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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #25 – “Já alguém ouviu… (Victor Afonso)”

#25 – “Já alguém ouviu… (Victor Afonso)”

Victor Afonso
10.10.2001 140248

… o “Master Of Confusion”, disco de Irmin Schmidt (ex-CAN) e Kumo (da cena tecno)?

Ao que parece deram um excelente concerto no SONAR deste ano (o Junqueira viu-os e gostou) e o disco, pelo que tenho lido, é uma mistura muito inspirada entre os experimentalismos (ao piano!) de Schmidt e os devaneios electrónicos de Kumo.

Fernando Magalhães
10.10.2001 170536

Tenho esse disco. Nada de especial. O I. Schmidt toca piano como se estivesse a fazer um exercício de “vanguarda” no Conservatório, a querer provar qualquer coisa.
O Kumo desenrasca-se nas programações mas, no geral, “Master of Confusion” soa-me como um trabalho frio e mecânico, no sentido negativo do termo. Música sem alma, aritmética e, nalguns casos…vazia!

A única coisa de jeito que conheço do ex-teclista dos Can (e acho que ouvi todos os trabalhos dele a solo, incluindo a ópera “Gormenghast”) é o volume 3 das suas séries “Film Muzik”, o da capa amarela, nomeadamente os dois primeiros temas cantados, “Mary in a coma” e outro, ambos ao nível do melhor dos CAN.
Esse álbum faz parte do CD triplo “Soundtracks, 1978 -1993” (ed. Spoon).

FM

CAN(ibalismo) – 2ª parte

Blitz

3.10.89
VALORES SELADOS

CANIBALISMO
2ª PARTE

can

Depois de uma série de obras magistrais, «Saw Delight» marca o início da decadência. Holger Czukay, peça essencial no xadrez Can, abandona o grupo. Para o seu lugar entra Rosko Gee acompanhado do percussionista Rebop Kwaku Baah, ambos vindos dos Traffic. Com a saída de Czukay perdia-se para sempre o lado genial e excêntrico, ao mesmo tempo que se desfazia uma das melhores secções rítmicas de sempre da música popular contemporânea. A posterior obra a solo de Czukay viria a confirmá-lo. Este senhor de bigode e já entradote em anos era e continua a ser o experimentador e inovador por excelência. O génio incompreendido que transporta às costas o pesado fardo de fazer avançar a música do nosso século. «Saw Delight» é a antiapoteose; «Animal Waves» é o requiem final de despedida nostálgica da antiga magia, quinze minutos de derradeiro transe africano. Anos mais tarde o continente negro voltaria a reclamar em força os seus direitos. O grupo gravou ainda «Out of Reach», título premonitório das exéquias finais. Os Can foram dados oficialmente como extintos, A sua música continua porém a ser fonte inesgotável de inspiração para os músicos e grupos das novas gerações.

Lisboa decadente

Ainda vieram a Lisboa tocar no célebre concerto do Pavilhão dos Desportos, aquele que, para a história da música ao vivo em Portugal, ficou para sempre conhecido como o dia de glória dos portuenses Arte e Ofício. O público aplaudira a banda de Sérgio Castro e vaiara os germânicos que nem tiveram tempo de aquecer. Histórias para esquecer.
Os quatro músicos da formação essencial seguiram cada um o seu caminho. Com maior ou menor sucesso, nenhum deles deixou ficar mal o grupo-pai.

Guitarras, romantismo e batucadas

O teclista Irmin Schmidt foi o mais discreto. Gravou uma série de álbuns com música de filmes, todos intitulados «Filmmuzik», divididos em vários volumes. O melhor é o duplo que inclui os volumes 3 e 4. Dois temas vocalizados ao nível dos melhores de sempre dos Can: «She Makes me Nervous» e «Mary in a Coma», com a participação do fabuloso percussionista Trilok Gurtu. O resto é música instrumental, ultra-romântica, descritiva, essencialmente à base de piano. Schmidt é uma espécie de Wim Mertens mais robusto e rebuscado. Fez ainda parte do projecto Toy Planet, com o saxofonista Bruno Spoerri. O único álbum gravado oscila entre a electrónica ambiental e alguns ritmos mais dançáveis. O guitarrista Michael Karoli gravou um excelente álbum «Deluge», de parceria com Polly Eltes, uma menina de voz sensual, entre Annette Peacock e Laurie Anderson. A guitarra de Karoli permanece mais metálica e incisiva do que nunca.
Quanto ao percussionista Jaki Liebezeit, o seu caso é surpreendente. Formou os Phantom Band, já com meia dúzia de álbuns no activo. São os continuadores encartados do som típico dos Can. Mais electrónicos e bem-humorados que o original. Também mais experimentalistas. Ritmos acústicos e sintéticos, vozes hilariantes, temas superinspirados, fazem de «Nowhere», quinto disco de série, um disco essencial, indispensável não só para os incondicionais da família canibal. Registe-se ainda a participação de Liebezeit na obra-prima «Before and after Science» de Brian Eno.

