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Kronos Quartet – “Kronos Quartet, Hoje, Em Lisboa – O Quarteto Da Corda”

Secção Cultura Domingo, 05.05.1991


Kronos Quartet, Hoje, Em Lisboa
O Quarteto Da Corda


Hoje à noite, no Teatro Tivoli, em Lisboa, os Kronos Quartet vão causar estragos nos hábitos auditivos mais enraizados. Que se desiluda quem estiver à espera de um quarteto de câmara convencional. O jazz, a pop e a clássica vibram nas suas cordas com a mesma intensidade. E a mesma loucura.



São considerados a “big thing” da actualidade, no capítulo das cordas. Eruditos, não pretendem sê-lo nem parecê-lo. Tocam (e de que maneira) instrumentos de corda, os mais vulgares: violino (dois), viola (acrescente-se “de arco”, não vão ficar confundidos os nababos) e violoncelo. Os nomes: David Harrington, John Sherba (violinistas), Hank Dutt (violista), Joan Jeanrenaud (violoncelista). “Kronos Quartet” – a designação escolhida. “Kronos”, do grego “Chronos”, que significa “tempo”. “Quartet”, acredite-se ou não, porque tem a ver com serem quatro.
Tecnicamente são perfeitos. Utilizam os instrumentos, algumas (poucas) vezes de forma convencional, mas na maior parte do tempo dedicam-se a arrancar-lhes sons que se diriam emitidos por alienígenas. O que não admira, se levarmos em consideração o repertório diversificado, constituído por obras, na maioria escritas e encomendadas pela nata dos compositores contemporâneos: Terry Riley, Steve Reich, Philip Glass, John Zorn, Jon Hassell, Arvo Part, John Lurie, Ornette Coleman, Istvan Marta, entre outros. Mas a lista de nomes importantes que interpretam não fica por aqui, num total de cerca de 4 mil peças que engloba trabalhos de Anton Webern, Charles Ives, Conlon Nancarrow, Bela Bartok, Astor Piazzolla, Samuel Barber, Aulis Sallinen e… Jimi Hendrix. Há planos para, num futuro próximo, trabalharem com Sting.
O seu mais recente álbum, gravado para a Elektra Nonesuch, como é costume e de bom tom nestas coisas da vanguarda, intitula-se “Black Angels” e inclui temas de Charles Ives, George Crumb, Istvan Marta, Dmitri Shostakovich e, numa inflexão à música antiga, Thomas Tallis. O disco, tal como os anteriores, “Salome dances for Peace” (música de Terry Riley), metade de “Different Trains” (Steve Reich), uma composição (2Forbidden Fruit”) em “Spillane” de John Zorn, “Winter was Hard”, “White Man Sleeps”, “Kronos” e a banda sonora de “Mishima” (composta por Philip Glass), está repleto de humor e de proezas virtuosísticas de espantar, já que os quatro Kronos Quartet primam em fazer da pauta papel de rascunho para escrever, e da escrita, reescrita. No último álbum, uma das selecções, “Spem in Alium”, da autoria do compositor inglês do séc. XVI, Thomas Tallis, originalmente um moteto para quarenta vozes, transmutou-se numa mistura de oito gravações do quarteto, em estúdio, de maneira a soar como um naipe orquestral de trinta e dois instrumentos. No extremo oposto, o rock – Jimi Hendrix jamais sonharia ver “Purple Haze” ser tocado por um quarteto de cordas. A música do quarteto californiano materializa os sonhos mais impensáveis.

