JOHNNY WINTER
Let Me In
LP / MC / CD, Virgin, distri. Edisom
Dir-se-ia que nunca cortou o cabelo. Não faz mal enquanto, por detrás da imagem do avozinho “freak” com o corpo tatuado, Johnny Winter permanecer fiel à beleza rude dos “blues” e souber responder às tareias do destino com o griot de uma guitarra. Moldado na forma que determina os verdadeiros duros, segundo a máxima do “antes quebrar que torcer”, o albino de coração negro continu a aensinar aos mariquinhas como é. “Life is hard”, diz ele – e é verdade. A guitarra certeira, com o saber e a acutilância acumulados por anos de experiência, dispara à queima-roupa, sem segundas intenções nem terceiros sentidos. São “blues” a valer, em baladas como “Hey you” ou com a crueza pantanosa do Bayou, na ferida final de “Let me in”. “If you got a good woman” mostra até que ponto o velho feiticeiro sabe pôr uma guitarra a chorar. O rock ‘n’ rol de “Sugarre” (com Dr. John ao piano) serve para aliviar a tensão. O homem está há tanto tempo lá fora. Devagar e com cuidado, deixem-no entrar. (6)
Praticamente desconhecido, mesmo dos mais conhecedores da música progressiva dos anos 70, o nome de Fuschia conquistou, volvidas três décadas, o estatuto de culto, sendo a edição original em vinil do seu único álbum uma raridade. “Fuschia”, editado em 1971, surge agora com uma capa cartonada e sem menção da editora. A gravação leva a fidelidade ao som original ao ponto de reproduzir os ruídos de um vinil já com algum uso… Não, não se trata de qualquer figura de estilo de mais um disco chique de hip hop mas tão só de uma transição de má qualidade. Passemos então adiante, ficando apenas o registo da existência deste estranho objecto desenterrado de um passado esquecido?
Seria assim se “Fuschia” não fosse, como é, um daqueles álbuns possuidores de um estranho fascínio, como se transportasse consigo o perfume de algo realmente valioso. Os Fuschia eram um sexteto acústico onde pontificavam as vozes dos seus três elementos femininos, Janet Rogers, Vanessa Hall Smith (ambas também violinistas) e Madeleine Bland (que também tocava violoncelo, piano e órgão de pedais). Três rapazes encarregavam-se do formato normal guitarra-baixo-bateria, com Tony Durant, o guitarrista, também encarregado das partes vocais. Tocavam um folk-rock gótico de tonalidades sombrias, e contavam histórias de assustar, com castelos perdidos na bruma, paixões bizarras e seres sobrenaturais. Por vezes a música lembra os Comus, de “First Utterance”, noutras os Spirogyra, noutras ainda vem à memória o registo mais doce dos Tudor Lodge, dos Trader Horne e dos Storyteller, com o mesmo gosto pela fábula surreal que Peter Gabriel encetou com os Genesis em “From Genesis to Revelation”. Pode ver-se nesta música (ouça-se com atenção um tema como “A tiny book”, um cruzamento dos Kinks com folk e psicadelismo) uma antecipação ingénua de grupos como os Kula Shaker ou Gorky’s Zygotic Mynci. Ou simplesmente um livro de histórias coberto de poeira para abrir e folhear com cuidado capaz de excitar a curiosidade do melómano-arqueólogo. (Sem editora, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10)
Sem estranheza se qualquer espécie, além do facto de ser albino, o guitarrista Johnny Winter dedicava-se em 1969, como se dedicou (ele e o seu irmão Edgar Winter) durante toda a sua vida de músico, aos “blues”. Mas como a época era de progressivismos, era de bom tom acrescentar-lhe qualquer designação mais rebuscada que a “simples” raiz da música negra e do rock’n’roll. Johnny Winter chamou então a um dos seus trabalhos, “The Progressive Blues Experiment”, uma série de blues eléctricos da sua autoria (mas também versões, como “It’s my own fault”, de Muddy Waters), que acima de tudo deixavam bem vincadas as suas extraordinárias qualidades de guitarrista. Por vezes excitante, sempre carregado de energia (1969 foi, de resto, um ano em que a música parecia querer explodir a cada instante…), “The Progressive Blues Experiment” ficou como um bom exemplo de um movimento, o blues progressivo, que vingou sobretudo em Inglaterra (Graham Bond, Alexis Korner…), onde atingiu o zénite em dois álbuns seminais de John Mayall: “Bare Wires” e “Blues from Laurel Canyon”. (BGO, distri. Megamúsica, 7/10)
