Pop Rock
4 Junho 1997
reedições
Missa nos claustros de Düsseldorf
Cluster
Live Japan 1996 (7)
SOUL STATIC SOUND, DISTRI. SYMBIOSE
Kluster
Eruption (7)
MARGINAL TALENT, DISTRI. SYMBIOSE
Dunkelziffer
In the Night (7)
Dunkelziffer III (7)
FÜNF UND VIERZIG, DISTRI. MEGAMÚSICA
La Düsseldorf
La Düsseldorf (8)
GERMANOFON, IMPORT. CARBONO
Yatha Sidhra
A Meditation Mass (7)
TEMPEL, IMPORT. PLANETA ROCK
Alemanha. “Krautrock”. De reedição em reedição vai-se desdobrando o mapa. Os Cluster – está toda a gente de acordo, ou, se não está, deveria estar – são os pais do pós-rock. Foram eles os primeiros, na Alemanha, a ligar os sintetizadores a uma unidade fabril, a ousarem baixar a cabeça do cosmo para o inferno da urbe industrializada, a tratar o minimalismo como um palácio de ferro. Moebius e Roedelius continuam activos. “Live Japan 1996” apresenta a dupla germânica numa série de concertos ao vivo registados o ano passado em Tóquio e Osaka. Sem constrangimentos temporais de qualquer espécie os dois elaboram nas suas máquinas duas longas improvisações (25 e 35 minutos), mais dois excertos curtos, que estão longe do caos das gravações pioneiras, ainda sob a designação Kluster, “Klopfzeichen” e “Zwei Osterei”.
Sobressaem as progressões lentas e minimalistas, numa mutação imperceptível que acumula e liberta pequenos focos de tensão (apontamentos de piano impressionista, interferências eléctricas quase subliminares). A meia hora final é um mantra tribal/industrial infatigável e monótono até ao encantamento que confirma os Cluster como progenitores da prole do pós-rock. O prazer da manipulação pura por dois magos da electrónica.
“Kluster und Eruption”, gravado 25 anos antes, em 1971, é uma obra rodeada de alguma controvérsia. Embora na ficha técnica conste o nome Kluster, é opinião corrente que o disco (com a indicação de ter sido gravado ao vivo) é na realidade o resultado da manipulação, por Conrad Schnitzler, de fitas do grupo gravadas previamente. Seja como for, não se está longe da sonoridade dos dois primeiros trabalhos dos Kluster, atrás citados. São 56 minutos (separados em dois temas sem título) de ruído, ou melhor, de “elektroakustische Musik”, que se acompanham como a um corpo sinistrado. Ruído sim, mas do bom e genuinamente revolucionário.
Os Dunkelziffer existiram nos anos 80, podendo ser considerados “clones” dos Can, o que se compreende, atendendo a que da sua formação fazem parte o vocalista japonês Damo Suzuki, que integrou os Can, nos álbuns “Soundtracks”, “Tago Mago”, “Ege Bamyasi” e “Future Days”, e elementos dos Phantom Band, banda do baterista dos Can, Jaki Liebezeit. Nos Dunkelziffer é tudo mais leve e menos profundo do que nos Can. A batida é semelhante mas nota-se uma tendência para o “jazz rock”, relacionada com a preponderância no som do grupo do saxofonista Wolfgang Schubert. Damo Suzuki também se mostra bastante mais comedido, enquadrando a sua voz num formato de canção, o que raramente fazia nos Can. É a diferença entre a improvisação orgânica e mágica dos originais e a composição planeada dos Dunkelziffer.
“In The Night” é mais calmo, com incursões no reggae e na música árabe (“Orientsal cafe”) e um tema inicial longo, “Retrospection”, na linha da música produzida pela banda de Irmin Schmidt e Bruno Spoerri, os Toy Planet. “Dunkelziffer III”, editado a seguir (terceiro de uma discografia total de cinco álbuns), tem maior consistência e é ainda mais parecido com os Can. O ritmo adensa-se, Suzuki arrisca chegar ao registo gutural que usava nos Can, os teclados e o saxofone dispensam a facilidade e a beleza, por vezes fútil, do álbum anterior. Um bom sucedâneo dos reis de Colónia.
