano. O resultado é, no mínimo, confrangedor.
Ficam um passado glorioso e as fundações de uma escola que não tem parado de formar novos discípulos, dos quais os mais brilhantes são hoje os franceses Art Zoyd e os belgas Univers Zero.
Para a semana ficaremos na Alemanha, com os Faust.