PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 4 JULHO 1990 >> Videodiscos >> Pop
A DISCOTECA
ORQUESTRA DA LUZ
Jeff Lynne foi um dos inventores do conceito “pop sinfónico”, isto é, melodias engraçadas, vestidas, com pompa e circunstância, de violinos, violoncelos e, se possível, de uma orquestra sinfónica inteira. Os Electric Light Orchestra deram-lhe a fama e o proveito. Agora lançou um disco a solo, “Armchair Theatre”, gravado em casa e sem grandes truques.

Os Electric Light Ochestra, ou ELO, sigla pela qual são conhecidos, formaram-se em 1971, das cinzas dos Move, que nos dias derradeiros incluíam Lynne e Roy Wood, outro “sinfónico” assumido. A ideia que presidiu à formação da nova banda era dar à pop um rosto clássico, sem perder de vista a acessibilidade e sensibilidade típicas daquela. Não se tratava de juntar um grupo pop a uma orquestra (como já o haviam feito os Procol Harum, os Deep Purple e os Moody Blues), mas sim fazer um grupo à maneira de uma orquestra. A ambição era criar uma espécie de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band de trazer por casa. A tarefa era possível graças aos talentos de multi-instrumentistas da dupla Lynne/Wood, desmultiplicados em mil e um instrumentos, no processo de gravação de estúdio, no qual ambos se revelaram peritos. Além de que os dois não eram de todo incapazes quanto ao jeito para compor melodias atraentes e acessíveis.
Roll over Beethoven
O resultado obtido traduziu-se num híbrido musical que juntava os Beatles (“Strawberry Fields Forever” e “I Am The Walrus” foram a pedra de toque do projeto ELO) e os Queen no mesmo saco. Para alguns era insuportável e pretensioso. Mas a maioria consumidora foi sensível à ideia e aos discos que foram aparecendo. Em setembro de 1978, os ELO tocavam, no Forum de Montréal, para uma assistência de perto de um milhão de pessoas. Os álbuns, a partir do êxito maciço de “A New World Record” (1976) e, sobretudo, “Out Of The Blue” (1977), eram sistematicamente platina. Os hits sucediam-se: “10538 Overture”, “Roll over Beethoven” (um clássico de Chuck Berry), “Livin’ Thing”, “Telephone Line” ou “Mr. Blue Sky” chegaram sem dificuldades ao Top Ten de ambos os lados do Atlântico. Por alturas de “Out of the Blue”, a banda apresentava, nos espetáculos ao vivo, uma réplica gigantesca de uma nave espacial, como era figurada na capa do disco, criando um “show” de luz e efeitos visuais na linha dos “Encontros Imediatos do 3º Grau”.
O sucesso de Lynne deve-se, em parte, à já referida capacidade de compor canções que “ficam no ouvido”, aliada ao mérito do trabalho como produtor e engenheiro de som. Lynne, como Midas, transforma tudo o que toca em ouro (e platina). Não espanta, pois, que nomes de peso, como Roy Orbinson (um dos seus ídolos), Brian Wilson, Randy Newman, Tom Petty ou, mais recentemente, George Harrison, tenham recorrido aos seus serviços.
Em Casa É que É Bom
Chegado ao topo e à situação de “bem instalado na vida”, juntou-se à banda de reformados de The Traveling Wilburys, ao lado dos gerontes Bob Dylan, Tom Petty e George Harrison. Por fim, farto de todas as companhias, resolveu investir nele próprio a solo. Fê-lo este ano com o álbum “Armchair Theatre”. A intenção e mensagem são óbvias: “Sou o melhor!”, grita-nos ele a cada espira, garantindo-nos que valeu a pena esperar. Se valeu ou não, cabe ao auditor decidir. O álbum continua a estética e orientação ELO, embora recorrendo a outros meios. Lynne fartou-se dos brinquedos mágicos do estúdio e afirma que o melhor que há é “gravar em casa”. Sem dígitos que lhe valham. Foi numa casa antiga, do séc. XV. “A sala de controlo era a casa de jantar. O piano foi gravado no salão. As vozes num corredor. As guitarras na cozinha e a bateria numa área da casa onde, em tempos, todas as botas eram guardadas”. Então, e na casa de banho, nada? O disco, caseiro como é, agradará decerto às domésticas (sem desprimor para estas) e àqueles mais dados ao recato e ao gosto conformista. Ao longo de quase todo o disco, a voz de Lynne parece-se muito com a de George Harrison (e George aparece mesmo, mas não há confusão). Em “Nobody Home”, quer parecer-se com a de Lou Reed. E em “Don’t Say Goodbye” com a de Presley. Fica-se pelo querer. Há três clássicos, mais ou menos assassinados para parecerem mais bonitinhos: “Don’t Let Go”, de Jesse Stone, “September Song”, de Maxwell Anderson e Kurt Weill e “Stormy Weather” de Ted Koehler e Harold Arlen. Trata-se, sem dúvida, de um bom esforço, que decerto será bem recompensado. Para os saudosistas, há ainda o bónus adicional de um duplo-coletânea, “The Very Best of the Electric Light Orchestra”, reunindo todos os êxitos da banda. Para Jeff Lynne este é o ano de nenhuns perigos.