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Altan – “Island Angel” + Déanta – “Déanta”

pop rock >> quarta-feira, 15.12.1993
WORLD


PASSAGEM DE TESTEMUNHO

ALTAN
Island Angel (8)

DÉANTA
Déanta (7)
Green Linnet, distri. MC – Mundo da Canção



Há quem já não aguente ouvir música irlandesa e há quem já não possa viver sem ela. Os primeiros estão saturados e dizem que é sempre a mesma coisa. Por culpa, se calhar, dos muitos “irlandeses” que pululam um pouco por todo o lado, compenetrados a decalcar os tiques e em fazer música a metro. Esses não ouviram o suficiente ou suficientemente fundo. Os segundos, pelo contrário, descobrem mil pormenores e novidades onde, à superfície, estes parecem não existir. É o amor verdadeiro e duradoiro. Os Altan, numa primeira aproximação ao seu quinto álbum, parecem ter renunciado e experimentar novos arranjos, como acontecia no anterior “Harvest Storm”. Onde este se aventurava em arranjos inovadores, que iam até À utilização de um “didgeridoo”, “Island Angel” mostra-se mais clássico, no sentido em que dispensa o acessório e o polimento exterior, para se concentrar no estudo e desenvolvimento do que mais “tradicional” existe na música tradicional irlandesa. A disposição dos temas não poderia ser mais convencional, alternando as típicas sequências instrumentais de “jigs” e “reels” (aqui também um “strathspey” e uma mazurka – fabulosos os diálogos dos violinos de Ciaran Tourish e Mairéad Ní Mhaonaigh) com baladas vocais superiormente interpretadas por Mairéad que, de disco para disco, se vem afirmando como uma das grandes vozes femininas da nova geração. O que é espantoso e um atestado de vitalidade desta música é a sua continuidade, garantida pela transmissão, de geração para geração, de um legado que não cessa de ser reactualizado. Ao ponto de so Altan não poderem já ser considerados novatos. Da formação actual fazem parte, de resto, o veterano guitarrista Daithi Sproule (conhecido dos Buttons & Bows), já para não falar, entre os convidados, do omnipresente Donal Lunny e do mestre do “bodhran” Tommy Hayes. Conseguiram, para já (e, atenção, porque isto só está ao alcance dos melhores), alcandorar-se a sucessores dos monstros (Planxty, De Danann, Bothy Band), por mérito próprio, ultrapassando, pelo menos até agora, o perigo, geralmente fatal, que atinge o número restrito de bandas que saem do circuito restrito da folk para o mercado de massas. Problema, aliás, que o último número da “The Living Tradition” aborda no seu editorial. Ao contrário dos Capercaillie e dos Clannad (cuja leitura de “Dúlamann”, canção infantil e título-tema do seu melhor álbum de sempre, é curioso comparar com o vigor da nova versão dos Altan), a música dos Altan não se descaracterizou, antes revelando da parte dos membros da banda a maturidade de quem sabe o que quer. “Island Angel” está cheio de boa música. Procure-se – quem já aprendeu a distinguir dentro e fundo na música irlandesa – os pormenores de execução dos violinos e da flauta de Frankie Kennedy, o “drive” instrumental que faz parecer fácil o que é imensamente difícil, a serenidade do canto, longe da imediatez e do verniz com que alguns conseguem prender a atenção de quantos vêem nesta música apenas uma moda. A ouvir e a saborear aos poucos, como um bom vinho, tirando o melhor partido do manancial de prazeres postos à nossa disposição. “Vintage” Altan, em suma. Na peugada dos Altan seguem já os Déanta, quatro raparigas e um rapaz, trazendo consigo um outro tipo de proposta, mais acessível e próximo de um certo “approach” dos anos 70, no qual a harpa de Eóghan O’Brien e a voz dulcérrima de Mary Dilloon se apresentam como vectores principais de um som que procura ser cativante e, por enquanto, se apresenta sem elementos de choque. Uma sonoridade límpida que por norma anda associada a certas bandas escocesas, em particular as conotadas com o selo Iona, faz dos Déanta um reservatório de frescura e um dos valores a ter em conta entre os candidatos ao lugar hoje ocupado pelos Altan. Até outros, mais novos, virem por sua vez tomar o seu lugar…

Dèanta – Whisper of a Secret (conj.)

