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Riccardo Tesi – “Tocava Música Etrusca!… (entrevista)

pop rock >> quarta-feira, 06.10.1993


“TOCAVA MÚSICA ETRUSCA!…”

É um dos grandes intérpretes de acordeão diatónico da actualidade. Da Toscânia aberta À influência dos sons do resto do mundo. “Il Ballo della Lepre” e “Véranda” dão uma ideia até onde pode ir o acordeão de Riccardo Tesi. O novo projecto, com John Kirkpatrick e Kepa Junkera, vai ainda mais além. Chama-se “Trans Europe Diatonique” e está aí a rebentar.


Riccardo Tesi actuou recentemente em Portugal, numa digressão pelo Alentejo integrada no festival “Sete Sóis, Sete Luas”. O PÚBLICO falou com ele em Montemo-o-Novo. De música italiana, de música do mundo. E, claro, do acordeão.
PÚBLICO – Nos seus discos utiliza instrumentos pouco usuais na música de raiz tradicional, como o vibrafone ou os metais…
RICCARDO TESI – Pertenço ao meio da música tradicional, porque tocava num grupo de música tradicional, com um instrumento tradicional, o acordeão diatónico, mas, de facto, hoje em dia não toco música tradicional. Toco a minha música, que reflecte todas as influências que me interessam. Claro que existe uma base muito forte de música tradicional, mas há também uma influência do jazz. Em simultâneo há a canção e tudo o que me toca a nível musical num sentido muitolato, do clássico ao jazz, ao rock… por que não?
P. – A expressão “world music” aplica-se à sua música?
R. – Sim, antes havia “folk”, “new age”, “nouvelle musique acoustique”, etc. Tudo termos que têm como função vender a música e como tal são bem-vindos, porque nós temos necessidade de vender a nossa música. Como o público não tem uma formação específica, precisa desses “rótulos”…
P. – Mas a sua música tem uma identificação muito forte com a Itália, presente nos “saltarelos” e “Tarantellas”. Como se processa a articulação entre essas duas facetas?
R. – O meu objectivo é fazer uma música um pouco como no caminho que Bela Bartok percorreu na música clássica, que já não seja tradicional mas que mantenha raízes italianas. Não me interessa fazer música céltica. Gosto muito de a ouvir, mas não é a minha música. Desenvolvi as minhas raízes, procurei-as na minha terra, é isso que é importante…
P. – No estrangeiro fala-se precisamente da música de Piemonte, região céltica de Itália, e de grupos como Ciapa Rusa e Baraban. Por que rzão a música do Centro e do Sul está menos divulgada?
R. – Isso foi outro “rótulo”… teve um significado comercial. Utilizou-se, num determinado momento, o termo “céltica” para definir a música do Norte de Itália. É verdade que essa música sofreu influências célticas. Eu, por vezes, na provocação, dizia que tocava música etrusca, porque na minha terra estiveram os etruscos!… Quando se fala de música tradicional italiana, existe uma grande clivagem, universos muito diferentes: há a música do Norte e do Centro-Norte da Itália, que é uma música que possui regras ao estilo europeu – temática; no Centro, onde vivo, existe uma região de transição e no Sul, na Sardenha, temos uma música de tipo mediterrânico, muito livre, sem estar subordinada a um tema, como a “tarantela”, que nunca acaba da mesma maneira e integra muita improvisação.
P. – A ideia de universalidade, está presente num álbum como “Trans Europe Diatonique” [ver caixa]…
R. – Por um lado, procurei sempre as raízes italianas, por outro evitei sempre, consciente ou inconscientmenete, fechar-me num estilo. Uma coisa muito importante para mim é o encontro. A prova é que comecei com músicos da minha terra, a Toscânia; logo a seguir criei o grupo Ritmia com músicos sardenhos; depois gravei um disco intitulado “Anita, Anita”, com músicos occitanos, produzido pelos Ciapa Rusa. Fiz “Véranda”, com um bandolinista francês [Patrick Vaillant]…
