Arquivo de etiquetas: Kevin Burke

Vários – “A Galope Na Tradição” (folk europeia)

pop rock >> quarta-feira, 14.04.1993


A GALOPE NA TRADIÇÃO

Imparável o ritmo de lançamento de novos compactos de música folk europeia no nosso país. Entre novidades e reedições de obras antigas. Na medida do possível (faltam páginas…), tentaremos escrever sobre todos. Mas para que os fanáticos (como é o caso deste vosso amigo…) e os impacientes (idem, idem…) vão deitando contas à vida, aqui vai a listagem, com as respectivas classificações, do que foi ouvido, já se encontra disponível no mercado (em quantidades suficientes ou não, essa é outra questão…) e vale a pena destacar. Do (6), para os que gostam de ter tudo, aos (8), (9) e (10), de aquisição imprescindível.



Assim, a começar pelas reedições, e por ordem alfabética: Blowzabella, “A Richer Dust” (Plat Life), a obra fundamental do grupo liderado pelo mago da sanfona, Nigel Eaton (10); Fuxan Os Ventos, “Noutrora” (Fonograma), espanhóis de costela galega, um pouco irregulares, que deram nas vistas nos anos 70 (7); John Kirkpatrick, “Plain Capers” (Topic), para os aficionados de “morris dancing” (7); Maddy Prior & Tim Hart, “Folk Songs of Olde England”, vol. 1&2, (Mooncrest) da era anterior aos Steeleye Span (5) e (6); Milladoiro, “Solfafria” e “Galicia no Pais das Maravillas”, da fase Columbia, mais internacionalista. No primeiro colaboram um grupo de pandeiretas e coros femininos (9) e (8); Peter Bellamy, “The Transports” (Topic), a ópera folk pelo malogrado cantor, na companhia de uma galáxia de estrelas – June Tabor, Martin Carthy, Nic Jones, Cyril Tawney, Dave Swarbrick, Watersons, entre outras (8); Richard Thompson, “Strict Tempo” (Hannibal), álbum de instrumentais, de Ellington às “Barn Dances”, para nós de longe o eu melhor (9); Shirley Collins, “No Roses” (Mooncrest), aventura folk rock de sabor “morris” por uma das grandes vozes femininas inglesas, com Ashley Hutchings e os supermúsicos da Albion Country Band (7).
No capítulo das novidades temos: Boys of the Lough”, “The Fair Hills of Ireland” (Lough), comemoração dos 25 anos de carreira de uma das instituições folk irlandesas (7); Cherish the Ladies, “The Back Door” (Green Linnet), grupo constituído só por senhoras, resposta às escocesas Sprageen (7); Chieftains, “The Celtic Harp” (RCA Victor), dedicado ao mais antigo instrumento tocado na Irlanda (8); Dolores Keane, “Solid Gronud” (Shanachie), a voz das vozes, cada vez mais afogada no “mainstream2 (5); Gwenva, “Le Paradis des Celtes” (Ethnic), bretões, com as bombardas de Jean Baron (8); Heather Heywood, “By Yon Castle Wa” (Greentrax), uma bonita voz da Escócia, apoiada pelos ex-Battlefield Brian McNeill e Dougie Pincock (6); Kevin Burke, “Open House” (Green Linnet), idiossincrasias várias pelo antigo violinista dos Bothy Band e Patrick Street (8); Lo Jai, “Acrobates et Musiciens” (Shanachie), uma das maravilhas do ano, texto extenso já na próxima semana (10); Mary Bergin, “Feádoga Stáin 2”, que é como quem diz, “tin whistle” em gaélico (7); Paddy Keenan, “Port Na Phiobaire” (Gael-Linn), outro ex-Bothy Band, neste caso o “possesso das “uillean pipes” (8); Paul McGrattan, “The Frost is all over” (Gael-Linn), um trabalho de flauta (7); Sharon Shannon, “Sharon Shannon” (Solid), “miss” acordeão, rival de Mairtin O’Connor, em corrida pelo mundo – inclui uma versão de um “corridinho” algarvio, o mesmo que aparece na 3246ª variante de “Bringin’ It all back Home” (8); Tannahill Weavers, “The Mermaid’s Song” (Green Linnet), sempre em forma, estes escoceses de boa cepa (8); Vários, “Heart of the Gaels”, “sample” de última fornada da Green Linnet (8); Vários, “Chapitre 2” (Revolum), mostruário de vários nomes da música occitana, da Gasconha, Provença e Limousin, entre os quais os Lo Jai. Sons inuisitados, grandes grupos e vozes a descobrir (9); Whistlebinkies, “Anniversary” (Claddagh), 74 minutos de música excepcional, num “o melhor de “ que comemora as bodas de prata do grupo mais injustiçado da Escócia – atenção a um grande tocador de “highland pipes”, Rob Wallace. Um quarteto de harpa entre os convidados. Texto desenvolvido para a semana (10).
Finalmente, para aguçar o apetite: os (ou as…) Varttina, da Finlândia, muito badaladas pela “Folk Roots”, com “Seleniko” (Spirit) (8), do qual apenas chegou por enquanto uma amostra, são mais uma banda-revelação proveniente da Escandinávia. Prestes a chegar estão “Cartas Marinas”, de Emilio Cao, “Lubican”, dos La Musgana, “Winter’s Turning” (Plant Life), de Robin Williamson, ex-Incredible String Band tornado bardo da harpa e “Aa Úna” (Claddagh), primeira onda de choque provocada por “Vox de Nube”, gravado numa igreja por um grupo coral misto, com acompanhamento instrumental, de música irlandesa dos primeiros séculos da era cristã.

