Arquivo de etiquetas: David Sylvian

David Sylvian & Russell Mills – “Ember Glance”

Pop-Rock Quarta-Feira, 18.12.1991


POR QUEM OS SINOS DOBRAM

DAVID SYLVIAN & RUSSELL MILLS
Ember Glance
CD, Virgin, distri. Edisom



Subintitulado “The Permanence of Memory”, o trabalho em questão é o tipo de “bibelot” cultural destinado a alimentar polémicas mais ou menos estéreis sobre o esteticismo, o classicismo das formas, os novos estilistas e o próximo Wenders. De preferência no Bairro Alto. “Ember Glance” ilustra de forma exemplar uma das facetas da arte actual que tende a valorizar o formato, o primado do aleatório, a ambivalência das formas abertas à informação, a aparência, em detrimento do universal.
Trata-se, se não perceberam já, de uma “instalação de escultura, som e luz” montada no “Temporary Museum” de Tóquio, que faz parte de uma série de “exposições, instalações e ‘performances’ experimentais”. Arte, enfim. Esse mundo maravilhoso que ajuda a fazer deste mundo um mundo melhor. Ao folhear o livro profusamente ilustrado (97 pp.), ao passar os dedos pela embalagem, ao puxar a fitinha (sim, há uma fitinha roxa para puxar) somos siderados com tanta coisa bonita, tanta cor, tantos grafismos pós-modernos, tanta fotografia neoclássica, com luzes, contraluzes, desficagens, recortes de folhas, tubos, manchas, anotações à margem, “ready-mades” maricas, enfim, por mil e uma variações sobre a aparência das coisas.
A obra abre (a verdadeira obra de arte é a que abre) com uma citação do Dalai Lama (David Sylvian é muito dado às coisas do Oriente, fundou os Japan, pisca os olhos ao Zen, eu sei lá…): “A qualidade da arte é que faz com que as pessoas que geralmente olham para fora passem a olhar para dentro.” Escutado o CD de ponta a ponta, permanecemos quietos e expectantes à escuta, de ouvidos e olhos em bico, ansiosos para coscuvilhar o lado de dentro, de preferência debaixo do vestido do borracho do lado. Nada aconteceu. O raio X não acendeu. Os cerca de 30 minutos de “música” de fundo, meio restolhar de metais, meio ruído branco, atravessados de 15 em 15 segundos pelo repicar de sinos não foram suficientes. Voltámos a ler o manual: “A estrada que conduz ao aperfeiçoamento de níveis mais altos de consciência alcança-se em parte através de um processo de autoquestionamento.”
Então era isso! Redobrámos a concentração e escutámos o repicar dos sinos, ao mesmo tempo que nos autoquestionávamos, enquanto não fôssemos acusados de descurar algum aspecto, passávamos os olhos pelos bonecos. Em vão. Nenhuns “níveis subtis de percepção” por aí além, nada de ver os acontecimentos de um ponto de vista interior, mais consciente e unificado”. Permanecemos broncos.
“Ember Glance” examina as “ideias de espaço, tempo e memória”, através da utilização de sons, luzes e objectos” deslocados do seu contexto natural e dispostos segundo um espaço teatral, libertos das associações vulgares”. E por aí fora, num tratado de filosofia que procura a todo o custo validar o vazio. No fim de contas, não é o vazio o centro de que falam os budistas? A ideia de “música para instalações” não é nova. Dos Velvet Underground e Andy Warhol e a sua “Exploding Plastic Inevitable”, a Laurie Anderson e Brian Eno, que a música popular (já não falando da infinidade de experiências levadas a cabo no campo das “novas músicas”) tem procurado a todo o custo essa síntese utópica entre as diversas formas de expressão artística, em projectos “multimédia” de menor ou maior dimensão.
Lembremos, por exemplo, alguns projectos de Brian Eno, como o das esculturas-vídeo, o “muzak” ambiental do CD “Thirsty Afternoon”, para citar um nome com o qual Sylvian e Mills (pintor, “designer” e ilustrador que já havia trabalhado nas “esculturas de luz” de vários artistas da Land, editora de Brian Eno, ou no “show” de luzes de um espectáculo de Graham Lewis e Bruce Gilbert, dos Wire) mantêm pontos de contacto. Tudo isto é verdade, interessante e digno de especulação. Sylvian e Mills são artistas respeitados, com um currículo de prestígio. O que não impede que “Ember Glance” seja chato do princípio ao fim. Há ruído e ruído, e não faltam, na música actual, registos cuja audição pode provocar de facto transformações nos hábitos de escuta do auditor, senão mesmo na sua estrutura orgânica, para o melhor e para o pior. “Ember Glance” fica-se pelos sinos e pelas intenções. (4)