P. – Como conheceu John Kirkpatrick, outro dos “grandes” do acordeão diatónico, que faz parte consigo do projecto Trans Europe Diatonique?
R. – Foi o meu mestre. Quando comecei a tocar já tinha todos os seus discos. Quando veio a minha casa pela primeira vez, senti uma grande emoção! Um dia, em Itália, propuseram-me organizar um espectáculo só de acordeão e perguntaram-me quem é que eu escolhia. Respondi: John Kickpatrick. O espectáculo correu tão bem que pensámos em formar um trio para tocarmos juntos. Primeiro com Marc Perrone, que viria a ser substituído por Kepa Junjera, que, ao nível técnico, considero ser o melhor do mundo.
P. – O entendimento musical entre os três é perfeito…
R. – … Apesar de tocarmos todos instrumentos muito semelhantes, cada um tem uma forma tão pessoal de o fazer que é possível identifica-la. Trabalhámos juntos nas músicas e é isso que me interessa, o encontro. Dentro deste mesmo espírito, montei também um espectáculo com um tocador de “valiha” – uma espécie de harpa feita de bambu e cordas. Simultaneamente, resultado de uma necessidade de regressar às origens, formei um trio com Ettore Bonnafé, que toca jazz em Florença, e Maurizio Geri, guitarrista com um percurso semelhante ao meu, entre a música tradicional e o jazz. Funcionamos também em sexteto, com mais instrumentistas, e neste caso o grupo chama-se Banditaliana – designação para banda italiana mas também para “bandido” [em francês, “bandit”]!
P. – Houve um tempo para o renascimento da harpa, da gaita-de-foles, da sanfona… Chegou a vez do acordeão?
R. – Eu e Roberto Tombesi, dos Calicanto, acabámos de publicar um livro [L’organetto diatónico”, ed. Berben] sobre o acordeão diatónico. Fizemos o livro de forma pedagógica, com pautas escritas de forma legível para as pessoas que não sabem música e uma cassete onde participam, além de mim, o Beppe Greppe [Ciapa Rusa], Vincenzo Cagliotti [Baraban], Mario Salvi e Roberto Tombesi, entre outros, que não sendo músicos tradicionais de nascença, são contudo pessoas que se interessaram pela música tradicional, que a estudaram e se dedicaram a este instrumento. O objectivo é dar uma perspectiva global da situação do acordeão diatónico em Itália. Isto tudo ao nível do “folk revival”, porque ao nível da música tradicional genuína trata-se de um universo completamente diferente. Este livro fala da tradição mas também da parte criativa, ou seja, dos músicos que, como eu, vão buscar o acordeão à música tradicional mas que o tocam em contextos diferentes. O acordeão não é um instrumento tradicional da mesma maneira, por exemplo, que a gaita-de-foles, que é fabricada na própria comunidade onde é utilizada. Foi o primeiro instrumento de produção industrial que apareceu, sendo posteriormente adoptado pela comunidade internacional, embora não sendo originário dela. Por isso, em todos os locais onde foi introduzido é tocado de formas diferentes. Nesta perspectiva, se nos considerarmos como uma comunidade recém-formada, poderemos tocar o acordeão de uma forma completamente nova. É isso que eu sei fazer.
P. – Em Portugal, o acordeão goza de uma certa má fama, sendo geralmente conotado com a música “folclórica”, no sentido depreciativo do termo. Acontece o mesmo em Itália?
R. – A chegada do acordeão permitiu que a música tradicional sobrevivesse. O verbo “tradire”, que significa simultaneamente transmitir e trair, traduz bem a função do acordeão, que por um lado modificou a música e, por outro, permitiu a sua sobrevivência. É verdade que o acordeão tem uma má imagem, porque as pessoas não o associam à verdadeira música tradicional, mas sim aos bailes populares de mau gosto, mas foi graças a músicos que desenvolveram o acordeão também como instrumento de jazz que essa imagem se tem alterado.