Liberdade Formal

Os Kronos Quartet sentem-se à vontade em todos os géneros musicais e permitem-se todas as liberdades. Diz um dos seus membros, David Harrington: “Se não tocasse com este grupo, provavelmente seria jardineiro. De facto, ele permite que todas as minhas fantasias se tornem realidade”.
Afirmam-se próximos do espírito do jazz. Ao vivo mais parecem, de facto, um agrupamento desse tipo, em pleno delírio de improvisação. Nos espectáculos utilizam jogos de luzes e adereços variados (uma vez trouxeram um “robot” para o palco), criando um ambiente característico de concerto rock. Há quem veja neles os Velvet Underground da moderna música de câmara. Não gostam de etiquetas e preferem que lhes chamem apenas “Kronos”, para evitar as conotações de académica respeitabilidade que a designação “String Quartet” comporta e que de todo renegam. Assumem, como principais influências, David Bowie, Charles Dickens, Isaac Asimov, Rainer Maria Rilke, os Police, Van Gogh, o jazz dos ghettos do Soweto, Beethoven e Hendrix.
No concerto de hoje à noite, vão tocar, na primeir aparte, obras de Dumisani Maraire, Foday Musa Suso, John Zorn, Gorecki e Louis Andriessen e, na segunda, a totalidade de “Different Trains” de Steve Reich. Uma experiência a não perder.

Kronos Quartet + Kad Achouri + The Skatalites – “Boa Onda Em Música Para As Multidões” (concertos / festivais)

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terça-feira, 29 Julho 2003


Boa onda em música para as multidões

Kronos Quartet + Kad Achouri + The Skatalites

(Festival Músicas do Mundo)
SINES Castelo
Sábado, às 21h30. Lotação esgotada.



Terminou no sábado a 5ª edição do festival Músicas do Mundo de Sines. Com a festa do costume, a cargo dos The Skatalites, engalanados com o fogo de artifício da praxe, mas a atuação entusiasta (para muitos entusiasmante), desta instituição do “ska” não chegou para tirar o Músicas do Mundo de uma certa ideia de massificação e de ter sido, em termos de música ouvida, um dos piores da sua história.
Compreende-se a opção da organização – impecável, nos aspetos logísticos – em ter como principal preocupação para este ano, levar ao castelo o maior número possível de pessoas. Em época generalizada de crise e de falta de apoios camarários, era preciso mostrar serviço. Objetivo cumprido a 100 por cento. Nunca como neste ano o público comparecera de forma tão maciça, lotando por completo o interior do castelo. 5000 entradas vendida por noite, na sexta-feira e no sábado, não impediram que outras tantas centenas ficassem de fora e tivessem que se contentar em assistir ao festival através do ecrã gigante afixado num dos muros do castelo.
Mas se a aposta no público foi ganha o mesmo não se pode dizer da qualidade musical. À exceção dos Danças Ocultas e do grupo afegão Ensemble Kaboul, aos quais se juntaram, no último dia, os Kronos Quartet, tudo o resto esteve abaixo do que seria lícito esperar, nalguns casos pautando-se pelo pior que a “world music” tem para oferecer: sopas incaracterísticas que de étnico já pouco ou nada têm, embaladas em papel de fusão e batidas preguiçosas que lá vão chegando para pôr as pessoas – mais preocupadas em curtir a todo o custo do que em ouvir música pela música – a dançar. Foi pena que os Kronos Quartet mal se pudessem ouvir. Com um volume de som baixíssimo, a música chegava como um sussurro à zona mais recuada do castelo, soando como acompanhamento de luxo de um estado de espírito geral que não estava para aí virado. A dado momento pararam mesmo de tocar, perdendo-se largos minutos na resolução de um qualquer problema técnico. Por fim lá reentraram no seu mundo privado, em Sines preenchido por composições do álbum “Nuevo”, mas também por uma curiosa versão de um tema dos Sigur Rós.
Kad Achouri, que atuou a seguir, foi confrangedor. Chamar “world” à sua mistela pimba de sons afro-latinos sobre ritmos tcham-tcham-tcham é ofensivo para as tradições do planeta. O que este francês de origem argelina fez em Sines, em nome de uma modernidade que ele se encarrega de trair, caberia perfeitamente numa daquelas emissões da nossa televisão que animam as tardes de praia, entre um passatempo e uma Cola, de tal forma o popular desceu à cave do popularucho. As liberdades permitidas pelo seu álbum “Liberté” estatelaram-se na permissividade. Imaginem um Manu Chao de refugo. Kad Achouri nem sequer foi pândego.
No fecho do festival, os The Skatalites vieram da Jamaica e não interromperam por um só minuto a sua descarga de “Ska” mesclada de rhythm ‘n’ blues. Verdade seja dita que o ritmo se manteve inalterável do princípio ao fim o que, se serviu às mil maravilhas a sua finalidade dançante, matou, por outro lado, qualquer veleidade em fazer algo mais subtil. O fogo de artifício – este ano também em regime económico e menos espetacular do que tem sido hábito – interrompeu a música um pouco a despropósito mas nada pareceu perturbar a boa onda que caracteriza o Músicas do Mundo.
Bom seria que para o ano se repensasse o rumo que este festival tenciona tomar. É que música de qualidade e com menos concessões não é incompatível com a adesão das massas, como de resto as anteriores edições já fizeram questão de demonstrar.