14.11.1997
FOLK
“Whisper” Contra “Whisky”
Segredos, cansaço e um beijo. Ou onde se prova que o “whisky” escocês tem um travo bem mais amargo que o “whiskey” irlandês…

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Comparando com outros grupos da sua geração, os Dèanta não terão o virtuosismo e, sobretudo, a vitalidade, dos Dervish, nem a experiência dos Altan, mas em compensação não lhes falata sensibilidade nem subtileza. Provavelmente, a tudo isto não será alheio o facto de o grupo ser constituído na sua quase totalidade por mulheres (a excepção masculina é Eoghan O’Brien, na harpa). A esta falta, digamos assim, de músculo corresponde, em “Whisper of a Secret” (“O sussuro de um segredo” a contrastar com a “trovoada” do álbum anterior), a interiorização de um reportório quase exclusivamente constituído por temas tradicionais, na sequÊncia do que já acontecera nos dois primeiros álbuns, “Déanta” e “Ready for the Storm”.
As Déanta, como os Dervish, assumem-se como representantes da veia mais clássica da “folk” irlandesa, dispensando quer os confrontos estilísticos quer uma leitura mais polémica da tradição. Clássica é, então, mas cheia de delicadez e “nuances”, a interpretação dos “sets” instrumentais, ficando reservadas para os “gourmets” as delícias do canto de Mary Dillon, de uma expressividade que aproveitam o melhor das divas Dolores Keane e Triona Ni Dhomnaill. Quem julga ter encontrado as chaves do céu na praga das compilações “celtic” faria melhor em escutar uma balada como “Lone Shanakyle”. Uma harpa, ao fundo, um lago de teclados e a voz de Mary Dillon a transbordar de pureza e sentimento vão directos ao âmago da tal Irlanda do verde aguado e das neblinas misteriosas. (Green Linnet, distri. MC-Mundo da Canção, 8)

Na Escócia, pelo contrário, falta-se cada vez mais ao respeito à tradição. Desde que a Greentrax mudou a sua imagem de marca, abrindo portas aos prevaricadores, nada permaneceu como dantes na terra dos “kilts” e das “Highland pipes”. Os Shooglenifty e os Bùrach são os dois grupos da casa que mais longe estão a levar a revolução. É, no mínimo, curiosa a forma como cada um deles evoluiu do primeiro para o segundo álbum. Os Bùrach vêm de “The Weird Set”, um álbum alucinante, por culpa do entusiasmo contagiante do violinista Gavin Marwick, confrontando-se neste seu novo trabalho com atroca de três elementos, saindo Marwick, Jimmy McLeod e Lynne O’Hara, entrando para o seu lugar Eoghain Anderson, Roy Waterson e Gregor Borland, respectivamente na bateria, baixo e didgeridoo, e violino, o que obrigou, necessariamente, a um desvio musical.
Numa primeira audição, “Born Tired” provoca algumas resitências. “Traição!”, clamarão de imediato os mais intolerantes. Não será bem assim, embora se compreenda uma reacção destas. É que “Born Tired”, tomando embora ainda como base noções tradicionais, rompe de forma ostensiva com elas. Chamemos-lhe “folk progressivo”, se quisermos, a verdade é que “Born Tired” soa diferente de tudo o que já se ouviu antes na área do tradicional, em particular nas canções vocalizadas por Alison Cherry, cuja voz possui o timbre e a doçura de outra Alison, Alison Statton, dos Young Marble Giants.
Ultrapassado, porém, o choque inicial, somos forçados a reconhecer que estas mesmas canções (“Nothing left to say” e “Ring around the moon2 estão longe de poderem ser chamadas baladas folk, mas que importa, se nos fazem olhar para tão longe…) transbordam de poesia e de emotividade, a voz de Alison Cherry mais parecendo a de um fantasma de criança a cantar-nos coisas tristes e com sabor a cereja. Os Bùrach afastaram-se da ortodoxia, é verdade, mas o nicho que actualmente ocupam merece uma visita demorada. (Greentrax, distri. MC-Mundo da Canção, 8)

Os Shooglenifty, pelo contrário, regrediram. Se em “Venus in Tweeds”, o álbum de estreia, o grupo sugeria uma atitude equivalente à dos Hedningarna, jogando na explosão, na fragmentação e no excesso de electricidade, agora, em “A Whisky Kiss”, é o reaccionarismo encapotado. Explicando melhor, cada tema funciona invariavelmente a partir da mesma regra: sobre uma base rítmica rock ou timidamente tecno, da bateria e do baixo eléctrico, de uma simplicidade tocando as raias da pobreza, os dois solistas principais – Angus R. Grant, no violino, e Garry Finlayson, no banjo – seguem, afinal, a via do tradicionalismo, em “reels” e “jigs” que o peso e o volume do acompanhamento quase sufocam.
O andamento de temas como “Da eye wifey” ou “The price of a pig” recorda os Fairport Convention, sendo estes, na altura, igualmente criticados pela forma como ousaram desafiar os cânones. A diferença está em que nos Shooglenifty ninguém se chama Richard Thompson ou Dave Mattacks, e a música destes escoceses troca o trabalho de criação pela força de automatismos pretensamente destinados a enfatizar o factor “música de dança”. Dito isto, claro que os elefantes também têm o direito de dançar. (Greentrax, distri. MC – Mundo da Canção, 6).