PÚBLICO SÁBADO, 11 AGOSTO 1990 >> Cultura
Hoje às 21h25 na RTP 2
“Tommy”: a ópera de quem?
A ópera-rock “Tommy”, de Pete Townshend, volta de novo à cena, comemorando o 25º aniversário dos The Who. À semelhança de “The Wall”, de Roger Waters, é a grande atração pelo espetáculo megalómano, celebrando a ressurreição dos dinossauros.
Eles prometem mas não cumprem. Roger Waters afirmara a pés juntos que o caso “The Wall” estava definitivamente encerrado e arquivado. Onze anos depois, em Berlim, foi o que se viu. Que se saiba, Pete Townshend não se mostrou tão radical no renegar do seu herói ceguinho e ás dos “flippers”. Mas foi preciso esperar 21 anos e fracos resultados em termos de vendas discográficas, para que o guitarrista resolvesse também optar pela fórmula “obra magistral – mal compreendida na época – transformada, pelo menos uma década depois, em mega-concerto cheio de artistas amigalhaços convidados, de preferência com Phil Collins, se puder ser”, que tão bons resultados deu com Roger Waters. Que nunca se diga, pois, “desta água não beberei”.
Obra conceptual
“Tommy”, o disco, inaugurou a era das óperas-rock. Nestas, narra-se geralmente a história do herói desvalido a quem a vida não poupou, desde os martírios da infância até ao triunfo final. Seja nos traumas provocados pela educação, pais, instituições, enfim, pela sociedade inteira (como os de Pink, em “The Wall”) ou nas enfermidades físicas. Como nos filmes, há sempre um princípio infeliz, cheio de contrariedades e incompreensões; um “intermezzo” em que o herói luta contra inimigos, consigo próprio e o destino, e finalmente a vitória e os louros de um “happy end” afagador das consciências intranquilas. Tommy é cego, surdo e mudo, mas possui um dom inato: é um génio dos “flippers”, dominando a máquina sem fazer “tilt” e elevado pela concorrência ao estatuto de profeta. Pelo meio aparecem uns vilões para dar sal à narrativa, antes do epílogo feliz. Retenham-se do disco a música e canções que o tempo entronizou em clássicos como “See Me, Feel Me”, “Pinball Wizard” ou “I’m Free”.
Curiosamente, tanto “Tommy” como “The Wall” começaram por ser duplos-álbuns conceptuais, passados para o cinema e editados nos anos derradeiros das respetivas décadas – 1969 e 1979, e finalmente reabilitados este ano, através da realização de mega-concertos.
Desfile de vedetas
Ken Russell pegou na história e a partir dela cozinhou um espetáculo espampanante, pretexto para treinar os habituais exageros visuais e fazer desfilar pela tela um cortejo de celebridades pouco à vontade nas respetivas personagens, como Roger Daltrey (no papel principal), Ann-Margret (a mãe ruim – a propósito, para quando o ensaio sobre o papel da mãe castradora, na geração das estrelas de rock?), Oliver Reed (o padrasto), Elton John (o jogador das botas gigantescas), Eric Clapton, Keith Moon (o lendário e já falecido baterista dos The Who, para quem divertir-se consistia em emborcar quilolitros de álcool misturados com tranquilizantes para cavalo, ou em destruir hotéis), Robert Powell, Tina Turner (a “acid Queen”) e Jack Nicholson.
A história do novo Pinball Wizard volta agora à cena, comemorando os 25 anos do atual trio constituído por Pete Townshend, Roger Daltrey e John Entwistle, num espetáculo com a duração de três horas que conta com a participação de Phil Collins (quem mais?), Billy Idol, Elton John (o único do “cast” original além de Roger Daltrey), Patti LaBelle e Stevie Winwood. Será interpretada a totalidade da ópera-rock, a par de outros êxitos da banda. Prestes a atingir-se o ano 2000, o rock transformou-se na música da terceira idade.