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John Surman – “Road To Saint Ives”

Pop-Rock / Quarta-Feira, 06.03.1991


JOHN SURMAN
Road To Saint Ives
LP / CD, ECM, distri. Dargil



Explica-se na capa que a música deste disco se inspirou nas paisagens e história do condado da Cornualha, em Inglaterra. As suas lendas e um dialecto próprio mantido vivo até ao século passado fascinaram John Surman ao ponto de dedicar um disco inteiro a uma estrada dessa região. As faixas têm os mesmos nomes estranhos e mágicos das povoações que assombram a senda para Saint Ives: “Tintagel”, “Mevagissey”, “Lostwithiel”, “Marazion”, “Bedruth steps”. Viagem pelo imaginário celta (já anteriormente recuperado por Surman num disco anterior à fase ECM – “Westering Home”) e pelo lirismo arrebatado dos saxofones e clarinete baixo de um dos seus mestres incontestados. Sopros que sozinhos contam histórias ancestrais, no diálogo que consigo próprios mantêm, feito de ecos e ritmos circulares (“Lostwithiel”, “Perranporth”, “Kelly Bray”). Noutras paragens sobressaem a grandiosidade do órgão litúrgico, em “Tintagel”, ou nas cintilações electrónicas repetitivas que o músico adoptou a partir de “The Amazing Stories of Simon Simon”, como em “Bodmin Moor”, “Piperspoool” e “Bedruthan sterps”. Cada vez mais afastado de uma estética propriamente jazzística (num percurso semelhante, dentro da mesma editora, ao de Jan Garbarek), John Surman prossegue na demanda de uma beleza despojada, buscando o ponto exacto, como pensava Platão, onde essência e forma se confundem. ****

John Surman – “Road To Saint Ives”

Pop-Rock / Quarta-Feira, 06.03.1991


JOHN SURMAN
Road To Saint Ives
LP / CD, ECM, distri. Dargil



Explica-se na capa que a música deste disco se inspirou nas paisagens e história do condado da Cornualha, em Inglaterra. As suas lendas e um dialecto próprio mantido vivo até ao século passado fascinaram John Surman ao ponto de dedicar um disco inteiro a uma estrada dessa região. As faixas têm os mesmos nomes estranhos e mágicos das povoações que assombram a senda para Saint Ives: “Tintagel”, “Mevagissey”, “Lostwithiel”, “Marazion”, “Bedruth steps”. Viagem pelo imaginário celta (já anteriormente recuperado por Surman num disco anterior à fase ECM – “Westering Home”) e pelo lirismo arrebatado dos saxofones e clarinete baixo de um dos seus mestres incontestados. Sopros que sozinhos contam histórias ancestrais, no diálogo que consigo próprios mantêm, feito de ecos e ritmos circulares (“Lostwithiel”, “Perranporth”, “Kelly Bray”). Noutras paragens sobressaem a grandiosidade do órgão litúrgico, em “Tintagel”, ou nas cintilações electrónicas repetitivas que o músico adoptou a partir de “The Amazing Stories of Simon Simon”, como em “Bodmin Moor”, “Piperspoool” e “Bedruthan sterps”. Cada vez mais afastado de uma estética propriamente jazzística (num percurso semelhante, dentro da mesma editora, ao de Jan Garbarek), John Surman prossegue na demanda de uma beleza despojada, buscando o ponto exacto, como pensava Platão, onde essência e forma se confundem. ****

Legenda:
. Imperdoável
* Mau Mau
** Vá Lá
*** Simpático
**** Aprovado
***** Único

John Surman – “Free And Equal” + John Taylor, Marc Johnson, Joey Baron – “Rosslyn” + Tord Gustavsen Trio – “Changing Places” + Christian Wallumred Ensemble – “Sofienberg Variations”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 21 Junho 2003

A liberdade e a igualdade entre os homens, segundo John Surman, estendem-se ao jazz que se faz hoje na Europa. Da Inglaterra à Escandinávia, mudam-se os sons e troca-se de lugares.


