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Dan Ar Braz – “Héritage Des Celtes”

Pop Rock

8 de Fevereiro de 1995
álbuns world

DAN AR BRAZ
Héritage des Celtes

Columbia, distri. Sony Music


dab

Dan Ar Braz, guitarrista com passado feito na banda de Alan Stivell, não oferece, com a sua posterior obra a solo, grandes motivos de elogio, ao contrário do que aconteceu com outro companheiro seu e de Stivell, Gabriel Yacoub. Braz raramente conseguiu ultrapassar os limites de uma música bonitinha, nas margens do “mainstream”, do rock sinfónico e da “new age”. Neste disco, resolveu empenhar-se num projecto mais “sério”. Só que tanta seriedade não passa de pretensão e os resultados reduzem-se a uma declaração de intenções. A “herança dos celtas” reduz-se aqui a algumas canções de variedades, na voz – bonita – de Karen Matherson, dos Capercaillie, como “Language of the gaels”, gaitadas ao melhor estilo “polaroid” de castelo escocês, doses reforçadas de reverberação (é o que está a dar com os “celtas”…), teorizações (“uma breve história de…” sobre o povo que 2000 anos antes de Cristo já tinha conquistado a Europa, os Balcãs e a Ásia Menor), uma apresentação de luxo (a capa é a 1328ª variação sobre a tripla espiral “an triskell”) e o lote de convidados escolhidos a dedo da ordem, entre os quais Patrig Molard, Jacques Pellen, Jean-Michel Veillon, Donnal Lunny, Nollaig Casey, a Shotts Pipe Band e a Bagad Kemper. Ou seja, gente recrutada das várias regiões célticas, o que não chega para fazer de “Héritage des Celtes” uma obra com o fôlego e a importância de “Symphonie Celtique” de Alan Stivell. Os únicos momentos onde a música consegue desligar o interruptor do “disco de fusão com celtas e batida rock” e ser algo mais que o simples afago dos sentidos são aqueles em que o bretão Yann Fanch Kemener, em “Maro eo ma mestrez” (numa versão bastante diferente da incluída no lendário “Chemins de Terre”, ainda de Stivell) e “Me zo ganet e kreiz ar mor” (aqui com uma segunda guitarra, de Jacques Pellen, e em diálogo com outro bretão lendário, Gilles Servat), ensina que a simplicidade é a melhor forma de chegar ao santuário do templo. O armazém Braz & Braz, ao contrário do outro, não tem. (5)



Dan Ar Braz – A Toi et Ceux

27.02.2004
Dan Ar Braz
A Toi et Ceux
Columbia, distri. Sony Music
5/10

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Dan Ar Braz fez pela vida. O guitarrista bretão que acompanhou Alan Stivell nos primeiros anos deste harpista, palmilhou a estrada que conduz ao castelo das estrelas. Hoje, como Carlos Nunez ou os Chieftains, Braz é uma estrela que se pode permitir estourar orçamentos gordos, convidando artistas folk e rock de nomeada. O fundador do megaprojecto “Heritage dês Celtes” enveredou a partir desse disco pelo caminho mais fácil, tentando chegar às massas pela via do choradinho “new age” e do postal do misticismo céltico, cozidos no caldeirão das fusões. Em “A Toi et Ceux”, sem grandes trutas no estúdio (só Martin O’Connor, no acordeão), Braz vende mais um bocadinho da alma ao diabo. “Mary’s Dancing”, cocktail ligeiro de celtismo e música africana, com arranjo pindérico, e “Look around you” não abonam a favor. Do outro lado, “Dan’s fisel” oferece um bom desempenho de Ronan Le Bars nas “uillean pipes” apesar do tema, bem como “Orgies Nocturnes” (com boa bombarda e guitarra eléctrica prog), recuarem exactamente ao ponto, nos anos 70, em que Alan Stivell anunciou ao mundo o folk rock bretão, no álbum “Chemins de Terre”. O resto, quase tudo, foi de mais.

