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Vários (Festival Cantigas do Maio – edição 5) / Javier Ruibal – “No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal” (reportagem)

cultura >> segunda-feira >> 23.05.1994


No Seixal Tudo Mal Menos Ruibal

Falhou quase tudo na edição número cinco do festival Cantigas do Maio que no passado fim-de-semana terminou no Seixal. Falhou o tempo, falhou o som, falhou a electricidade, falhou o programa, falharam os músicos. Uma desilusão à qual escapou Javier Ruibal.



Muzsikas e El Cabrero, respectivamente nomes de cartaz de sexta e sábado no Cantigas do Maio, realizaram ainda há bem pouco tempo em Portugal prestações brilhantes. Os húngaros no festival Intercéltico do Porto, o cantor de flamenco no Teatro S. Luiz em Lisboa. No Seixal as coisas correram-lhes mal.
Márta Sebestyen, ao contrário do que estava anunciado, não veio. Ainda os problemas pós-parto, segundo parece, que têm levado sistematicamente a cantora a anular os seus espectáculos com o grupo. Em seu lugar esteve Ticiána Kazár, uma mocinha de dezassete anos com muito futuro, um penteado igual ao de Márta e uma voz que, por enquanto, não chega aos calcanhares da outra senhora. Num dos temas, precisamente do reportório de Márta, Ticiána tocou “tin whistle” e até desafinou um pouco, decerto por estar muito nervosa.
Quanto aos Muzsikas, com um alinhamento totalmente diferente do do Porto, faltou-lhes desta vez o pequeno “it” que por vezes é tudo: o “swing”, aquele balanço que transforma a técnica e a matemática dos ritmos em qualquer coisa de orgânico. Em seu lugar houve uma componente didáctica, com longas introduções, demonstrações (uma delas cheia de humor, quando Daniel Hámar exemplificou no seu contrabaixo de três cordas o esqueleto rítmico de certas danças, reduzindo a música ao típico binário ao qual alguém já chamou de “serrar presunto”) e explicações sobre os temas. O virtuosismo esteve lá, é evidente, mas deu sempre a ideia de que os músicos tacteavam em busca do ponto de encontro. Miháli Sipos, o maior tecnicista dos Muzsikas, manteve-se à altura de si próprio, executando um solo prodigioso, melhor até do que no Porto, no tema do diálogo com o “gardon”. Mas Sándor Csóori, o segundo “virtuose” dos Muzsikas, mostrou-se demasiado ansioso no solo de gaita-de-foles que antecedeu “The Train”, o tema de desbunda que no Porto fez furor, e numa longa sequência de improvisação em trio foi igualmente infeliz no violino. Para piorar as coisas, a energia faltou por duas vezes – o que obrigou os músicos a tocarem sem luz nem amplificação – e o som esteve bastante mal, metálico e cheio de estridências. Como se tudo isto não bastasse, na parte de trás da sala (vamos chamar sala ao caixote sem o mínimo de condições para se ouvir música que é a Sociedade União Seixalense…) elementos infiltrados da geração rasca fizeram opossível para perturbar, falando em voz alta, abrindo e fechando portas, enfim, compondo o ramalhete de confusão e desconforto.
A chuva encarregou-se de dar o golpe de misericórdia, impedindo a programada sessão de teatro de rua, com bruxas e bruxedos, que não chegaram a sair de Salém, pela companhia Art’Imagem e alunos de escolas do Seixal.
Sábado começou da melhor maneira. Com Javier Ruibal, um cantor de flamenco da Andaluzia senhor de uma voz belíssima e pouco preocupado com purismos, ao ponto de incluir no seu reportório uma vocalização de uma “gnossiana” de Satie, a par de temas equidistantes da pop e do flamenco como “La rosa azul de Alejandria”, “Ay! Pelao” e “Pension Triana”. Na maioria das composições, Javier fez duo com António Toledo, um guitarrista de técnica vertiginosa, mais velocidade e dedos do que coração é certo, o que até acabou por ser coerente, já que a música de Ruibal tem sobretudo uma elegância e sensualidade cutâneas, mais do que profundidade e paixão visceral.
Esperava-se isso de El Cabrero, o sangue e a força da terra. Decepção! O cantor de flamenco e guardador de cabras em “part-time” esteve muitos furos abaixo da sua prestação do S. Luiz, chegando ao ponto de cantar totalmente fora de tom nos primeiros temas. Deficiências no som de munição? A guitarra de mestre Paco del Gastor mal afinada? Seja qual for a resposta, o certo é que só na parte final do concerto El Cabrero justificou a fama com que vinha justamente aureolado.
E como a chuva entretanto não parara, a organização, por vontade dos artistas, voltou a cancelar a sessão de rua. Desta feita com os Trastobilis, da Catalunha, já maquilhados e vestidos a preceito, a terem de desmontar a tenda, gorando deste modo as expectativas de quem se preparava para assistir a uma sessão de fogo, teatro, música e pirotecnia em frente ao Tejo. Antiapoteose e falta de sorte para uma iniciativa que este ano se debateu com uma série de adversidades contras as quais nada pôde ou não soube fazer. Maio, pode dizer-se, não foi em cantigas.