Os La Düsseldorf, trio liderado pelo dissidente dos Neu!, Klaus Dinger, conseguiram criar, com o seu álbum homónimo de estreia, um clássico do “krautrock”. Protótipo do rock minimal, influenciou directamente o punk rock e, duas décadas mais tarde, o pós-rock. A electrónica rodava numa pista de corridas, as guitarras e a bateria metronómica funcionavam com a precisão de um motor. A música dos La Düsseldorf fez divergir a mecânica futurista dos Kraftwerk para o terreno duro de uma cidade, Düsseldorf, hipnotizada pela sua própria paranóia.
O oposto aplica-se aos Yatha Sidhra, com “A Meditation Mass”, de 1973, filho único de um projecto idealizado pelo multinstrumentista Rolf Fichter (“Moog”, flauta indiana, vibrafone, piano eléctrico, guitarra eléctrica, voz) com o seu irmão Klaus (bateria e percussão), cuja música é típica da vertente mais cósmica do “krautrock”. Considerado por alguns uma das obras-primas da “kosmische musik”, entre os quais os autores da enciclopédia “A Crack In The Cosmic Eye”, “A Meditation Mass” é uma suite dividida em quatro movimentos que cativa enquanto o grupo se mantém fiel à electrónica planante, de pendor místico, à la Popol Vuh, mas se torna penosamente embaraçosa quando Rof Fichter decide que também sabe tocar jazz e solar no vibrafone e no piano eléctrico.
De resto, os jovens “krautrockers” eram, regra geral, executantes com óbvias limitações (e, amiúde, inaptos para dominar o mais simples 4/4, fruto da tal falta de convívio com as raízes negras do rock ’n’ roll), embora óptimos conceptualistas e manipuladores de som, quando se tratava de disparar automatismos (Kraftwerk, Tangerine Dream pós-“Phaedra”, Cluster…). Exemplos não faltam, inclusive em obras e autores considerados marcantes. Veja-se os casos dos Tangerine Dream e do Edgar Froese guitarrista, antes de optarem pela electrónica total, do Klaus Schulze baterista, dos Mythos, dos próprios Faust… Há excepções, claro: Manuel Göttsching (apesar do ácido…), Michael Rother, Achim Reichel, Ax Genrich (o Hendrix alemão), Michael Karoli, Jaki Liebezeit, Jürgen Dollase, Uli Trepte, Mani Neumeier…
Apesar desta lacuna, “A Meditation Mass” conserva uma aura indefinível e uma originalidade que a faz atravessar relativamente incólume a passagem do tempo. Ao Planeta Rock, especializado na área do progressivo, chegaram também – em quantidade reduzida – “Malesch” e “2nd”, dos Agitation Free, “Traum”, dos Hölderlin, “Broselmaschine”, dos Broselmaschine, “Saat”, dos Emtidi, “UFO” e “Hinten”, dos Guru Guru, “Trauma”, dos Gomorrha, “Motherfucker gmbh”, dos Xhol, “Schwingungen” e “Le Berceau de Cristal”, dos Ash Ra Tempel, “Irrlicht”, “Cyborg” e “Picture Music”, de Klaus Schulze, e toda a discografia – historicamente importante mas musicalmente irrelevante – dos Amon Düül (com pouco ou nada a ver, em termos musicais, com os Amon Düül II…). Enquanto isto, a Torpedo prepara-se para receber Whithuser & Westrupp, Harmonia e Liliental. A MVM, a Música Alternativa e a Megastore da Valentim de Carvalho começam a disseminar os discos e a mensagem do pós-rock, dignos continuadores do experimentalismo e da atitude do “krautrock”. A propósito: se gostam dos Neu! e acham, como nós, que “Surrender To The Night”, dos Trans AM, é uma das obras-chave do movimento, comecem, desde já, a procurar o “álbum branco” dos Fridge. E a procissão ainda vai no adro…