EM RESUMO
O festival Os Kronos Quartet, apesar do baixo volume de som, salvaram o terceiro e último dia do Músicas do Mundo mas a festa veio com os The Skatalites. Kad Achouri foi para esquecer.

Danças Ocultas + Simentera + Ustad Mahwash & Kaboul Ensemble + Mahotella Queens + Totonho & Os Cabra + Kronos Quartet + Kad Achouri + The Skatalites +”Músicas Do Mundo Entram No Castelo De Sines” (concertos / festivais / artigo de opinião)

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quinta-feira, 24 Julho 2003


Músicas do Mundo entram no Castelo de Sines

Em Sines a “world music” está bem guardada no castelo, palco da 5ª edição do Músicas do Mundo. Com os Kronos Quartet a radicalizarem o conceito de “fusão” que caracteriza a linha musical do festival



As Mahotella Queens, da África do Sul, levam a Sines as músicas e as tradições do Soweto, representadas pelo estilo “mbaqanga”

Sines, o castelo, o fogo-de-artifício a iluminar o espetáculo da última noite. A música derramando-se para dentro e para fora das ameias do castelo. Instrumentos e vozes exóticos em contraponto ao som das ondas do mar. O festival Músicas do Mundo, que hoje começa na cidade alentejana de Sines, é tudo isto e muito mais.
“Isto” chama-se mística, um especial eco que certos acontecimentos, pessoas e lugares são capazes de desencadear. Em Sines, a mística faz-se da comunhão e do convívio com a música e a história. Com a pedra, a areia, a água (e o peixe, acabado de saltar diretamente do anzol para o grelhador) e os sons da “world music”.
O “muito mais” depende do programa. Que, regra geral, é bom. O desta 5ª edição não é exceção. O Músicas do Mundo ganhou prestígio e não brinca em serviço.
Quinta-feira. Como é hábito, há o banquete de inauguração, a preparar o corpo e o espírito para as libações da noite. Os olhos, já brilhantes, e os ouvidos, já despertos, receberão em primeiro lugar, e convenientemente, os Danças Ocultas, grupo de acordeões diatónicos sob a direção de Artur Fernandes. “Fazemos nova música com um instrumento antigo”, diz Fernandes, acrescentando que, ao invés de exibições de virtuosismo, o grupo prefere “explorar o lado expressivo do instrumento e comunicar através da emoção coletiva”. Em Sines vão ter a companhia dos convidados Rui Júnior (percussões), Gabriel Gomes (acordeão) e Edu Miranda (bandolim), na apresentação de material a incluir no próximo álbum, a sair em Outubro.
Sem quebrar os laços de fidelidade os ligam à sua terra natal, Cabo Verde, os Simentera levam a Sines as velhas formas de canto tradicional do arquipélago adaptadas às formas de vida e cultura de Cabo Verde contemporâneo. O seu quinto álbum, a apresentar no Músicas do Mundo, tem por título “Tr’adicional”.