Já em plena decadência do progressivo e com o punk a martelar em pleno, ainda havia gente, como os alemães Frumpy, que acreditava que a salvação do rock estava em perder 10 minutos em cada faixa com solos de órgão ou de guitarra e na adaptação de técnicas de execução sacadas á música sinfónica. “Frumpy 2”, de 1976, é considerado o álbum clássico do grupo e há mesmo quem o inclua numa lista dos melhores de sempre do “krautrock” (como os autores da enciclopédia “A Crack in the Cosmic Egg”). Digamos que o “krautrock” não sai propriamente dignificado com esta nomeação, nem os quatro longos temas que aqui correm numa cavalgada de solos a seguir a solos conseguiram fazer com que os fãs dos Deep Purple ou dos Uriah Heep trocassem a adoração por estas bandas pelos Frumpy. Há no entanto momentos de rock sinfónico (ugh!) bem conseguidos e a voz rouca da vocalista Inga Rumpf (que ganhou alguma notoriedade na banda de que fez parte a aseguir, os Atlantis) até conseguirá eriçar alguns pêlos aos entusiastas do hard rock… (Repertoire, distri. Megamúsica, (6/10)
E já que se falou em punk, concentremo-nos em “Hypnotised”, segundo álbum (1980) dos irlandeses The Undertones que, por acaso, nem eram punks mas uma banda do que então se designava “power pop”. A voz de Feargal Sharkey soava aqui tão grande como o seu nariz e “Hypnotised” está repleto de hinos aos rapazes e às raparigas que contam as pequenas alegrias e dramas da vida nos subúrbios em canções directas com melodias, por vezes, viciantes. Como “My perfect cousin”, editado em single e que se tornou um sucesso de vendas, a tal que fala de Kevin, o primo “perfeito” da “upper class”, a quem a mãe ofereceu um sintetizador e, como brinde, os Human League, para o ensinarem a tocar. (Dojo, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10).
Fechemos este artigo com uma descida à cave. Para ouvir o rugido que sai das profundezas da música de Jeff Greinke, compositor norte-americano intérprete da vertente mais telúrica da música electrónica. Greinke aprendeu com os ensinamentos de Brian Eno, em “On Land”, só que, em vez da superfície, escolheu como local de meditação, os abismos do interior da terra. “Over Ruins” e “Moving Climates” (agora juntos no mesmo CD) pertencem à sua discografia dos anos 80, tendo sido editados antes, respectivamente em 1985 e 1986, apenas em cassete. O que significa que estão mais próximos das texturas densas de “Timbral Planes” do que da clonagem das paisagens do quarto mundo de Jon Hassell de “Big Weather”. Aqui os sintetizadores de Jeff Greinke eram ainda feitos de pedra, electricidade e lava, fazendo estremecer o solo como os passos de um gigantesco dinossauro. O lado nocturno da música de Steve Roach. (Raum 312, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8/10).
12.05.2000
Reedições
Fábulas Góticas
Praticamente desconhecido, mesmo dos mais conhecedores da música progressiva dos anos 70, o nome dos Fuchsia conquistou, volvidas três décadas, o estatuto de culto, sendo a edição original em vinil do seu único álbum uma raridade. “Fuchsia”, editado em 1971, surge agora com uma capa cartonada e sem menção da editora. A gravação leva a fidelidade ao som original ao ponto de reproduzir os ruídos de um vinil já com algum uso… não, não se trata de qualquer figura de estilo de mais um disco chique de hip hop mas tão só de uma transcrição de má qualidade. Passemos então adiante, ficando apenas o registo da existência deste estranho objecto desenterrado de um passado esquecido?
Seria assim se “Fuchsia” não fosse, como é, um daqueles álbuns possuidores de um estranho fascínio, como se transportasse consigo o perfume de algo realmente valioso. Os Fuchsia eram um sexteto acústico onde pontificavam as vozes dos seus três elementos femininos, Janet Rogers, Vanessa Hall Smith (ambas também violinistas) e Madeleine Bland (que também tocava violoncelo, piano e órgão de pedais). Três rapazes encarregavam-se do formato normal guitarra-baixo-bateria, com Tony Durant, o guitarrista, também encarregado das partes vocais. Tocavam um folk-rock gótico de tonalidades sombrias, e contavam histórias de assustar, com castelos perdidos na bruma, paixões bizarras e seres sobrenaturais. Por vezes a música lembra os Comus, de “First Utterance”, noutras os Spirogyra, noutras ainda vem à memória o registo mais doce dos Tudor Lodge, dos Trader Horne e dos Storyteller, com o mesmo gosto pela fábula surreal que Peter Gabriel encetou com os Genesis em “From Genesis to Revelation”. Pode ver-se nesta música (ouça-se com atenção um tema como “A tiny book”, um cruzamento dos Kinks com folk e psicadelismo) uma antecipação ingénua de grupos como os Kula Shaker ou Gorky’s Zygotic Mynci. Ou simplesmente um livro de histórias coberto de poeira para abrir e folhear com cuidado capaz de excitar a curiosidade do melómano-arqueólogo. (Sem editora, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10).