Dan Ar Braz – Finisterres (conj.)

16.01.1998
WORLD/CELTA
Remissão Dos Pecados
Se nalguns casos a passagem do tempo pode descaracterizar a música, noutros tem como efeito o apuro de qualidade e de um estilo. Foi o que aconteceu a três nomes conceituados da folk céltica, cujas gravações nem sempre têm estado à altura dos seus pergaminhos: Dan Ar Braz, Na lúa e Ceolberg. Os respectivos novos álbuns são, qualquer deles, agradáveis surpresas. O som das harpas continua a ser de luz, a julgar pelos novos trabalhos de Wendy Stewart e das Sileas.

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Bem-vindo, senhor Dan Ar Braz, ao grupo dos que recusam o supérfluo e a mistificação. Para este antigo guitarrista de Alan Stivell abriram-se de novo portas que pareciam estar em definitivo encerradas pela fase inicial do seu percurso a solo – marcado por exercícios de estilo em torno de um certo “celtic jazz” com tradições na Bretanha, mas envolto numa aura de “easy listening” pouco exigente. Mas Dan Ar Braz emendou a mão, oferecendo-nos em “Finisterres” uma lição sobre como fazer uma música endereçada às maiorias, sem ceder a fórmulas de massificação gratuita.
Mais ainda que “L´Héritage des Celtes”, que passou a servir de designação ao colectivo de participantes, “Finisterres” começa por ser uma agremiação arrepiante de nomes sonates da música de raiz celta europeia: Donal Lunny, Noel Bridgeman, Nollaig Casey, Jacques Pellen, Donald Shaw, Gilles LeBigot, Carlos Nunez, Sharon Shannon, Karen Matheson, Maíre Ní Chatasaigh, Gilles Servat, Mairtin O’Connor, Liam O’Flynn e a Bagad Kemper, entre outros de menor nomeada.
Poderia ser um catálogo de venda a retalho, mas não é. Com alguma surpresa, dados os antecedentes, “Finisterres” demonstra um propósito e uma unidade fora do comum. Evidentemente, tudo funciona na mesma escala de proporção de peso dos nomes presentes, mas sem que alguma vez se sinta esse outro peso, bem menos dignificante, do excesso.
Sabe bem escutar Carlos Nunez, por uma vez liberto da tentação do protagonismo fácil, retomando o gosto pela singeleza, no tradicional “La Costa De Galicia”, com arranjo seu e de Donal Lunny a quem coube a produção geral do projecto. Também é preciso dizer que tem a seu lado, neste tema, Sharon shannon, para o pôr no lugar.
Há aqui de tudo para todos, pop e tradição enlaçados, vozes antigas e modernas, pormenores de excelência técnica inseridos no sítio certo, confeccionados como um bolo, no qual, desta feita, Dan Ar Braz se preocupou menos com a cobertura de açucar do que com a qualidade da massa.
Fusão? Sem dúvida, da tradição mais antiga com a linguagem da electricidade e da actualidade, como exemplarmente é ilustrado por “Labroella”, tema onde a ancestralidade do canto de Manu Lanhuel se enquadra de forma natural no estilo, quase progressivo, das guitarras, eléctricas e de 12 cordas acústicas de Dan Ar Braz e Jacques Pellen. Outro apontamento digno de registo desta aliança entre dois tempos diferentes encontra-se, logo a seguir, no magnífico diálogo a três mantido entre as “uillean pipes” de Ronan Le Bars, o violino de Nollaig Casey e o acordeão diatónico de Donald Shaw, num “irish breton folk rock” cheio de vitalidade e frescura (Saint George, distri, Sony Música, 7).

