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Edward Ka-Spel – “The Blue Room”

Sons

3 de Dezembro 1999
POP ROCK

Edward Ka-Spel
The Blue Room (8)
Soleilmoon, distri. Ananana


eks

“Canta enquanto podes” é a divisa que há anos ilustra cada disco dos Legendary Pink Dors. A sigla apocalíptica transitou para o mais recente álbum do seu líder, o vocalista Edward Ka-Spel, uma das poucas “cabeças de ácido” dos anos 90, ao lado de Julian Cope e um dos legítimos herdeiros da “trip” interminável desencadeada por Syd Barrett. “The Blue Room” é, segundo o seu autor, a primeira parte de uma trilogia versando o tema da demanda da alma. Viagem pelos planos astrais da consciência, “The Blue Room” convida-nos a entrar no quarto azul, o quarto secreto do feiticeiro Ka-Spel, palco de intraduzíveis cerimónias, tão alucinatório como o cubículo de terror carmesim congeminado por David Lynch em “Twin Peaks”. É uma caixa de música de electrónica barroca, em progressão lenta em direcção aos abismos da mente, conduzida com cinismo pela voz de veludo e falsamente inocente de Ka-Spel, que aqui assume o comando de todos os sons e efeitos, musicais e psicológicos. O mundo de Ka-Spel, como dos Legendary Pink Dots, é um quadro de roxos e dourados emoldurado por um céu polvilhado de estrelas doentes. Uma música que atrai, que se insinua, estranha como um carnaval de espectros. Vozes de deuses moribundos, batuques de joalharia, danças de arlequins, computadores embriagados com licores, corredores com braços e espelhos em cada esquina, relógios deformados a marcarem o tempo que falta para o fim. Edward Ka-Spel, uma vez mais, mina os alicerces da normalidade. E da religião, como em “Supper at J’s”, a última ceia de um falso Messias acessível através da Internet. Um álbum do outro mundo. A ouvir enquanto é tempo.



Edward Ka-Spel Abre A Porta De “The Blue Room” – Entrevista –

26.11.1999
Edward Ka-Spel
Abre A Porta De “The Blue Room”

Quarto Com Vista Para A Alma
Com “The Blue Room”, Edward Ka-Spell, vocalista dos Legendary Pink Dots, deu início a uma trilogia em torno da demanda da alma. A caminho de um estado de consciência mais elevado, com ou sem o recurso a cogumelos alucinogéneos e segundo a máxima de que “ninguém pode tocar nas nuvens senão trepar primeiro a montanha”.

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Apocalíptico, explorador dos estados alterados da consciência, admirador incondicional e Peter Hammill e dos King Crimson, Edward Ka-Spel explicou ao Público alguns dos caminhos que dão aceso ao “quarto azul”, átrio de entrada do seu templo pessoal.

FM – “Sing While You May” é a frase que costuma acompanhar todas as edições, suas e dos Legendary Pink Dots. Até quando?
EDWARD KA-SPEL – Na verdade, não creio nem em princípios nem em fins, porque a única coisa que ninguém pode conceber é a não-existência. Mas é ela que faz da imortalidade uma realidade. Não, não creio que o mundo acabe a 31 de Dezembro… Há um mundo sem fim, assim foi e assim será sempre.
FM – Mas o Apocalipse é um tema recorrente na sua obra…
EDWARD KA-SPEL – O planeta está a experimentar um processo de aceleração que pode ser sentido por toda a gente que vive nele. Chame-lhe Apocalipse, se quiser. Uma aceleração que conduz à saturação. O mundo terá um aspecto inteiramente diferente daqui a dez anos.
FM – … Bem como as temáticas religiosas em geral, em álbuns como “The Maria Dimensions” ou numa faixa de “The Lue Room” como “Supper at J’s”…
EDWARD KA-SPEL – Acredito na predestinação. Numa mão que nos guia. E que todas as coisas acontecem porque têm de acontecer. Nos próximos tempos a raça humana passará para um estado de consciência mais elevado, mas, para usar uma analogia, “ninguém pode tocar nas nuvens, se não trepar primeiro a montanha”.
FM – A Internet, como aparece no novo álbum dos LPD, “Nemesis on Line”, parece ser outra das suas preocupações. Vê na Net a rede ideal de comunicação global ou um gigantesco curto-circuito?
EDWARD KA-SPEL – Acho que dependemos em demasia dos computadores, o que se pode tornar perigoso. Neste aspecto sou tão culpado como toda a gente. A comunicação global nunca foi tão perfeita como hoje, mas também um colapso, caso aconteça, não poderia ser mais catastrófico.
FM – Os Legendary Pink Dots (LPD) deveriam chamar-se antes Legendary Sink Dots (LSD)?
EDWARD KA-SPEL – Raramente tomo drogas hoje em dia, embora algumas substâncias alucinogéneas continuem a fascinar-me, especialmente os cogumelos. Ingerir cogumelos desta espécie é um assunto sério, foi graças a eles que aprendi a conhecer-me melhor.
FM – É, a par de Julian Cope, um dos verdadeiros psicadélicos dos anos 90. Não acha perigoso viajar nos anos 90 pelos planos astrais?
EDWARD KA-SPEL – É menos perigoso quando permanecemos ligados a nós mesmos.
FM – As cores da capa de “The Blue Room” são as mesmas de “In The Court of the Crimson King”, dos King Crimson. Mera coincidência?
EDWARD KA-SPEL – Bem, os King Crimson são a minha banda preferida…
FM – Já agora, tem algo a dizer sobre Peter Hammill? As vossas duas visões poéticas aproximam-se nalguns pontos…
EDWARD KA-SPEL – Peter Hammill é simplesmente um dos maiores! Ouvi os Van Der Graaf Generator quando era ainda muito novo e continuo a ouvi-los hoje. Nunca se desviou do seu caminho, algo que eu admiro muito. Além de que ele próprio é tão bom como os seus discos. Encontrei-me com ele uma vez: é uma pessoa fantástica.
FM – Que ideias procurou explorar em “The Blue Room” que não cabiam nos Legendary Pink Dots?
EDWARD KA-SPEL – Os discos a solo devem aventurar-se por territórios mais obscuros. “The Blue Room” é a primeira parte de uma trilogia da qual já terminei a segunda, cujo título será “The Red Terrors”. Serão três álbuns que sintetizam uma demanda da alma.
FM – Uma das características mais estranha da sua música é o contraste entre a suavidade e a quase inocência da voz e as temáticas que canta – quase sempre inquietantes. Trata-se de uma estratégia deliberada para melhor penetração na mente?
EDWARD KA-SPEL – O mundo é um lugar multicolorido e multitexturado e eu nunca tive pretensões de ser perfeito…