Vários (Catarina Chitas, Matto Congrio, Paco Ibanez, Grupo de Cantares de Manhouce, Coro de Mulheres de Sófia) – “Maio, Maduro Maio” (festival | antevisão)

pop rock >> quarta-feira >> 28.04.1993


MAIO, MADURO MAIO

A vila do Seixal será cenário, no próximo mês, da 4ª edição do Festival Cantigas de Maio, iniciativa que visa fomentar uma acção culturalpopular e descentralizada que “tenha a rua como palco e como origem”. Durante nove dias, as artes tradicionais vão ocupar a margem sul do Tejo.



Teatro de rua, exposições, gastronomia regional e espectáculos de música integram o programa das Cantigas de Maio que vão decorrer entre 14 e 22 de Maio na vila do Seixal, sob a égide da José Afonso e com o apoio da Câmara Municipal do Seixal e da Região de Turismo da Costa Azul. No capítulo dos concertos musicais há bastante por onde escolher. Confirmadas estão as presenças dos galegos Matto Congrio, banda de um prodígio da gaita-de-foles chamado Carlos Nunes, que esteve presente no Festival Intercéltico do ano passado, como convidado dos Chieftains, agora de regresso com um som bastante mais fiel à tradição da Galiza; da cantora tradicional da Beira Baixa, Catarina Chitas, acompanhada pelo Coro de Adufes de Penha Garcia; e, num espectáculo que se prevê memorável, a realizar no último dia no largo da igreja, do Grupo de Cantares de Manhouce, com Isabel Silvestre; e do Coro de Mulheres de Sófia composto por 24 “grandes vozes búlgaras”, dirigidas por Zdravko Mihaylov.
Outros nomes que vão estar presentes no Cantigas de Maio são os Cantares ao Desafio, de Montalegre (sexta-feira, 14), a Orkest de Volharding, grupo de jazz tradicional holandês que conta no seu reportório com temas de José Afonso (sexta-feira, 21), outro agrupamento da Galiza, os Alfolies, que farão animação de rua com as suas gaitas-de-foles e percussões (sábado, 15), João Afonso (sábado, 15), Paco Ibanez, lendário cantor espanhol de música de intervenção (sexta-feira, 21) e o grupo de cantares e danças da ilha de Santo Antão, Kola San Kon, que traz ritmos, tambores e umbigadas de Cabo Verde (sábado, 22).
Do programa fazem também parte uma exposição de fotografia de Maurício de Abreu de genérico “Que a Voz não Te Esmoreça”, título que dá o mote ao festival, e uma mostra “multimédia” de José Teófilo Duarte (ambas na sexta-feira, 14, às 19h).
O teatro de rua estará a cargo do grupo Tanxarina, da Galiza, que apresentará o espectáculo “Titiricircus”, uma comédia com marionetas de fios e palhaços (domingo, 17), e dos Artimagem, do Porto, com “Estive quase Morto no Deserto…” (sábado, 22), num espectáculo que tem por palco as janelas e telhados das ruas centrais da vila.
Ocorrerão ainda três convívios: na segunda-feira, 17, com a noite do acordeão; na terça-feira, 18, com a noite da gaita de beiços; e na quarta-feira, 19, com a noite da guitarra portuguesa. Com petiscos surpresa a acompanhar. As entradas são livres em todos os espectáculos.

