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Vários (Catarina Chitas, Matto Congrio, Paco Ibanez, Grupo de Cantares de Manhouce, Coro de Mulheres de Sófia) – “Maio, Maduro Maio” (festival | antevisão)

pop rock >> quarta-feira >> 28.04.1993


MAIO, MADURO MAIO

A vila do Seixal será cenário, no próximo mês, da 4ª edição do Festival Cantigas de Maio, iniciativa que visa fomentar uma acção culturalpopular e descentralizada que “tenha a rua como palco e como origem”. Durante nove dias, as artes tradicionais vão ocupar a margem sul do Tejo.



Teatro de rua, exposições, gastronomia regional e espectáculos de música integram o programa das Cantigas de Maio que vão decorrer entre 14 e 22 de Maio na vila do Seixal, sob a égide da José Afonso e com o apoio da Câmara Municipal do Seixal e da Região de Turismo da Costa Azul. No capítulo dos concertos musicais há bastante por onde escolher. Confirmadas estão as presenças dos galegos Matto Congrio, banda de um prodígio da gaita-de-foles chamado Carlos Nunes, que esteve presente no Festival Intercéltico do ano passado, como convidado dos Chieftains, agora de regresso com um som bastante mais fiel à tradição da Galiza; da cantora tradicional da Beira Baixa, Catarina Chitas, acompanhada pelo Coro de Adufes de Penha Garcia; e, num espectáculo que se prevê memorável, a realizar no último dia no largo da igreja, do Grupo de Cantares de Manhouce, com Isabel Silvestre; e do Coro de Mulheres de Sófia composto por 24 “grandes vozes búlgaras”, dirigidas por Zdravko Mihaylov.
Outros nomes que vão estar presentes no Cantigas de Maio são os Cantares ao Desafio, de Montalegre (sexta-feira, 14), a Orkest de Volharding, grupo de jazz tradicional holandês que conta no seu reportório com temas de José Afonso (sexta-feira, 21), outro agrupamento da Galiza, os Alfolies, que farão animação de rua com as suas gaitas-de-foles e percussões (sábado, 15), João Afonso (sábado, 15), Paco Ibanez, lendário cantor espanhol de música de intervenção (sexta-feira, 21) e o grupo de cantares e danças da ilha de Santo Antão, Kola San Kon, que traz ritmos, tambores e umbigadas de Cabo Verde (sábado, 22).
Do programa fazem também parte uma exposição de fotografia de Maurício de Abreu de genérico “Que a Voz não Te Esmoreça”, título que dá o mote ao festival, e uma mostra “multimédia” de José Teófilo Duarte (ambas na sexta-feira, 14, às 19h).
O teatro de rua estará a cargo do grupo Tanxarina, da Galiza, que apresentará o espectáculo “Titiricircus”, uma comédia com marionetas de fios e palhaços (domingo, 17), e dos Artimagem, do Porto, com “Estive quase Morto no Deserto…” (sábado, 22), num espectáculo que tem por palco as janelas e telhados das ruas centrais da vila.
Ocorrerão ainda três convívios: na segunda-feira, 17, com a noite do acordeão; na terça-feira, 18, com a noite da gaita de beiços; e na quarta-feira, 19, com a noite da guitarra portuguesa. Com petiscos surpresa a acompanhar. As entradas são livres em todos os espectáculos.

Catarina Chitas: sexta-feira, 14
Matto Congrio: sábado, 15
Paco Ibanez: sexta-feira, 21
Grupo de Cantares de Manhouce: sábado, 22
Coro de Mulheres de Sófia: sábado, 22
Todos os concertos têm início a partir das 22h, no largo da igreja

Vários – “Coro de Mulheres De Sófia Aquece No Seixal – Vozes Na Sauna”

cultura >> segunda-feira >> 24.05.1993


Coro de Mulheres De Sófia Aquece No Seixal

Vozes Na Sauna


Como de costume, as vozes femininas búlgaras falaram com Deus. Mas poucas vezes, como aconteceu domingo à noite na Sociedade Recreativa União Seixalense, essa interpelação da divindade terá sido tão encalorada. A falta de ventilação e a aglomeração de público numa sala pequena provocaram o sufoco num concerto em que também o Grupo de Cantares de Manhouce suou para chegar ao céu.

