Pop Rock
6 FEVEREIRO 1991
DEPOIS DA CRISE, A ESTABILIDADE
Os retalhistas passaram um susto valente, quando as lojas quase se esvaziaram nos primeiros dias de guerra. Agora estão a aprender a gestão dos hábitos de guerra.
Mísseis Scud e Patriot lutam nos céus em versão “hardcore” da Guerra das Estrelas, com sangue e tudo, embora a televisão não mostre. Parece mais um jogo de xadrez. Ora acusa Bush, ora ameaça Saddam. Avança lá tu com um tanque que eu mando um avião. A princípio parecia apaixonante: uma guerra a sério, logo a seguir à telenovela. Bom pretexto para reunir a família, confraternizar, beber uns copos e mandar umas bocas “àquele bandido do Saddam”. Quando o Iraque resolveu lançar uns Scud sobre Israel foi o fim. Adivinhavam-se sangrentas retaliações, bombas atómicas em barda, o Apocalipse em directo, via CNN e Nuno Rogeiro. Tranquilizados pelo papá governante, com a garantia de que não “entraríamos”, mesmo que a Turquia fosse atacada, estavam reunidas todas as condições para um bom espectáculo.
Discos e latas de atum
Entretanto, Israel não retaliou, Saddam esconde-se num “bunker” impenetrável, os americanos vão gastando bombas a destruir maquetas e o campeonato de futebol vai prosseguindo com algumas surpresas. Entre o frémito inicial prenunciador de grandiosas catástrofes e o faz-que-ataca-mas-não-ataca actual, era inevitável que algo se alterasse nos hábitos consumidores dos portugueses. Por exemplo, nos discos. Falámos com os gerentes de três discotecas lisboetas para verificar até que ponto as pessoas sempre se teriam trancado em casa e comprado toneladas de margarina e latas de atum, em vez dos dispensáveis e supérfluos CD. Envergámos a nossa máscara e saímos para averiguar.
Começámos pela Roma. Assegurou-nos o gerente Simões Nunes que, enquanto não rebentou a guerra, não notou “qualquer diferença em termos de vendas”, quando comparadas comas do mesmo período do ano passado (primeira quinzena de Janeiro, data de início das hostilidades). É que “no princípio deste mês, a juventude ainda tem algum dinheiro para gastar, das prendas de Natal”. Depois é que foram elas, “com o início da guerra, houve sobretudo uma semana em que se notou um abaixamento acentuado, tanto no rock como nos outros géneros, o jazz ou a clássica”. Na discoteca Roma, este fenómeno tornou-se notado, sobretudo na sua filial de Cascais, “talvez porque as pessoas que aí vivem, por terem outro nível de vida, possuindo em casa antenas parabólicas, percam mais tempo junto da televisão e, portanto, seja menor a disponibilidade para ouvir música”. Mas agora tudo voltou a entrar nos eixos, como de resto parece ter acontecido nas restantes lojas que visitámos.
Fartos da televisão
Assim, também na Valentim de Carvalho das Amoreiras, coincidindo com o início do conflito, se notou uma quebra no nível de vendas. Segundo nos explicou Ana Luísa, gerente comercial, “as pessoas ficavam em casa agarradas à televisão, a querer saber o que se passava. O Centro andava deserto. Todas as lojas se ressentiram”. Nada de grave, porém, pois “recentemente a situação tem vindo a modificar-se. As pessoas vão ficando um bocado fartas de estar em frente à televisão, sobretudo as mais novas, talvez porque tenham uma tendência para se desligarem mais das coisas e sejam capazes de levar qualquer coisa. No início da crise compraram menos discos mas agora já reentraram no ritmo normal”.
João Guimarães, gerente das discotecas Hippodrome, afina pelo mesmo diapasão: “No dia imediatamente a seguir ao começo da guerra, as compras baixaram mesmo muito, bem como nos dias seguintes. Depois, à medida que o tempo ia passando, a situação começou a normalizar, até esta altura, em que é perfeitamente normal para a época do ano.” Curiosamente, ou talvez não (relembremos a actual vaga pacifista), na Hippodrome, a música dos anos 60 é que mais se tem vendido. Mas, se calhar, o fenómeno não tem nada a ver com a guerra, já que “normalmente, no princípio do ano, saem poucas novidades e as pessoas, quando querem gastar o seu dinheiro, recorrem normalmente ao fundo de catálogo”.
Com a guerra ou sem ela, o que é um facto é que os CD continuam a derrotar os seus adversários de vinilo. Numa das lojas geridas por João Guimarães, já se vendem 50 por cento mais compactos que discos convencionais. Mas que a guerra vai ser longa, ninguém duvide – “até Portugal deixar de comprar LP ainda devem faltar alguns dez ou quinze anos”.