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Jan Garbarek & Ustad Fateh Ali Kahn – “Ragas & Sagas”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 25.11.1992


JAN GARBAREK & USTAD FATEH ALI KAHN
Ragas & Sagas
CD ECM, distri. Dargil



O capítulo mais recente na demanda de Jan Garbarek de uma linguagem universal, “Ragas & Sagas” desvenda algumas pistas da viagem. Neste compositor e saxofonista norueguês, o rótulo “world music” reveste-se de um significado muito particular. Garbarek procura, sem dúvida, sínteses e pontes entre Ocidente e Oriente. Mas mais importante do que a junção e a proximidade são o diálogo, a relação, a descoberta de jogos possíveis. Em “Rosensfole” (abordagem à música antiga da Noruega centrada na voz de Agnes Buen Garnas, retomada em menor escala no álbum seguinte, “I Took up the Runes”, desta feita com a colaboração vocal de Marie Boine Persen numa versão de “Gula Gula”) como nests ragas e sagas assinadas de parceria com o cantor paquistanês Ustad Fateh Ali Khan (não confundir com Nusrat Fateh Ali Khan, também cantor., membro da seita “sufi”, de origem árabe, que participou no mostruário “Passion”), o discurso do saxofone permanece singular, resistindo ao apelo da fusão com os universos estéticos sucessivamente convocados para estúdio.
Seja nos dois discos mencionados (a que poderemos acrescentar a inda “Legendo f the Seven Stones”) ou em anteriores colaborações do músico com o compositor grego Eleni Karaindrou, o tunisiano Anouar Brahem ou o indiano Shankar, é imediatamente reconhecível o timbre, uma lógica e um tempo melódicos específicos do seu sopro. Procure-se então nestes exercícios de panculturalismo musical uma outra direcção, detectável a partir da óbvia estimulação mútua entre os participantes em causa. A partir daqui assume especial relevo a questão da referida linguagem universal que Garbarek parece tatear sem contudo ousar por ora a dissolução no todo. Não por acaso, Garbarek estudou latim e grego antigo, passando depois parao árabe e, por fim, o sânscrito, o mais antigo código linguístico, com vestígios escritos, conhecido. Eis-nos chegados ao domínio da palavra – vibração primordial, o Verbo criador de todas as músicas. O ponto de partida foi, em “Rosensfole”, a Noruega, em cuja música Garbarek reconheceu elementos extra-europeus, mais concretamente conexões com a Índia, Balcãs e Ásia Menor. Ele próprio define as ornamentações vocais de Buen Garnas como próximas do estilo turco / árabe. “Ragas and Sagas” surge assim como o passo seguinte e coerente desta deslocação para Oriente. Nele são exploradas técnicas vocais indianas, como o “dhrupad” e o “khyal”, este último oferecendo vastas possibilidades de improvisação, as quais facultam a Garbarek terreno propício à explanação da sua especificidade estilística nos saxofones soprano e tenor. O diálogo destas semi-improvisações decorre sobre um contexto harmónico inconfundivelmente indiano, criado pela tabla e sarangi. Quatro ragas compostas por Ali Khan e uma “saga” escrita pelo norueguês abrem a porta ao imprevisto, jogando alternadamente na semelhança e na diferença. Pelo caminho, Jan Garbarek vai traçando as linhas e edificando os alicerces de um novo mapa e de uma obra ímpar na arte musical deste século. (8)