Com 18 anos de existência os escoceses Ceolbeg têm tido uma carreira atribulada, marcada quer pela troca de músicos quer pela escassa, e nem sempre exemplar, produção discográfica. “Ceolbeg 5”, como o nome indica, o quinto álbum desta banda – que já actuou ao vivo entre nós, num concerto na Amadora -, merece rasgados elogios. Se num passado recente, em álbuns como “Seeds To The Wind” e “An Unfair Dance”, a dinâmica musical funcionava com base na alternância entre baladas vocais, nem sempre interpretadas de forma imaculada (os Ceolbeg nunca brilharam por ter bons vocalistas…) e instrumentais construídos sobre uma rítmica declaradamente rock, em “Ceolbeg 5”, verifica-se uma inflexão de 180 graus.
desapareceu o rock e apareceu em seu lugar uma subtileza instrumental (antes a tónica era posta na energia) que há muito não se via no grupo. Os Ceolbeg são, pelo menos por agora, um grupo clássico, capaz de viajar com a mesma segurança pelo “drive” poderoso das “Highland pipes”, em todos os “sets” a que é chamado a participar o novo elemento Mike Katz, e a poesia da voz, da “clarsach” (harpa escocesa), ou da harpa electrificada de Wendy Stewart, que neste álbum alarga os seus dotes de executante à concertina.
Como que não querendo cortar de forma abrupta com um passado feito de algumas cedências, os Ceolbeg ficaram-se desta vez, felizmente, em termos de “fusão”, apenas pela escrita. Assim, o “jazz funk” mencionado no tema inicial é sobretudo um estado de espírito que anima a incandescência das “pipes”, bem como o “reggae” (que ainda há bem pouco fez naufragar os Ceolbeg nas águas de algum mau gosto…) não passa de nota de rodapé numa composição de Robert Burns (“Willie Wastle”), onde se projecta uma hipotética passagem deste noma mítico da música e da poesia escocesas pela Jamaica.
Mesmo em “The Nodding Song”, outra composição de Robert Burns, o compasso de ressonâncias jamaicanas dilui-se no fraseado da harpa e na fluência e acentos, absolutamente célticos, da gaita-de-foles de Mike Katz. O último tema, “The Gaberlunzie Man”, reforça de forma definitiva o novo estatuto dos Ceolbeg: é uma balada de extraordinária beleza, cujas entoações vocais mergulham no mais puro estilo tradicional e onde todas as partes, do tapete de teclas clássicas, à harpa e às “Highland pipes”, funcionam ao serviço da magia desta composição épica. Está ao nível do melhor que se pode encontrar no clássico “Celtic Hotel”, dos Battlefield Band, aos quais os Ceolbeg começam a morder os calcanhares.
Temos Ceolbeg naquele que é, sem sombra de dúvida, o seu melhor álbum de sempre (Greentrax, distri. MC – Mundo da Canção, 8).

Wendy Stewart, harpista dos Ceolbeg, prossegue com “About Time 2” a sua aventura a solo, iniciada em moldes semelhantes na estreia, “About Time”. Nas variantes acústica e electrificada da harpa, em concertina, e voz, Wendy faz-se acompanhar neste seu segundo registo por três seus antigos companheiros no grupo, Gary West, nas “scottish small pipes” e “low whistles”; Colin Matheson, na guitarra; e Jim Walker, em tambor e percussões.
Álbum feito de delicadeza, sempre que a harpa murmura os seus “airs” e marchas tecidas em filigrana, “About Time” apresenta uma curiosa selecção de temas, que inclui, além de tradicionais e originais da harpista, versões de “The Kitchen Piper”, de Donald McLeod, “The January Man”, de Dave Goulder (cuja vocalização faz lembrar uma June Tabor de voz mais doce), e “Fotheringay”, um dos temas mais antigos dos Fairport Convention, com a assinatura de Sandy Denny, aqui mergulhando numa melancolia tão ou mais forte que a do original. “Rachael Rae” transporta colorações da música árabe da Idade Média para a harpa, “Fish Feis” é “swingante” e “jazzy” à maneira de uma Savourna Stevenson, a gaita-de-foles balouça com languidez em “Probabobaly”, a “tentativa de composição de uma marcha, em estado de embriaguez, dos Ceolbeg, descrita pelo baterista do grupo como ‘probabobaly the best tune in the world…’”.
Um álbum para ouvir em rectao em locais como Sintra, nas margens de um lago subterrâneo, ou num castelo por cima das nuvens (Greentrax, distri. MC – Mundo da Canção, 8).

