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Vladimir Estragon – “Three Quarks For Muster Mark”

Pop-Rock Quarta-Feira, 23.10.1991


VLADIMIR ESTRAGON
Three Quarks For Muster Mark
CD, Tip Toe, import. Dargil



Os Vladimir Estragon contribuem, sem complexos, com a sua quota parte para a aniquilação, há muito anunciada e sempre adiada, do jazz. E não só por nas suas fileiras militar um dos demolidores de serviço nos Eisntuerzende Neubauten, F. M. Einheit. Exéquias celebradas nas contorções, sublimes e subliminares, do saxofonista e clarinetista Alfred 23 Harth (precisamente antigo companheiro do homem dos Cassiber, Heiner Goebbels). Ulrike Haage fornece o suporte electrónico, entre o martelo-pilão digital e o indizível de impossíveis manipulações sonoras. Einheit acaba com o resto, recorrendo às suas percussões metálicas e a eventuais curto-circuitagens eléctricas: em “Seine Register” o CD ameaça explodir em estilhaços devido ao ruído parasita, ultra-amplificado, de um disco de grafonola riscado. Phil Minton, quando lhe dão espaço, amassa a própria voz como se fosse plasticina, moldando-a entre o gutural concreto de “Der verbleibende Haufen” e a microscopia a Schumann, “Die Nachttigall”. Na Alemanha os muros continuam a cair. (9)

F. M. Einheit – “Stein”

Pop Rock

10 ABRIL 1991
LP’S

CORAÇÃO DE PEDRA

F. M. EINHEIT
Stein

LP e CD, Some Bizarre, import. Contraverso/Bimotor

fmeinheit

“Vamos acabar com isto de vez”, era até há bem pouco tempo o lema dos niilistas berlinenses Einstuerzende Neubauten. “Isto” significa o mundo e a sociedade em geral, e a música em particular, que a banda de Blixa Bargeld parecia especialmente empenhada em destruir, à custa de golpes de serra eléctrica e martelo-pilão. A música resistiu estoicamente aos ataques destes assassinos em potência que, pelo meio, gravaram discos excelentes, como recente “Haus der Luege” faz questão de provar. Menos radical que Blixa parece ser F. M. Einheit, um dos pilares da banda germânica, decidido a experimentar novos caminhos e sonoridades menos próximos do apocalipse sónico característico do colectivo.
Não que Einheit se mostre interessado em investir no campo oposto, em suavidades ou tentações melódicas, aqui de todo ausentes. Pelo contrário, é ainda e sempre a violência que faz valer os seus direitos, apoiada no ritmo, por vezes avassalador, ou nas potencialidades tímbricas do ruído, às vezes mesmo na exploração do espectro sonoro, como as frequências de “Hafen”, vibrando nos limites do audível.
Onde “Stein” (pedra) se afasta da estética Neubauten é na recusa da carnificina, do caos, da pistola encostada à testa, tão ao gosto de Blixa, o perverso, optando em vez disso por registos mais controlados mas não menos perturbantes. A própria panóplia percussiva geralmente utilizada pela banda (bidões, peças de metal, objectos vários) desvaloriza-se em detrimento das programações rítmicas do computador – maquinismos automáticos implacáveis que alguém se esqueceu de desligar.
“Stein” começa por surpreender: “Educação” (cantado em português sem sotaque abrasileirado, por uma tal Katharina Franck que ou nos enganamos muito, ou terá uma costela lusitana) pretende ser um exercício de funk com botas marciais a que as palavras estrangeiras acrescentam um toque de exotismo. Para nós, “portugas”, soa mais a Adelaide Ferreira numa “soirée” ao lado dos DAF. No capítulo das (escassas) participações vocais, registam-se ainda as presenças da fantasma da ópera Diamanda Galas, em “Hymne (Witch burn)” e de Blixa Bargeld, em “Homeless”.
O resto de “Stein” desenvolve-se em sombrias incursões por universos rítmicos computorizados onde as únicas vozes que se fazem ouvir são as dos samplers, sejam as de multidões fanáticas urrando ao apelo hitleriano (“Das Ende einer Diskussion”), ou de uma criança balbuciando que “Batman brät Fische”.
Caspar Brӧtzmann (filho do expoente do free jazz Peter Brӧtzmann) e Alexander Hacke (dos Neubauten), ambos na guitarra, Ulrike Haage (acordeão) e Jan Schade (violoncelo) acrescentam um pouco de calor a uma música por essência e vocação pouco preocupada com a vil condição humana. O disco inclui uma espécie de homenagem, “Tribute to Cheb Mani”, dentro da mesma estética de aço inoxidável e do já citado “Das Ende Einer Diskussion”, “suite” que até ao fim se ocupa em exorcizar mais meia dúzia de fantasmas herdados do nazismo. F. M. Einheit tem um coração de pedra. À semelhança de “Wild at heart” – de novo o horror que nos fascina. ****

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