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Wagner Tiso – “Wagner Tiso No Ritz Club, Em Lisboa – O Passageiro Da Noite” (concerto / ritz club)

Cultura >> Sábado, 07.11.1992


Wagner Tiso No Ritz Club, Em Lisboa
O Passageiro Da Noite



É SEMPRE noite no Ritz Club, ali na rua da Glória das pensões, escondido a dois passos do elevador. Chamem-lhe deacadente. Chamem-lhe simplesmente antigo. Aos reposteiros escarlates, às toalhas de sangue queimadas por pontas de cigarro, às luzes do tecto em forma de flor de nenúfar. Houve um tempo em que se ia lá para ver as sessões de strip. Com uma rapariga gorda, dizia-se. Agora já não. A “cultura”, parece, tomou conta do lugar.
Wagner Tiso ocupou o palco do Ritz Club, com o seu corpo e sorriso largos e um piano de cauda a condizer, quinta-feira quase à meia-noite, num espectáculo organizado pela Propalco para um número restrito de assistentes, que as dimensões da sala não dão para mais.
A música deste brasileiro natural de Minas Gerais casou bem com o lugar. Entre luzes fracas, fumos fortes e os sons em surdina que vinham lá de fora, do formigueiro da noite. Wagner interpretou temas da sua autoria, uma pavana de Fauré, Stevie Wonder e uma sequência de autores brasileiros que ele admira: Tom Jobim, Waldir Azevedo, Villa-Lobos, Gilberto Gilo e Milton Nascimento, companheiro seu de muitas músicas. Sempre com a fluência, a força e o lirismo que se lhe reconhecem, num estilo ornamentado avesso a grandes rupturas.
Pelo meio, o compositor e pianista convidou a sua amiga e “grande cantora”, Eugénia Melo e Castro, que interpretou o “standard” de Cole Porter, “The laziest girl”. Sem atingir as alturas da versão de uma Mary Coughlan, Geninha conseguiu contudo sugerir a dose de erotismo e languidez necessária, com requebros corporais e vocais nas sílabas certas. Que prazer escutar aqueles “shouldenete”, “couldenete” e “wouldenete”, ou um “I guesssssss” prolongadíssimo, ao estilo cobra, de fazer Madonna corar de vergonha.
A actuação de Wagner Tiso terminou com dois “encores” de sinal contrário – “Coração de estudante”, tema intervencionista da sua autoria, que foi hino popular durante as eleições directas para a presidência brasileira, no tempo da ditadura, e “Penny lane”, de Lennon / McCartney, tocado já em registo de bar, entre as conversas da assistência e o entrechocar dos copos, ansiosos por retomarem a faina, após o período de descanso obrigatório.
Consumadas as notas musicais, chegou a vez das sociais. No pequeno restaurante do Ritz Club, decorado a preceito e a vermelho, como não podia deixar de ser, entre máscaras de madeira, imagens da Severa e a tragédia televisiva de Ésquilo como pano de fundo, trocaram-se os habituais abraços e beijinhos de felicitações e adulações. Geninha, claro, mas também a actriz brasileira Christiane Torloni e um António Calvário muito conversador. Vitorino e Fonseca e Costa já tinham saído para a noite. No salão ficava a música africana, com a actuação de um grupo ao vivo, a aquecer a madrugada.
Nos quartos das pensões do outro lado da rua, a essa hora, a actividade era ainda mais fervilhante.