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Vários (Bagad Kemper, Jig, Na Lua) – “II Festival Intercéltico – Portuenses E Bretões Vencem Rock Galego”

Secção Cultura Domingo, 21.04.1991


II Festival Intercéltico
Portuenses E Bretões Vencem Rock Galego


Bretanha, Porto e Galiza, apresentaram-se no Teatro Rivoli. Se os bretões Bagad Kemper penetraram nas profundezas das “gavottes” e “an dro” bretãs, e os portuenses Jig foram a revelação do Festival, já os galegos Na Lua desiludiram, perdidos entre um som que não ajudou e uma indefinição estética que descambou num “folk ‘n’ rol” de qualidade duvidosa.



Antes da música, novamente a gastronomia bretã, desta vez representada pelos crepes e pela cidra, ajudou a preparar os espíritos para as cerimónias seguintes. Os Bagad Kemper, que durante a manhã transportaram a sua música e alegria até à baixa do Porto, abriram com chave de ouro as festividades nocturnas, no teatro Rivoli. Quinze músicos, divididos por três secções de gaitas-de-foles, bombardas e percussões, interpretaram uma sequência de “suites” da região que fez estremecer os alicerces do recinto e mergulhou o público num estado de transe telúrico. Momento muito especial, aquele em que as percussões se libertaram e, a solo, escavaram fundo nas rochas das costas encantadas da Bretanha.
Mestria técnica, um reportório criteriosamente selecionado do cancioneiro celta e muito entusiasmo, conferiram aos Jig, do Porto, o estatuto de grande revelação do Festival. Da Irlanda das florestas e dos duendes, mas também dos “pubs” eufóricos de Whiskey, fumo e Dubliners, a Trás-os-Montes, do “bluegrass” americano aos confins gelados da Terra-Nova, os Jig confirmaram-se como uma das melhores bandas do género, em Portugal. Congregando músicos provenientes da formação antiga dos Vai de Roda e da banda de “country” King Fisher’s Band, os Jig, em actividade desde 1986, surpreenderam pelas capacidades técnicas evidenciadas e pela completa assimilação da temática e sensibilidade célticas. Alfredo Farinha (bandolim e concertina), Carlos Adolfo (guitarra), Manuel Salselas (baixo), Manuel Apolinário (flautas transversal e de bisel), Isabel Leal (voz), Joaquim Teles (percussão) e Arlindo Silva (violino), fazendo jus ao nome, abriram com o crescendo rítmico de “King of the faeries” (tema que integra a gravação de Alan Stivell no Olympia de Paris) e terminaram com as reverberações etílicas do clássico dos clássicos “Whiskey in the jar”, alternando os instrumentais com baladas excelentemente interpretadas por Isabel Leal, um rosto e presença belíssimos e uma voz que pode ir longe na música portuguesa. Destaque também para as prestações de Arlindo Silva, violinista de formação clássica que alia a velocidade de execução, nas jigas e corridas “bluegrass” instrumentais, a uma sensibilidade contida nas baladas vocais, de Manuel Apolinário, na flauta e de Alfredo Farinha, impecável no dedilhar do bandolim, bem secundados, de resto, pelos restantes músicos dos Jig.
“I’m the man you don’t meet everyday”, “Wild rover” ou “Dancing masters”, todos tradicionais irlandeses, “The tem commandments”, (“tour de force” vocal do Canadá brilhantemente interpretado por Isabel Leal, apoiada na pulsação hipnótica doo tambor percutido por Joaquim Teles) e os portugueses “Agora baixou o sol” e “Mourinheira”, foram alguns dos pontos altos da actuação dos Jig que entusiasmaram a assistência.
Resultado da convergência de diferentes influências – “cada músico tem um percurso diferente, o Arlindo por exemplo, toca numa formação clássica, outros elementos vieram dos Folk Band ou dos King Fisher’s Band” – diz Isabel Leal – Os Jig apostam contudo num reportório português totalmente original, antes da estreia discográfica, prevista em CD, numa editora por enquanto desconhecida.
Os galegos Na Lua entraram a matar, que é como quem diz, fizeram folclore no pior sentido. Agitaram bandeiras, falaram a despropósito e, sobretudo, perderam-se completamente, entre a tentação de um rock saturado de electricidade, pontuado por sugestões tradicionais, e uma miscelânea de influências recolhidas de regiões tão díspares como o Nepal ou o Norte de Portugal, sem que da mistura tivesse resultado algo de minimamente original ou, pelo menos, interessante. Salvou-se do naufrágio a excelência técnica de Antón Rodriguez, na gaita-de-foles, flautas e saxofone soprano e de Francisco Alvarez, no violino e bandolim. De Uxia, a voz de fada presente no álbum “A Estrela de Maio”, sabe-se que abandonou os Na Lua, desagradada com a orientação seguida pelo grupo. A Galiza não espetou a pretendida lança em Portugal. Triunfo para a alegria contagiante dos Jig e para a autenticidade das raízes bretã dos Bagad Kemper.