David Sylvian – “O Grande Oriente” (televisão)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 24 AGOSTO 1990 >> Local

RTP


O grande Oriente

DAVID SYLVIAN foi o rosto dos Japan. Um rosto belo, andrógino, como o do jovem de “Morte em Veneza”. Também uma voz. Música estranha, a dos Japan, influenciada no início pelos Roxy Music, depois inventando mundos de fantasmas orientais. David Sylvian, Mick Karn, Steve Jansen, Richard Barbieri – o núcleo fundamental. “Make-up”, trejeitos “glamour”, “Don’t Rain in my Parade”, de Barbra Streisand, imagens e sons de transgressão adolescente em “Adolescent Sex”, de 1979. “Obscure Alternatives”, sombrio, longínquo, satieano. Japan, grupo de artistas. Para além da música. Mick Karn é escultor. Sylvian tem a paixão da fotografia, “Gentlemen Take Polaroids” (1980), marcando o início da colaboração com Ryuichi Sakamoto. O Oriente ganha espaço e influência, “Cantonese Boy”, Mao Tse Tung, sedução. “Bamboo Houses”, de novo com Sakamoto, e “Forbidden Colours”, do filme “Merry Christmas Mr. Lawrence”, Sakamoto, ator e compositor, Sylvian, a voz. Os Japan acabam em 1983, com um vídeo e álbum ao vivo “Oil on Canvas”. A pintura. A cor. O traço.
Steve Jansen e Richard Barbieri ocultam-se nas brumas do ambientalismo eletrónico, em “Worlds in a small Room”, e Mick Karn avisa: “Dreams of Reason Produce Monsters”, depois de ter colaborado com Midge Ure (dos Ultravox), Peter Murphy (então nos Bauhaus) e os Dali’s Car.
David Sylvian demanda a beleza absoluta do canto. A sua voz escorre e flui como a água, tomando formas sempre diferentes, sempre envolventes, com os contornos do segredo e a imensidade esférica e absoluta do silêncio. Música flutuando na quietude ativa e expectante do Zen, procurando o lugar certo do som e das palavras. A exatidão, o centro do alvo, a paz geradora da espiral turbilhonante. “Brilliant Trees” (com Holger Czukay e Jon Hassell), “Gone to Earth” (duplo, com Robert Fripp e Bill Nelson), “Secrets of the Beehive”, o video “Steel Cathedrals” – exercícios contemplativos próximos dos de Brian Eno, sons pairando sobre o bulício do mundo, evoluindo noutras esferas. Infinitas. Transmutando a matéria bruta em diamante. Como faz o alquimista. “Alchemy – An Index of Possibilites”. Do Oriente uterino à espada ocidental.
Canal 1, às 14h50

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #17 – “Revelação do ano + Residents”

#17 – “Revelação do ano + Residents”

Fernando Magalhães
25.09.2001 121236

Uma maravilha, o álbum de estreia do duo inglês FORT LAUDERDALE, “Time is of the Essence” (ed. Symbiose).
Crítica já no próximo “Y”.
Mas imaginem um cruzamento de dança/electrónica orquestral/psicadelismo/lounge…perfeitamente integrados num todo original. Stereolab + Angelo Badalamenti + Olivia Tremor Control + Strauss + …
Para ouvir e reouvir muitas vezes!

“Icky Flix” dos Residents é o regresso à grande forma dos Residents. Um álbum épico e perturbante, que recupera a grandiosidade de “Not Available”.
A versão em DVD inclui ainda mais música e uma quantidade de vídeos do grupo. Pela amostra das imagens do livrete interior, deve ser qualquer coisa de majestoso, perigoso e tripante.

FM

PS-Inqualificavelmente mau, o concerto de David Sylvian, ontem, no Coliseu. Ao fim de 45 min. desisti e fui-me embora.
Segundo já me disseram (inclusive admiradores do músico) até ao final foi sempre a piorar!