A harpa domina ainda “Play on Light”, quarto álbum, depois de “Delighted With Harps”, “Beating Harps” e “Harpbreakers”, das Sileas, um duo formado por dois expoentes deste instrumento, as escocesas Mary MacMaster e Patsy Seddon, também pertencentes às Poozies e aos Clan Alba. Muito mais que o disco de Wendy Stewart, “Play on Light” é em primeiro lugar um trabalho dedicado em exclusivo a um instrumento específico, a harpa, que agradará sobretudo aos apreciadores dos estilos e da sonoridade deste instrumento, mas ao qual um ouvido mais generalista não conseguirá ficar indiferente. A este impressionará, provavelmente, mais do que os pormenores técnicos e de expressão das duas executantes, a beleza das baladas vocalizadas, a solo ou em suaves harmonizações em dueto, por uma e por outra. Para entrar em bicos de pés e com os ouvidos, muito, muito limpos. (Greentrax, distri. MC – Mundo da Canção, 8).

Confessamos o nosso relativo desapego pela música dos galegos Na Lúa, cuja principal virtude terá sido, até agora, a de revelar a voz da nossa bem conhecida Uxia. Como acontece com inusitada frequência na Galiza, a música dos Na Lúa padeceu quase sempre de indefinição, hesitando entre uma prática fusionista e comercial e a entrega a uma leitura mais profunda do reportório tradicional galego. Na mesma altura em que pela primeira vez surge no nosso mercado o álbum de estreia do grupo, “Na Lúa”, marcado por alguma incipiência técnica mas onde são já visíveis as diversas e díspares vertentes que determinariam a posterior evolução do grupo, este novo “Os Tempos Son Chegados” vem revelar algumas qualidades pouco exploradas na sua obra anterior. Sem abandonar o gosto por outras músicas, aqui expreso, por exemplo, no cunho cubano imprimido ao título-tema, muito Sierra Maestra (Santiago de Compostela ligada por laços invisíveis a Santiago de Cuba?…), os Na Lúa, por força da insistência numa sonoridade híbrida, acabaram por criar com “Os Tempos Son Chegados” um objecto de extraordinária originalidade.
Curiosamente, pelo desejo de afirmação de uma nação galega universal, ponto de confluência de tradições múltiplas, é impossível não pensar numa idêntica visão – embora com desenvolvimentos e implicações, não só musicais como também políticas, bem mais importantes – cultivada em toda a sua produção recente pelos Milladoiro. Mas atenção, que apesar de o seu mundo ter as fronteiras mais apertadas, os Na Lúa chegam a pousar num lugar tão longínquo quanto o seu nome deixa adivinhar. A Galiza de um tema como “De Andar Camino” tem as raízes no planeta Terra e os olhos postos na Lua. “Muineiras” negras (“Ribeirana”), e “cajun” (“Cantar de Canteiros”), um coreto a comandar passos de valsa com sabor a tango (“Liberación”), a Arábia coberta de verde (“aryel”), vinho com sabor a petróleo em condutas “hornpipe” (“A aventura dos pipelines”), o Minho mais belo do que nunca (“Coro das Maçadeiras”), a Galiza dos Na Lúa enlouqueceu. Os tempos parecem, de facto, chegados para os Na Lúa afirmarem a sua diferença. As fotografias do interior da capa são magníficas. Rendemo-nos! (Do Fol, distri. MC – Mundo da Canção, 8).