Estava previsto que o concerto decorresse no largo da igreja mas o medo da chuva manifestado oela organização do Festival Cantigas do Maio deslocou-o para um recinto fechado. Escolhida como alternativa, a Sociedade Recreativa União Seixalense foi pequena para acolher as muitas centenas de pessoas que vinham desejosas de participar na liturgia. Sala à cunha, deixando de forma uma pequena multidão que lutava para conseguir entrar. Lá dentro o calor, juntamente com a excitação, transformaram rapidamente a sala numa estufa. Nós, que perdêramos algum tempo até descobrirmos o novo local, desesperávamos no “hall” de entrada, hesitantes entre pedir licença e passar à frente de todos ou tentar arrombar à bruta a barreira humana que tapava a escada de acesso. Quando já tomávamos balanço aconteceu o primeiro milagre. Salvos pela organização que nos disponibilizou um lugar junto ao palco, a dois passos das cantoras.
O calor entretanto tornava-se insuportável. Os elementos do Grupo de Manhouce e do Coro de Mulheres de Sófia suavam as estopinhas nos bastidores, ainda por cima apertadas como estavam nos respectivos trajes típicos da Beira-Alta e dos Balcãs que, como se sabe, não são propriamente regiões quentes. O segundo milagre aconteceu no preciso momento em que a voz de Isabel Silvestre começou a cantar. O ardor da interpretação sobrepôs-se ao calor ambiente. Refrigério pelo fogo.
Durante o intervalo, o equilíbrio psíquico dos presentes voltou a dar indícios de vacilar. Em desespero de causa alguém abriu umas janelas minúsculas junto ao tecto, gesto que foi acompanhado por um brado de alívio, mais por sugestão que por um refrescamento real da temperatura. Ao microfone pedia-se que as pessoas se apertassem um pouco mais de maneira a permitir a entrada dos masoquistas que ainda permaneciam no exterior. Tudo a postos, atrás do palco. O maestro Zdravko Mihaylov prescindiu de amplificação e optou por uma actuação ao natural. E que actuação, meu Deus! Vinte e quatro vozes de mulheres vestidas a preceito e em harmonia perfeita encheram a sala e a sauna transformou-se no céu. “Lale li si, zumbul li si” – canto de amor tradicional da Trácia, pátria de Orfeu – abriu o concerto, que o maestro foi explicando aos berros num francês macarrónico: “Viajámos mais de 4 mil quilómetros para estar aqui e cantar para vocês”.
Depois sucederam-se as maravilhas, entre o esplendor dos trajes que por várias vezes foram mudados ao longo da noite, as coreografias e, claro, as vozes de ouro do coro, impulsionadas para o alto, nos cantos populares ou nos cantos litúrgicos ortodoxos, pelas várias solistas: Liliana Galevska, Ianka taneva, Stoyana Lalova, Kalinka Valtcheva… “a capella” ou acompanhadas por um trio instrumental. Numa “suite” de melodias populares houve oportunidade para escutar os compassos “impossíveis” da música tradicional búlgara, interpretados com mestria no “kaval” (flauta pastoril), na “gadoulka” (espécie de rabeca) e na “Tamboura” (mescla de bandolim e o alaúde).
Hoje à noite acontecerá o terceiro milagre: as vozes búlgaras das mulheres de Sófia voltam a falar com Deus, desta feita num local mais apropriado, em espectáculo extra, com bilhetes a mil escudos, a realizar pelas 22h nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, integrado no Dia da Cultura da Bulgária. Faça chuva ou faça sol, garante a organização.