Patrick Street – “All In Good Time” + Kevin Burke – “Open House”

Pop Rock

5 MAIO 1993
WORLD

A IRLANDA AO PÉ DA RUA

PATRICK STREET
All in Good Time (9)
CD Special Delivery, import. VGM


ps

KEVIN BURKE
Open House (8)
CD Green Linnet, distri. Megamúsica


kb

Irlanda e Portugal são dois países parecidos em mais do que um aspecto. Em matéria de música tradicional, contudo, é como se pertencessem a galáxias diferentes. Enquanto em Portugal se contam pelos dedos os músicos desta área activos e de boa craveira técnica, na Irlanda há-os às centenas, senão aos milhares, nestas condições. Porquê tal disparidade? Porque na Irlanda aprende-se desde pequenino a prezar o passado, a amar a música, a encorajar a sua prática, através do ensino e de muito trabalho. Em Portugal é o que se sabe – a música tradicional é considerada um género menor. Por isso, na Irlanda a tradição mantém-se viva de geração para geração, no campo e na cidade, em cada esquina e em cada rua. Por isso, em Portugal sai um disco decente de cinco em cinco anos, e na Irlanda dezenas em cada semana, passe o exagero. Em quase todas as cidades da Irlanda existe uma Patrick Street, em homenagem ao santo, St. Patrick, que converteu o país ao cristianismo. Patrick Street é igualmente o nome de um violinista que, conta a lenda, antes de morrer terá confessado o seu maior sonho: ouvir uma banda formada por Kevin Burke, Jackie Daly, Andy Irvine e Arty McGlynn. O seu sonho tornou-se realidade. Após dois álbuns de antologia com esta formação, “Patrick Steet” e “No. 2”, mais um epílogo em jeito de concessão e com tiques de supergrupo, “Irish Times”, os Patrick Street deram o assunto por encerrado. Até 1993, ano da ressurreição. Os resultados justificam a reunião deste quarteto de sonho, que conta no currículo dos seus elementos com o mestrado nas instituições Planxty (Andy, Arty), Bothy Band (Kevin) e De Dannan (Jackie, Arty). “All in Good Time” espanta pela frescura, como se a música da Irlanda acabasse de ser inventada. Depois, percebe-se a fluência imensa do discurso, uma sensação de facilidade que permite aos músicos conseguirem as maiores proezas técnicas com a agilidade de acrobatas. Ady Irvine continua mestre na arte das vocalizações “soft” que foram imagem de marca dos Planxty. “A prince among men”, “The pride of the springfield road”, “The girls along the road” e “Carrowclare” justificam por si sós a elevada qualidade de um álbum que, no capítulo instrumental, é simplesmente imaculado. Para a perfeição faltará talvez o pico de ousadia que eleva um pouco mais alto o compêndio “The Fire Aflame”. Kevin Burke, o violinista da banda, por seu lado, arriscou algumas saídas da ortodoxia neste seu terceiro álbum instrumental a solo, fora das habituais sequências de danças tradicionais. Uma das curiosidades de “Open House” é a base rítmica formada exclusivamente pelo “step dancing” de Sandy Silva. Três momentos rompem de forma maravilhosa com a continuidade da “Irish traditional music” que vem chegando às toneladas ao nosso país: “Frailach”, um diálogo feito de subtilezas e ecos mediterrânicos entre o cistre de Paul Kotapish e o clarinete de Mark Graham, uma série de “bourées” de aroma medieval apoiados no ritmo do sapateado e uma nostálgica despedida em cadência de valsa, “La partida”, de novo com o clarinete em destaque. Mark Graham, além do clarinete, instrumento solista pouco vulgar na música irlandesa, faz prodígios com a harmónica (escute-se com redobrada atenção “Crowley’s reel”), que toca com um fraseado equivalente ao do violino, nalguns temas, ou do acordeão, noutros. O violino de Kevin Burke, quase nem vale a pena dizê-lo, é um portento de sensibilidade e de técnica. A Irlanda não pára de nos espantar.

Patrick Street
Kevin Burke – torrent