Trio de Riccardo Tesi – “Festival ‘Sete Sóis, Sete Luas’ Terminou Ontem No Alentejo – Música Intercidades”

cultura >> segunda-feira, 27.09.1993


Festival “Sete Sóis, Sete Luas” Terminou Ontem No Alentejo
Música Intercidades


Os grandes concertos acontecem quando e onde menos se espera. Aconteceu um, em Montemor-o-Novo. Pelo trio de Riccardo Tesi, acordeonista da Toscânia cujo “organetto” fez num ápice desaparecer todas as fronteiras. Num dos concertos integrados no festival “Sete Sóis, Sete Luas” que ontem terminou em Évora e Estremoz.



Estariam reunidas cerca de quatrocentas, quinhentas pessoas, não mais, no pequeno ajuntamento que se formou no largo dos Paços do Concelho, em Montemo-o-Novo, para escutar a música duns italianos de que quase ninguém teria ouvido falar. É uma realidade: Riccardo Tesi, um “virtuose” do “organetto”, como chamam em Itália ao acordeão, está pouco divulgado no nosso país. Dois dos seus discos passaram entretanto a ter distribuição em Portugal – “Il Ballo della Lepre” e “Véranda”, este na companhia do badolinista francês Patrick Vaillant (ambos já com crítica publicada no suplemento “Poprock” deste jornal), o que fez aumentar a expectativa em relação aos espectáculos ao vivo.
Tesi não deixou os créditos por mãos alheias. Ele, com Ettore Bonafé, no vibrafone e percussões, e Mauroizio Geri, guitarra e voz, assinaram um desempenho notável que mostrou por que razão a música de raiz tradicional é hoje uma corrente viva entre os sons do mundo. Partindo de uma base tradicional onde avultam os “saltarelos” e as “tarantelas” (em Montemor juntaram-se-lhes um “perigordino”, uma polca e uma mazurka) da Itália do centro, Tesi e seus dois companheiros paratiram à descoberta de outros registos, por alamedas que amiúde desaguaram no “jazz”, na fluência e nas desmultiplicações rítmicas. Tesi é fabuloso, mãos rápidas como o vento sem que essa agilidade implique o sacrifício da precisão. Bonafé mostrou, no vibrafone, ser um portento de “swing” e exímio marcador de tempos. Inesquecível a curta improvisação que rubricou a meio de “Saltarello per Eugenio”, em pura levitação sobre o compasso, evidenciando uma assimilação perfeita do legado deixado por uma linhagem nobre que vai de Lionel Hampton a Gary Burton. A Maurizio Nero, vocalista competente, coube tecer as malhas do contraponto, tarefa que desempenhou com correcção e uma fluidez de fraseado que recordaram o estilo de Django Reinjardt.
Mas mais do que as prestações individuais, a música valeu como um todo. Uma música vibrante e actual que ilustrou e concretizou de modo exemplar um dos objectivos traçados pelo festival “Sete Sóis, Sete Luas”, organização conjunta do grupo teatral Immagini, de Pontedera, e a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo: fortalecer o intercâmbio cultural entre duas regiões que acreditam ter algo em comum e para dizer uma à outra, ao ponto de estar já em marcha o processo de geminação entre ambas.
“Sete Sóis, Sete Luas” é um projecto em fase de consolidação que teve o ponto de partida o ano passado, através de uma “semana alentejana” que decorreu em vários municípios italianos, com actuações do Rancho Etnográfico de Montemor-o-Novo, bem como mostras de gastronomia e a realização de exposições e, já este ano, prosseguiu com espectáculos de Carlos Paredes em várias localidades da Toscânia.
Projecto com pernas para andar que, segundo Marco Abbondanza, um dos organizadores italianos da iniciativa “nasceu na âmbito cultural mas pretende também actuar nas áreas social e económica”. Confluência dos astros no céu do Alentejo, terra com “uma identidade cultural forte” – como Marco Abbondanza reconhece – “algo que em Itália já se vai perdendo”.