Rainhas do Soweto
Sexta-feira, a agulha da bússola aponta para o Afeganistão. Formados em Genebra em 1995, o Ensemble Kaboul dedica-se à recuperação da música tradicional afegã nas três principais modalidades: o ghazal (influenciado pelo raga indiano), a popular e a pachtoun, típica da etnia dominante. O exotismo da cultura e da instrumentação (tablas, rubab, tula, harmónio…) não deverão distrair nem da integridade do trabalho nem da voz da cantora Ustad Mahwash. Em Sines, o Ensemble apresentará o novo projeto “Rádio Kaboul, Tributo aos Compositores Afegãos”.
Desvio para a África do Sul, de fortes tradições na música vocal “a capella”. É de lá que chegam as rainhas Mahotella Queens. Começaram por acompanhar o cantor Mahlathini, tornando-se presença regular no circuito musical do Soweto dos anos 60, projetando-se, a partir daí, para uma carreira internacional que atingiu o zénite em 2000, com a atribuição ao grupo, pela cooperativa Womex, do prémio “World music artist of the year”. O seu estilo, denominado “mbaqanga”, integra elementos de música tradicional zulu, gospel, ritmos elétricos e soul americana.
A noite de sexta encerra com Totonho & Os Cabra, grupo brasileiro oriundo do Nordeste. Sons livres, como os de Lenine, que os apadrinhou, e de Tom Zé. “Manguebeat”, electro, salsa, funk, rock, misturam-se na paleta dos Cabra, e a palavras que retratam a realidade social do país. O chefe Totonho já escreveu canções para Chico César e afirma: “Sou melhor compositor. Eu parto da palavra, daí faço uma frase, desmancho, faço outra, mudo, transformo, busco um sinónimo… Sou um tipo de pedreiro que vai quebrando um tijolo até ele caber em sua construção.” Totonho deverá deixar intactas as ameias do castelo.

O feitiço do tempo
Sábado, contar-se-á o tempo pelos Kronos Quartet cuja presença neste festival alguns acharão estranha. Os Kronos Quartet, já com 30 anos de carreira, são um grupo de cordas contemporâneo e o seu conceito de “música do mundo” não é exatamente o da ortodoxia, como se pode verificar em álbuns como ”Pieces of Africa”, “Caravan” e o novo “Nuevo”, com as suas especialíssimas interpretações da música do México, que vai estar no centro do concerto.
Noite de violinos, violas e violoncelos para escutar candidamente sob as estrelas? Nem por sombras. O Kronos domina o tempo a seu bel-prazer, quebrando as noções convencionais da música de câmara com irrupções de eletrónica, sampling e um sentido, por vezes arrasador, de experimentação iconoclasta.
Kad Achouri, que atua a seguir, nasceu em França há 33 anos, filho de pais argelinos. Mas foi em Londres que desenvolveu o seu estilo particular de fusão onde o “groove” nasce do equilíbrio entre o jazz, a canção francesa e as tonalidades étnicas. “Liberté”, álbum de estreia editado no ano passado, reflete algumas das suas preocupações sociais: “Tenho a impressão de que a cidadania já não existe. Tornou-se um pouco ‘eu consumo, eu sou’, o resultado do capitalismo selvagem que favorece o individualismo em detrimento da noção de partilha.”
Mas como nem tudo é consumismo e capitalismo selvagem, o Músicas do Mundo termina festivamente com uma sessão de “reggae” por uma das suas bandas históricas e mais carismáticas, os Skatalites, formados em 1962. A música do grupo, radicando embora nas típicas síncopes da Jamaica, assimilou o rhythm ‘n’ blues e a música tradicional africana. O título do álbum de 1998, “Ball of Fire”, evoca toda a energia do rock ‘n’ roll. Os Skatalites não andam lá longe. São fogo. E assim, as “músicas do mundo” de Sines arderão, uma vez mais, no abraço entre as bolas de chamas multicolores que chovem do céu e os sons em brasa que salpicam o castelo.

Hoje
DANÇAS OCULTAS + SIMENTERA

Amanhã, dia 25
USTAD MAHWASH & KABOUL ENSEMBLE + MAHOTELLA QUEENS + TOTONHO & OS CABRA

Sábado, 26
KRONOS QUARTET + KAD ACHOURI + THE SKATALITES
SINES, castelo
Às 21h30. Tel. 269632204. Bilhetes a 2 euros