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Milladoiro – “Milladoiro Em Lisboa, Na Semana Da Galiza – Galicia No País Das Maravilhas” (concerto | antevisão)

Secção Cultura Sábado, 07.12.1991


Milladoiro Em Lisboa, Na Semana Da Galiza
Galicia No País Das Maravilhas



Os Milladoiro, expoentes da música tradicional galega, pelo menos os mais conhecidos e divulgados no estrangeiro, actuam hoje às 21h30 no Teatro Tivoli, em Lisboa, em espectáculo integrado na Semana da Galiza.
Passados sete meses desde que tocaram em Portugal pela última vez, no IV Festival de Música Popular Portuguesa realizado em Maio na Amadora, os Milladoiro persistem num trabalho, sério e despreconceituado, de recolha e transformação dos sons e dos segredos da Galiza. De Catoira, na região de Pontevedra, onde se refugiam ao fim de cada ciclo de viagens, sem perder de vista a música dos caminhos da Irlanda, da Escócia e da Bretanha.
Caminhos entre a terra e o mar, sinalizados por pequenos amontoados de pedras – os “milladoiros” – que, juntamente com as estrelas, servem de guia e de farol aos peregrinos do mito e da catedral que dá acesso ao país das maravilhas.
Para os Milladoiro a realidade galega é uma e una, mas também “algo de universal, convertido num sinal de identidade progressivamente aceite e reconhecido no campo da música popular a nível internacional”. Reivindicam o direito à diferença, “no conjunto das culturas e realidades ibéricas”, de maneira a encontrar um papel e uma voz próprios da Galiza no mundo.
Hoje a Galiza afirma cada vez com mais força, através da música, a sua independência cultural. Mas sem o esforço pioneiro dos Milladoiro (ao lado dos modernos trovadores Amancio Prada e Pablo Quintana), talvez não tivesse sido possível a actual profusão de escolas de “gaitas” espalhadas por todo o território ou de grupos como os Muxicas, Luar na Lubre, Xeito Novo, Xorima, Doa, Arco da Vella e Na Lua, entre outros.
Moncho Garcia, gaiteiro dos Milladoiro recorda os primeiros tempos, quando um amigo analfabeto, de quartel, ao vê-lo pela primeira vez vestido de gaiteiro exclamou “ao que tu chegaste!”. Hoje os Milladoiro são respeitados na Galiza e em toda a parte onde a sua música é conhecida, tendo tocado ao lado dos Chieftains e Alan Stivell, dois dos “monstros sagrados” do género.
Vale a pena escutá-los, ao desafio com os irlandeses, num dos temas de “Celebration”, da banda de Paddy Moloney, ou, melhor ainda, em álbuns da sua própria discografia, como “O Berro Seco”, “Galicia de Maeloc” (recentemente importados pela Mundo da Canção, do Porto), “Galicia no país das maravilhas”, “Milladoiro 3” ou nas ousadias orquestrais de “Castellum Honesti”.
Os Milladoiro deverão apresenta-se em Portugal com a mesma formação com que actuaram em Maio: Xosé Mendez (flautas), Michel Canada (violino), Rodrigo Romani (harpa, ocarina, guitarra), Antón Seoana (teclados, acordeão, guitarra), Xosé Ferreiros (“gaita”, “tin whistle”, bandolim, bouzouki), Nando Casal (“gaita”, clarinete, “tin whistle”) e Moncho Garcia (percussões). É tempo de aprender a dançar a “muinera”.

Nota [Caixa] : Irmandades Da Fala Contra Ferrín
AS IRMANDADES da Fala da Galiza e de Portugal manifestaram ontem a sua repulsa pelas afirmações públicas de J. L. Mendez Ferrín sobre Fernando Pessoa e José Saramago, proferidas durante a Semana da Galiza (ver PÚBLICO de 5 de Dezembro). Para esta congregação, as referências desprestigiantes “resultam de um acto de terrorismo intelectual e são uma fantochada contra dois vultos da cultura portuguesa”. Num texto enviado ao PÚBLICO, as Irmandades da Fala consideram graves as afirmações proferidas por Ferrín, “que ofendem mesmo todo o intelectual lusófono bem-nascido, tanto galego como português”.