Sérgio Godinho – “Exposição à Luz” (concertos)

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


EXPOSIÇÃO À LUZ



Sérgio Godinho vai mostrar 2ª Face Visível”, título inspirado na sua canção “A face visível da Lua”. No próximo sábado, no Porto, e na quarta-feira e no sábado da semana seguinte, em Lisboa, o autor do recente “Tinta Permanente” volta às actuações ao vivo, depois do sucesso alcançado com o anterior espectáculo 2Escritor de Canções”. O novo encontro ao vivo, de genérico “A Face Visível”, será, nas palavras de Sérgio Godinho, “bastante enérgico” embora integre momentos de maior intimismo (como será o caso de uma canção interpretada só com a guitarra acústica) e “mais exteriorizado” que “escritor de Canções”. Sérgio Godinho cantará os nove temas que compõem “Tinta Permanente”, num total de 28 canções que preencherão o concerto. Temas antigos, outros menos, que Sérgio Godinho gosta de “tirar da prateleira”, mas que vão ter novos arranjos. “Vou sempre a uma lista básica de canções e depois olho para os meus discos e escolho. Por exemplo, vamos tocar o “Caramba”, do álbum “Canto da Boca”, que se presta muito às vozes e a um jogo interactivo entre os músicos. Não há canções que eu considere obrigatórias, embora haja algumas que possam ser consideradas como os “greatest hits” [risos]. O João Paulo está a fazer versões que, embora não as tornem irreconhecíveis, reflectem contudo, uma atitude um bocado diferente. Quando uma pessoa trabalha comigo gosto que dê os seus palpites.”
“A Face Visível” será ainda o reatar de velhas e o estabelecimento de novas relações entre o músico e o público. “Há muito tempo que não punha um concerto de pé”, diz, “e é evidente que quando fiz o ‘Tinta Permanente’ seria lógico que o fizesse. O disco saiu no fim de Abril, já um bocado em cima do Verão, havia outros compromissos e por isso só agora foi possível fazê-lo. Até porque agora me apeteceu tocar com uma formação mais alargada.”
Coincidência é o facto de o primeiro espectáculo se realizar no Porto, como coincidência é ainda fazer este mês uma ano desde que “Escritor de Canções” foi apresentado pela primeira vez ao vivo nesta cidade, precisamente no mesmo Rivoli.
“A Face Visível” será provavelmente o último espectáculo realizado no velhinho Rivoli, antes de sofrer obras de remodelação. “Não sei”, brinca o autor de “Sobreviventes”, “se assim for até podemos escaqueirar no fim aquilo tudo, desde os camarins até à sala [risos], de preferência com martelinhos.”
Que “face visível” será então dada a ver? “É o palco, o sítio onde estamos mais expostos. À luz.” Com Sérgio Godinho, vão estar em palco João Paulo Esteves da Silva, piano e direcção musical, Mário Franco, baixo e contrabaixo, António Pinto, guitarra, Paleka, bateria, José Salgueiro, percussões, Jorge Reis, saxofones, Filipa Pais, Sandra e Dora Fidalgo, coros.
Dia 20,
Teatro Rivoli,
Porto, 22h
Dias 24 e 27,
Teatro S. Luiz,
Lisboa, 22h