Sem estranheza de qualquer espécie, além do facto de ser albino, o guitarrista Johnny Winter dedicava-se em 1969, como se dedicou (ele e os eu irmão Edgar Winter) durante toda a sua vida de músico, aos “blues”. Mas como a época era de progressivismos, era de bom tom acrescentar-lhe qualquer designação mais rebuscada do que a “simples” raiz da música negra e do rock ‘n’ roll. Johnny Winter chamou então a um dos seus trabalhos, “The Progressive Blues Experiment”, uma série de blues eléctricos da sua autoria (mas também versões, como “It’s my own fault”, de Muddy Waters), que acima de tudo deixavam bem vincadas as suas extraordinárias qualidades de guitarrista. Por vezes excitante, sempre carregado de energia (1969 foi, de resto, um ano em que a música parecia querer explodir a cada instante…), “the Progressive Blues Experience” ficou como um bom exemplo de um movimento, o blues progressivo, que vingou sobretudo em Inglaterra (Graham Bond, Alexis Koner…), onde atingiu o zénite em dois álbuns seminais de John Mayall: “Bare Wires” e “Blues from Laurel Canyon”. (BGO, distri. Megamúsica, 7/10).
Já em plena decadência do progressivo e com o punk a martelar em pleno, ainda havia gente, como os alemães Frumpy, que acreditava que a salvação do rock estava em perder 10 minutos em cada faixa com solos de órgão ou de guitarra e na adaptação de técnicas de execução sacadas à música sinfónica. “Frumpy 2”, de 1976, é considerado o álbum clássico do grupo e há mesmo quem o inclua numa lista dos melhores de sempre do “krautrock” (como os autores da enciclopédia “A Crack in the Cosmic Egg”). Digamos que o “krautrock” não sai propriamente dignificado com esta nomeação, nem os quatro longos temas que aqui correm numa cavalgada de solos conseguiram fazer com que os fãs dos Deep Purple ou dos Uriah Heep trocassem a adoração por estas bandas pelos Frumpy. Há no entanto momentos de rock sinfónico (ugh!) bem conseguidos e a voz rouca da vocalista Inga Rumpf (que ganhou alguma notoriedade na banda de que fez parte a seguir, os Atalntis) até conseguirá eriçar alguns pêlos aos entusiastas do hard rock… (Repertoire, distri. Megamúsica, 6/10).
E já que se falou em punk, concentremo-nos em “Hypnotised”, segundo álbum (1980) dos irlandeses The Undertones que, por acaso, nem eram punks mas uma banda do que então se designava “power pop”. A voz de Feargal Sharkey soava aqui tão grande como o seu nariz e “Hypnotised” está repleto de hinos aos rapazes e às raparigas que contam as pequenas alegrias e dramas da vida nos subúrbios em canções directas com melodias, por vezes, viciantes. Como “My Perfect Cousin”, editado em single e que se tornou um sucesso de vendas, a tal que fala de Kevin, o primo “perfeito” da “upper class”, a quem a mãe ofereceu um sintetizador e, como brinde, os Human League para o ensinarem a tocar. (Dojo, import. Lojas Valentim de Carvalho, 7/10).
Fechemos este artigo com uma descida à cave. Para ouvir o rugido que sai das profundezas da música de Jeff Greinke, compositor norte-americano intérprete da vertente mais telúrica da música electrónica. Greinke aprendeu com os ensinamentos de Brian Eno, em “On Land”, só que, em vez da superfície, escolheu como local de meditação, os abismos do interior da terra. “Over Ruins” e “Moving Climates” (agora juntos no mesmo CD) pertencem à sua discografia dos anos 80, tendo sido editados antes, respectivamente em 1985 e 1986, apenas em cassete. O que significa que estão mais próximos das texturas densas de “Trimbal Planes” do que da clonagem das paisagens do quarto mundo de Jon Hassell de “Big Weather”. Aqui os sintetizadores de Jeff Greinke eram ainda feitos de pedra, electricidade e lava, fazendo estremecer o solo como os passos de um gigantesco dinossauro. O lado nocturno da música de Steve Roach. (Raum 312, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8/10).