Vários (Teatro Del Buratto, Riccardo Tesi, Consonanza) – “Grupo Teatral Italiano Organiza Festival Tripartido – Imaginar O Sul” (Festival Sete Sóis Sete Luas)

cultura >> segunda-feira, 20.09.1993


Grupo Teatral Italiano Organiza Festival Tripartido
Imaginar O Sul


“Sete Sóis, Sete Luas” é o primeiro festival luso-grego-italiano de teatro e cultura organizado pelo grupo teatral italiano Immagini, de Pontedera. Música clássica, tradicional e teatro percorrem o Alentejo durante nove dias. Numa iniciativa que “visa a aproximação de três mundos extremamente ricos de história e tradições artísticas”.



“Pane Blu”, pelo Teatro Del Buratto, iniciou, em Montemo-o-Novo (ver caixa), a programação do festival “Sete Sóis, Sete Luas”. Nesta cidade alentejana que encetou um processo de geminação com a sua congénere, Pontedera. Hoje é a vez do Anfiteatro Zeca Afonso, em Mértola, abrir as portas à música tradicional do Centro de Itália, pelo trio do acordeonista toscano Riccardo Tesi, um dos mais reputados intérpretes do “organetto” da actualidade (crítica aos álbuns “Il Ballo Della Lepre” e “Véranda” na página de “world” do suplemento “Poprock”, de quarta-feira passada) que vem ao Alentejo acompanhado de Ettore Bonafé, em vibrafone e percussões, e Maurizio Geri, guitarra e voz. O espectáculo, de genérico “Etnia Immaginaria”, tem ainda agendadas datas para Évora, dia 23, no Palácio Barrocal, do Inatel, Beja, dia 24, no largo das Portas de Mértola, Montemor-o-Novo, dia 25, no largo dos Paços do Concelho, e Estremoz, dia 26, na Igreja dos Congregados. Todos os concertos às 21h30, com entrada livre.
O grupo Consonanza, de Florença, apresenta por sua vez o espectáculo “Dal solo al sexteto”, em concertos de música clássica que terão lugar em Montemor-o-Novo, dia 23, na Igreja de São Domingos, Alcácer do Sal, dia 24, na Igreja de S. Maria do Castelo, Beja, dia 25, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, e Évora, dia 26, na Igreja das Merc~es.
Nascido da herança de três projectos organizados em anos anteriores pelo grupo, “Sicilia in immagini” (1990), “Alentejo in Immagini” (1991) e “Arianna” (1992), “Sete Sóis, Sete Luas” representa a assunção, simbólica e pragmática, da unidade do triângulo Portugal-Itália-Grécia.
Iniciativa original, pelos pressupostos de que parte (“apresentar-se não como manifestação de carácter passageiro e consumístico, mas sim como projecto estável e permanente ao longo dos anos”) e pelos objectivos que propõe (além da natural divulgação de música e teatro, “criar um ponto de referência também para investigadores e homens de teatro interessados no processo de troca e de confronto com culturas de raízes ibéricas e helénicas”), o festival já teve lugar este ano na província de Pisa, Itália, entre 20 e 30 de Julho, continuando, a seguir a Portugal, em Atenas e Rodes, Grécia, no mês de Dezembro. Sempre e de futuro segundo o mesmo esquema tripartido e itinerante de presentações nos três países englobados no projecto, apresentando embora, para cada edição, um programa unitário.
Mas não se ficam por aqui os objectivos do “Immagini” de Pontedera. Prevista está ainda, no campo literário e editorial, a publicação de uma obra inédita em italiano, “O Ano de 1993”, um original de 1987, de José Saramago, “o maior escritor português vivo”. Com tradução do professor Domenico Corradini, catedrático de Filosofia do Direito, na Universidade de Pisa, e também consultor cultural do festival.
“Sete Sóis, Sete Luas” conta com a organização, além do grupo de teatro de Pontedera, da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Organismoos Dodekannisiaso Theatrou de Rodes. Já este ano o festival ganhou o Prémio Caleidoscópio, atribuído pela Comunidade Europeia às manifestações artísticas com marcada dimensão europeia.