Georges Moustaki – “Georges Moustaki Actua Hoje À Noite Em Lisboa – ‘Não Sou Um Militante'”

Secção Cultura Terça-Feira, 26.11.1991


Georges Moustaki Actua Hoje À Noite Em Lisboa
“Não Sou Um Militante”


Passados mais de vinte anos sobre “Le Métèque”, o cantor afastou-se da política, ouve Ravel e afirma não compreender os ventos que sacoem o Leste. Canções antigas, nunca mais. A revolução agora é outra, confessou na conferência de imprensa que deu ontem em Lisboa, antes do espectáculo de hoje, às 21h30, no Teatro Tivoli.



Vagabundo das canções, Georges Moustaki – aliás Joseph Mustacchi -, grego de nascimento mas francês de coração, personifica os ideais de toda uma geração “engagée” que se viu retratada na boémia e libertinagem poética da “chanson française”. Ao lado de grandes vultos como Piaf, Gréco, Montand (“soube da sua morte pela televisão. Senti uma tristeza incontrolável”), Barbara, Brassens, Forestier ou Reggiani, fez frente ao conservadorismo, pugnando pela afirmação de uma música genuinamente francesa.
“La Marche de Sacco et Vanzetti” ou “Il est Trop Tard” são canções que agitaram consciências, provocaram, abalaram convicções. Hoje será talvez “trop tard” para alterar o estado de coisas: “Em França, o Estado preocupa-se mais com a máquina da indústria musical do que com os verdadeiros criadores.” Antes sobrava espaço para os músicos como ele, capazes de lutar contra o “rock ‘n’ rol”, essa “reciclagem da música negra, inventada para provocar a histeria das ‘petites filles’”.

“Ir Ao Encontro De Uma Ideia”

Georges Moustaki fez da vida uma viagem permanente, de encontro com os outros, com novas ideias, com a utopia. O seu novo disco, com edição prevista para o final da próxima Primavera, tem por título “Chansons de Recontre et de Voyage” e conta com a colaboração do compositor Angelo Branduardi.
Para trás ficaram velhos êxitos como “Milord”, “Sarah” e “Ma Liberté” e a vontade de as cantar – uma “fuga em frente para escapar ao peso da idade, da rotina, da carreira…”, embora não saiba “quando começa ou acaba a juventude”.
Entre as recordações de viagem e o apelo do futuro, nesse precário equilíbrio entre a memória e a vontade de avançar, Georges Moustaki recolhe ao porto de abrigo e ao apartamento da Île-St. Louis, em Paris, onde habita há mais de vinte anos, para reflectir sobre tantas peregrinações pelo mundo e pelo interior de si próprio. Lugar onde cabe o desejo de “escutar certos sons, de comer certos frutos, de amar certas mulheres” e de fruir a música de Debussy, Fauré e sobretudo Ravel, cujo Segundo Concerto considera a obra “mais perfeita deste século”, para ouvir “a comer, a dormir ou a fazer amor”.
Amigo de Georges Brassens, Boris Vian, Jorge Amado e Otelo Saraiva de Carvalho, cantou a revolução dos cravos e das mentalidades. Revolução, ontem, como hoje, na ordem do dia. Algo mudou entretanto.
Da política, que antes lhe proporcionava “emoções fortes”, procura afastar-se cada vez mais: “Não sou um militante, nem um especialista da política, apenas gosto de escrever canções de crítica”. Hoje, ser revolucionário é “ir ao encontro de uma ideia” e lutar contra a “rotina, a burocracia e a esclerose” que minaram esse conceito de revolução.
Os recentes acontecimentos do Leste europeu suscitam-lhe uma enorme perplexidade: “não consigo perceber o que aconteceu num país onde sempre prevaleceram os valores da dignidade humana, se súbito abalado por uma onda de selvajaria”. Viagens cumpridas. Viagens por cumprir.

Kronos Quartet – “Kronos Quartet, Hoje, Em Lisboa – O Quarteto Da Corda” (concertos | antevisão)

Secção Cultura Domingo, 05.05.1991

Kronos Quartet, Hoje, Em Lisboa
O Quarteto Da Corda

Hoje à noite, no Teatro Tivoli, em Lisboa, os Kronos Quartet vão causar estragos nos hábitos auditivos mais enraizados. Que se desiluda quem estiver à espera de um quarteto de câmara convencional. O jazz, a pop e a clássica vibram nas suas cordas com a mesma intensidade. E a mesma loucura.