Um excêntrico de génio

E eis-nos chegados a Holger Czukay, o maior entre os maiores. Czukay foi o pioneiro de muita coisa. Muito antes do aparecimento dos milagrosos samplers já ele se dedicava a entrecruza sons das mais diversas origens. Com meios artesanais e enormes doses de paciência e de talento. «Canaxis», gravado em 68 e originalmente editado no ano seguinte, é o seu primeiro disco a solo, gravado unicamente com o baixo e cassetes pré-gravadas. Em «Boat Woman Song», a voz de um cantor vietnamita sobressai de um fundo de baixo e música medieval. Brilhante.
«Movies», de 1979, é o extraordinário antecessor de «My life in the Bush of Ghosts» da dupla Eno/Byrne. «Oh Lord Give us More Money» ou «Persian Love» são verdadeiros tratados na arte da colagem sonora.
«On the Way to the Peak of Normal», terceiro a solo, é o único disco que nunca consegui ouvir. Quem o conhece afirma estar a nível dos restantes. Acredito plenamente. O seguinte, «Der Osten ist Rot» («O Oeste é Vermelho») de 84, é o disco mais heterogéneo da sua discografia. Canções pop, Rap, música concreta, interlúdios ambientais e uma delirante paródia ao hino nacional chinês, fazem deste disco uma espécie de cartilha de todas as direcções musicais exploradas pelo músico. «Rome Remains Rome» de 87, último até à data, é formalmente o seu disco mais tradicional. Os Blues e o reggae filtrados pela excentricidade do mestre. E uma ironia e humor constantes. Como em «Perfect World» ou «Blessed Easter» em que Czukay põe o pop star Wojtyla a cantar uma homilia em ritmo de blues, acompanhado por um grupo de freiras swingantes. O Vaticano não voltará a ser o mesmo.
Holger Czukay tem colaborado um pouco com toda a gente importante da música inteligente actual. Jah Wobble, Brian Eno, o duo alemão Cluster e David Sylvian são alguns dos músicos que com ele tiveram o privilégio de trabalhar. «Flux + Mutability», segundo da sua colaboração com Sylvian, foi recentemente editado e já se encontra entre nós, via importação. Já o ouvi e é excelente. Sobretudo o primeiro lado, uma continuação mais sofisticada das premissas estéticas enunciadas em «Canaxis».
Dos Can e dos seus quatro principais membros se poderá dizer que fizeram e ainda fazem História. O futuro da música continua a passar pela sua inspiração. Infelizmente hoje os canibais são outros, bem diferentes e sobretudo mais perigosos. Para a semana Christian Vander e os Magma.

Holger Czukay – Movies: aqui



Irmin Schmidt – Gormenghast

03.03.2000
Irmin Schmidt
Gormenghast (6/10)
Spoon, distri. Zona Música

irminschmidt_gormenghast

LINK (Irmin Schmidt And Kumo – Axolotl Eyes)

Para os amantes de música pesada, no sentido de pomposidade e excesso de gorduras, “Gormenghsat” e “The Insider” poderão constituir um menu apelativo. O primeiro é uma ópera composta pelo antigo teclista dos Can, Irmin Schmidt, sobre uma novel a de “ghotic fantasy” de Mervin Peake, onde se conta a ascensão e queda de um inteligente e pérfido ajudante de cozinha que chegara a senhor de um castelo, não sem que antes vá assassinando quem se lhe atravessa no caminho, incluindo o antigo senhor, viciado em ópio. Algo como o cruzamento de um conto de Edgar Allan Poe com um filme de Peter Greenway que Schmidt recheia com creme de electrónica chique, sequências pseudovanguardistas, do estilo Einsturzende Neubauten com patrocínio da Culturgest, o “soufflé” minimalista que Philip Glass confecciona para as suas 12 óperas anuais, canto lírico repleto de “transgressões” (gritos, onomatopeias) e até, para nos lembrar que fez parte dos Can, um groovezinho de reggae. Só que “Gormenghast” está nos antípodas dos Can. Se neste grupo as máximas a seguir eram a redução ao essencial, a improvisação e a comunicação quase telepáticas, e a predominância da sugestão sobre o espalhafato, aqui é o exibicionismo de meios e a grandiloquência a substituir a espontaneidade. Irmin já fez muito melhor, quer nos Can, onde desempenhava um papel fundamental, quer a solo, em alguns dos fabulosos achados incluídos na sua trilogia de “Film Musik”.