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Davy Spillane – “Davy Spillane, Hoje, No Porto – Tradicionais Mas Não Muito” (concertos / festas de S. João)

Cultura >> Domingo, 28.06.1992


Davy Spillane, Hoje, No Porto
Tradicionais Mas Não Muito



“Na Irlanda há um grande número de seguidores da música tradicional, porque a música tradicional nunca morreu. Esta é a grande diferença entre alguns países da Europa e a Irlanda: nós não falamos de uma cultura renascida porque ela nunca chegou a morrer”. Quem o diz é Davy Spillane, emérito tocador de “uillean pipes” que hoje, domingo, actua, com a sua banda, no Porto, no encerramento das festas de S. João da cidade. Às 21h30, no cais da Estiva, junto à Ribeira. É a segunda apresentação de Spillane no nosso país, depois do espectáculo do “Folk Tejo” do ano passado.
Porque a cultura tradicional irlandesa nunca chegou a morrer, Davy Spillane permite-se fazer dela um “melting pot” de influências onde cabem o “bluegrass”, o pequeno jazz e o rock. Spillane, natural de Dublin, aprendeu com a nata dos gaiteiros irlandeses – Seamus Ennis, Leo Rawsome, Johnny Doran, Willy Clancy e, pertencentes a uma geração posterior, Paddy Keenan (Bothy Band), Finbar Furey e Tommy Peoples -, aprendizagem que lhe serviu sobretudo para desenvolver uma técnica irrepreensível num instrumento que, reza a lenda, necessita de 21 anos para ser “domesticado”: “sete para ouvir, sete para praticar e outros sete para tocar”.
Spillane toca as “uillean pipes” com a garra de um rocker. Fala dos “blues”, diz que Johnny Doran é como Muddy Waters, “um verdadeiro ‘bluesman’” mas, na prática, falta à sua música a profundidade, o suor e o sangue da música negra. Quando muito Davy Spillane será um “greensman”, o que está mais de acordo com a cor da sua Irlanda natal.
Fala-se muito da importância que tiveram durante os anos 80, os Moving Hearts, grupo do qual faziam parte, além de Spillane, dois ex-Planxty, Christy Moore e Donal Lunny. É uma importância relativa. Digamos que os irlandeses se atrasaram dez anos em relação aos seus vizinhos ingleses quando se tratou de juntar a música tradicional ao rock, como fizeram, na altura devida, os Fairport Convention e os Steeleye Span. Acontece que a Irlanda, como Portugal, é um país que, possuidor de uma cultura riquíssima, devido ao seu atraso, demorou mais que os outros a destruir o seu património.
A solo, nos quatro álbuns gravados até à data, Spillane não se afasta muito desta linha: “Atalntic Bridge”, “Out of the Air”, “ShadowHunter” e “Pipedreams”. Foi preciso Andy Irvine (outro ex-Planxty) chamá-lo à razão, pegar-lhe na orelha e “obrigá-lo, por uma vez, a trocar o conforto do 4/4 do “reel rock” pelos compassos “impossíveis” de 5 e 13/8 da música dos balcãs, em “East Wind”, álbum que retoma amores antigos de Irvine, dos tempos de “Mominsko horo” (da obra-prima “Cold Blow and the Rainy Night”), e que inclui participações vocais de Marta Sebestyen.
Mas festa é festa, o que importa é dançar, com whiskey ou um cálice de Porto na mão, tanto faz.