São considerados a “big thing” da actualidade, no capítulo das cordas. Eruditos, não pretendem sê-lo nem parecê-lo. Tocam (e de que maneira) instrumentos de corda, os mais vulgares: violino (dois), viola (acrescente-se “de arco”, não vão ficar confundidos os nababos) e violoncelo. Os nomes: David Harrington, John Sherba (violinistas), Hank Dutt (violista), Joan Jeanrenaud (violoncelista). “Kronos Quartet” – a designação escolhida. “Kronos”, do grego “Chronos”, que significa “tempo”. “Quartet”, acredite-se ou não, porque tem a ver com serem quatro.
Tecnicamente são perfeitos. Utilizam os instrumentos, algumas (poucas) vezes de forma convencional, mas na maior parte do tempo dedicam-se a arrancar-lhes sons que se diriam emitidos por alienígenas. O que não admira, se levarmos em consideração o repertório diversificado, constituído por obras, na maioria escritas e encomendadas pela nata dos compositores contemporâneos: Terry Riley, Steve Reich, Philip Glass, John Zorn, Jon Hassell, Arvo Part, John Lurie, Ornette Coleman, Istvan Marta, entre outros. Mas a lista de nomes importantes que interpretam não fica por aqui, num total de cerca de 4 mil peças que engloba trabalhos de Anton Webern, Charles Ives, Conlon Nancarrow, Bela Bartok, Astor Piazzolla, Samuel Barber, Aulis Sallinen e… Jimi Hendrix. Há planos para, num futuro próximo, trabalharem com Sting.
O seu mais recente álbum, gravado para a Elektra Nonesuch, como é costume e de bom tom nestas coisas da vanguarda, intitula-se “Black Angels” e inclui temas de Charles Ives, George Crumb, Istvan Marta, Dmitri Shostakovich e, numa inflexão à música antiga, Thomas Tallis. O disco, tal como os anteriores, “Salome dances for Peace” (música de Terry Riley), metade de “Different Trains” (Steve Reich), uma composição (2Forbidden Fruit”) em “Spillane” de John Zorn, “Winter was Hard”, “White Man Sleeps”, “Kronos” e a banda sonora de “Mishima” (composta por Philip Glass), está repleto de humor e de proezas virtuosísticas de espantar, já que os quatro Kronos Quartet primam em fazer da pauta papel de rascunho para escrever, e da escrita, reescrita. No último álbum, uma das selecções, “Spem in Alium”, da autoria do compositor inglês do séc. XVI, Thomas Tallis, originalmente um moteto para quarenta vozes, transmutou-se numa mistura de oito gravações do quarteto, em estúdio, de maneira a soar como um naipe orquestral de trinta e dois instrumentos. No extremo oposto, o rock – Jimi Hendrix jamais sonharia ver “Purple Haze” ser tocado por um quarteto de cordas. A música do quarteto californiano materializa os sonhos mais impensáveis.

Liberdade Formal

Os Kronos Quartet sentem-se à vontade em todos os géneros musicais e permitem-se todas as liberdades. Diz um dos seus membros, David Harrington: “Se não tocasse com este grupo, provavelmente seria jardineiro. De facto, ele permite que todas as minhas fantasias se tornem realidade”.
Afirmam-se próximos do espírito do jazz. Ao vivo mais parecem, de facto, um agrupamento desse tipo, em pleno delírio de improvisação. Nos espectáculos utilizam jogos de luzes e adereços variados (uma vez trouxeram um “robot” para o palco), criando um ambiente característico de concerto rock. Há quem veja neles os Velvet Underground da moderna música de câmara. Não gostam de etiquetas e preferem que lhes chamem apenas “Kronos”, para evitar as conotações de académica respeitabilidade que a designação “String Quartet” comporta e que de todo renegam. Assumem, como principais influências, David Bowie, Charles Dickens, Isaac Asimov, Rainer Maria Rilke, os Police, Van Gogh, o jazz dos ghettos do Soweto, Beethoven e Hendrix.
No concerto de hoje à noite, vão tocar, na primeir aparte, obras de Dumisani Maraire, Foday Musa Suso, John Zorn, Gorecki e Louis Andriessen e, na segunda, a totalidade de “Different Trains” de Steve Reich. Uma experiência a não perder.