Catarina Chitas: sexta-feira, 14
Matto Congrio: sábado, 15
Paco Ibanez: sexta-feira, 21
Grupo de Cantares de Manhouce: sábado, 22
Coro de Mulheres de Sófia: sábado, 22
Todos os concertos têm início a partir das 22h, no largo da igreja

Vários – “Coro de Mulheres De Sófia Aquece No Seixal – Vozes Na Sauna”

cultura >> segunda-feira >> 24.05.1993


Coro de Mulheres De Sófia Aquece No Seixal

Vozes Na Sauna


Como de costume, as vozes femininas búlgaras falaram com Deus. Mas poucas vezes, como aconteceu domingo à noite na Sociedade Recreativa União Seixalense, essa interpelação da divindade terá sido tão encalorada. A falta de ventilação e a aglomeração de público numa sala pequena provocaram o sufoco num concerto em que também o Grupo de Cantares de Manhouce suou para chegar ao céu.

Estava previsto que o concerto decorresse no largo da igreja mas o medo da chuva manifestado oela organização do Festival Cantigas do Maio deslocou-o para um recinto fechado. Escolhida como alternativa, a Sociedade Recreativa União Seixalense foi pequena para acolher as muitas centenas de pessoas que vinham desejosas de participar na liturgia. Sala à cunha, deixando de forma uma pequena multidão que lutava para conseguir entrar. Lá dentro o calor, juntamente com a excitação, transformaram rapidamente a sala numa estufa. Nós, que perdêramos algum tempo até descobrirmos o novo local, desesperávamos no “hall” de entrada, hesitantes entre pedir licença e passar à frente de todos ou tentar arrombar à bruta a barreira humana que tapava a escada de acesso. Quando já tomávamos balanço aconteceu o primeiro milagre. Salvos pela organização que nos disponibilizou um lugar junto ao palco, a dois passos das cantoras.
O calor entretanto tornava-se insuportável. Os elementos do Grupo de Manhouce e do Coro de Mulheres de Sófia suavam as estopinhas nos bastidores, ainda por cima apertadas como estavam nos respectivos trajes típicos da Beira-Alta e dos Balcãs que, como se sabe, não são propriamente regiões quentes. O segundo milagre aconteceu no preciso momento em que a voz de Isabel Silvestre começou a cantar. O ardor da interpretação sobrepôs-se ao calor ambiente. Refrigério pelo fogo.
Durante o intervalo, o equilíbrio psíquico dos presentes voltou a dar indícios de vacilar. Em desespero de causa alguém abriu umas janelas minúsculas junto ao tecto, gesto que foi acompanhado por um brado de alívio, mais por sugestão que por um refrescamento real da temperatura. Ao microfone pedia-se que as pessoas se apertassem um pouco mais de maneira a permitir a entrada dos masoquistas que ainda permaneciam no exterior. Tudo a postos, atrás do palco. O maestro Zdravko Mihaylov prescindiu de amplificação e optou por uma actuação ao natural. E que actuação, meu Deus! Vinte e quatro vozes de mulheres vestidas a preceito e em harmonia perfeita encheram a sala e a sauna transformou-se no céu. “Lale li si, zumbul li si” – canto de amor tradicional da Trácia, pátria de Orfeu – abriu o concerto, que o maestro foi explicando aos berros num francês macarrónico: “Viajámos mais de 4 mil quilómetros para estar aqui e cantar para vocês”.
Depois sucederam-se as maravilhas, entre o esplendor dos trajes que por várias vezes foram mudados ao longo da noite, as coreografias e, claro, as vozes de ouro do coro, impulsionadas para o alto, nos cantos populares ou nos cantos litúrgicos ortodoxos, pelas várias solistas: Liliana Galevska, Ianka taneva, Stoyana Lalova, Kalinka Valtcheva… “a capella” ou acompanhadas por um trio instrumental. Numa “suite” de melodias populares houve oportunidade para escutar os compassos “impossíveis” da música tradicional búlgara, interpretados com mestria no “kaval” (flauta pastoril), na “gadoulka” (espécie de rabeca) e na “Tamboura” (mescla de bandolim e o alaúde).
Hoje à noite acontecerá o terceiro milagre: as vozes búlgaras das mulheres de Sófia voltam a falar com Deus, desta feita num local mais apropriado, em espectáculo extra, com bilhetes a mil escudos, a realizar pelas 22h nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, integrado no Dia da Cultura da Bulgária. Faça chuva ou faça sol, garante a organização.