Vários (Barzaz, Battlefield Band, …) – “Começou O Festival Intercéltico Do Porto – Artífices Do Mar”

cultura >> sábado, 03.04.1993


Começou O Festival Intercéltico Do Porto
Artífices Do Mar


Duas notas distintas marcaram o início da 4ª edição do Intercéltico. Ao registo mais interiorizado dos bretões Barzaz responderam os escoceses da Battlefield Band com a apresentação festiva de temas do seu último álbum, “Quiet Days”. O Intercéltico arrancou em beleza, em ano de consagração.



Coube ao grupo da Bretanha Barzaz esculpir em rochas, vento e sal a primeira curva da tríplice espiral céltica “na triskell”, na 4ª edição do Festival Intercéltico do Porto. Principais artíficies, o flautista Jean-Michel Veillon e o percussionista de origem irlandesa David Hopkins, este o discreto tecelão das texturas ambientais que caracterizam a estética do grupo, ao vivo, e no álbum “Na Den Kozh Dall”. Paisagens marítimas em constante mutação, espelho salgado que reflecte a natureza profunda da brumosa e ancestral Bretanha. Músico ligado à “new age”, Hopkins rubricou, já no último “encore” um excelente solo de “bodhran”.
Paradoxalmente a música dos Barzaz “quebrou” pelo seu elo mais forte, nas vocalizações de Yann Fanch Kemener, voz profundamente enraizada na tradição vocal bretã mas que em dois ou três temas cantou ligeiramente acima do tom. Por culpa do frio, queixava-se ele nos bastidores, depois de ter surgido em palco envolto num pesado sobretudo. Entre suites de danças “plinn” e “fisel”, entrou para o quadro de honra do Intercéltico uma fabulosa adaptação de um “endro” profundo e diluviano que fez estremecer as fundações do Rivoli.

“Ainda Temos Uma Canção!”

Seguiu-se a festa imparável dos Battlefield Band, grupo amado por uns e odiado por outros, mas ao qual não se pode recusar uma coerência absoluta, na proposta que adoptaram desde o início de carreira. Alan Reid é hoje o maestro de uma formação renovada onde pontificam o virtuosismo e o poder das “highland pipes” de Iain McDonald e o violino desse prodígio de apenas 18 anos de idade que é John McCusker, bem secundados pelo sóbrio acompanhamento de Alistair Russell, na guitarra.
Se algumas reservas podem ser colocadas a uma certa “normalização” das vocalizações (faceta onde se faz sentir com maior acuidade a ausência de Brian McNeill), o mesmo não se pode dizer da maestria instrumental revelada pelo grupo, autêntica máquina de fazer música que pôs a assistência do Rivoli em delírio.
Num concerto que privilegiou os temas do álbum novo “Quiet Days”, “strathspeys”, marchas, “reels” e “jigs” alternaram com baladas de cariz politizado (“The hoodie craw” ou “Hold back the tide”, sobre a decadência da indústria naval na Escócia) e momentos de pura loucura, como o “celtic country bayou rock & roll” de “Six days on the road” ou o clássico “Afterhours”, exemplo da mais pura “celtic twilight poetry”, segundo a definição irónica da banda. O público exigiu dois “encores” – “pode ser, ainda temos uma canção!” – acabando o concerto em ambiente de loucura, com as “pipes” de Iain McDonald no comando das operações.
Já pela noite dentro, num bar da Ribeira, entre fumos, (mais) copos e música de dança, Robin Morton, o “papa” da Temple Records revelou ao PÚBLICO o lançamento próximo de um álbum conjunto de Edith MacKenzie, Christine Primrose, Arthur Cormack e Alison Kinnaird, resposta inteligente à actual superbanda escocesa Clan Alba, enquanto o líder dos Battlefield Band, Alan Reid, anunciava o seu primeiro projecto a solo. Debaixo dos holofotes e da batida frenética, escoceses e bretões perdiam-se no meio da confusão. Todos querem voltar.