O inglês romântico

JOHN SURMAN
Free and Equal
8 | 10

JOHN TAYLOR, MARC JOHNSON, JOEY BARON
Rosslyn
8 | 10

TORD GUSTAVSEN TRIO
Changing Places
7 | 10

CHRISTIAN WALLUMRED ENSEMBLE
Sofienberg Variations
7 | 10

Todos ECM, distri. Dargil



Começou por ser um dos avatares do novo jazz inglês dos anos 60/70, como elemento dos revolucionáros Trio e, a solo, assinando clássicos como “How Many Clouds Can you See?”, “Tales of the Algonquin” e “Westering Home” (fusão pioneira com ambiências célticas). A entrada para a ECM assinalou o início de um percurso que fazia a síntese entre a escola minimalista, a eletrónica e o jazz ambiental, numa série extensa de obras entre as quais se incluem “Upon Reflection”, “The Amazing Adventures of Simon Simon”, “Such Winters of Memory”, “Witholding Pattern”, “Private City” e “Road to St. Ives”.
Coincidindo com o abandono do sintetizador, instrumento que de início funcionou como principal elemento estruturador das sequências repetitivas mas que, progressivamente, se veio a revelar limitador de um discurso mais amplo, Surman encetou um percurso de regresso a um jazz, se não mais standardizado, pelo menos adequado a formatos instrumentais mais clássicos, fase de que é exemplar o álbum “Adventure Playground”, já dos anos 90.
Através da criação do coletivo The Brass Project (com John Warren) assiste-se a uma consequente ênfase numa escrita mais vasta, para big band, de que “Proverbs and Songs” e “Coruscating” tinham constituído já magnífica amostra. O novo “Free and Equal”, inspirado na Declaração dos Direitos Humanos, decretada pelas Nações Unidas em 1948, e gravado ao vivo no Queen Elizabeth Hall, em Londres, no concerto de abertura do Festival de Meltdown (de que Robert Wyatt foi o programador), reúne Surman (nos habituais saxofones soprano e barítono e clarinete baixo), Jack DeJohnette (bateria e piano) e a orquestra de metais London Brass, reatando-se deste modo uma colaboração entre estes dois músicos que remontava, no contexto da música de câmara, a um trabalho conjunto com os Balanescu Quartet.
“Free and Equal” alterna sequências instrumentais majestosas – por vezes timbricamente próximas das conceções de Carla Bley e Michael Mantler (“Groundwork”, “Sea change”), também de Michael Gibbs, ou completamente imbuídas do espírito do barroco e do pré-barroco (sendo que o reportório da London Brass tem em Gabrielli um dos seus compositores emblemáticos), como “Back and Forth”, onde também afloram as frases melódicas e o romantismo característicos de Surman, bem como o espírito de um Michael Nyman, em qualquer caso em sintonia com uma inequívoca “britishness” – e secções improvisadas. O equilíbrio ou, parafraseando o título, a liberdade e igualdade de direitos, entre ambas as vertentes é perfeito. Da escrita e texturas de banda larga com os diálogos mais soltos entre os dois solistas. Entre Surman, o melodista inesgotável (“Debased line” não é uma linha, é uma estrela), e DeJohnette, o “cantor” de ritmos. Notável.
Recolhamo-nos agora ao mais clássico dos clássicos formatos do jazz, o trio piano/contrabaixo/bateria, com John Taylor (piano), Marc Johnson (contrabaixo, o homem dos Bass Desires), Joey Baron (bateria, Mr. Downtown), em “Rosslyn”. Companheiro de Surman nos anos de descoberta e aventura da “free music” inglesa, no fantástico “Pause, and Think again”, fundador dos Azimuth, Taylor possui a introspeção de Paul Bley, a intuição melódica de Jarrett e uma parte da alma moldada por Bill Evans. “Rosslyn” oferece, em conformidade, o tom contemplativo e a nostalgia mas também a firmeza. E o impressionismo em desenho “new age” (não é um disco da Windham Hill mas quase parece…), no dulcíssimo título-tema.
Periodicamente o jazz escandinavo marca presença na ECM, desta feita ainda sob a égide do trio piano/contrabaixo/bateria, respetivamente às ordens de Tord Gustavsen, Harald Johnsen e Jarle Vespestad. “Changing Places” reforça a tecla Bill Evans de “Rosslyn”. São jardins e salões abandonados no fim das férias de Verão. Lembranças gravadas na areia que a maré apaga. O tempo e paixões esvaídas no eco de palavras imprecisas. Fica-se em silêncio, a escutar “Changing Places”, em lugares que geralmente associamos a canções.
Outra das marcas inconfundíveis da editora de Manfred Eicher, evidenciada sobretudo ao longo da última década, é uma abordagem classizante, mais ou menos regada por elementos étnicos, estética que, vinda destas latitudes, teve em Jan Garbarek e Edward Vesala os precursores. As “Sofienberg Variations” do Christian Wallumred Ensemble – Christian Wallumred (piano e “harmonium”), Nils Økland (violino, “hardanger fiddle”), Arve Henriksen (trompete) e Per Oddvar Johansen (bateria), com o convidado Trygve Seim (saxofone tenor) – representam a variante mais académica e sisuda do género, sem a luminosidade de um Terje Rypdal nem o humor de um Vesala, o que pode significar algum aborrecimento. Formalmente interessantes, falta fulgor a estas sarabandas, “small pictures” e uma “liturgia” com algo de messiaenico… Está certo que deve haver respeito quando se reza e estas “Sofienberg Variations” até conseguem fazer-nos ajoelhar quando o seu ofício verdadeiramente se aproxima do arrepio do Sagrado, como em “Psalm”, algures já no território sacro de uns Hilliard Ensemble. Mas manter a concentração e a elevação não significa esquecer o deslumbramento, o espanto e o riso que o contacto com transcendência também provoca. Aspeto em que estas variações variam pouco.