Pop Rock
2 de Outubro de 1996
Colin Moulding fala da nova colectânea do grupo
“THE XTC FILES”
São os “singles”, alinhados por ordem cronológica, de “Fossil Fuel, The XTC singles, 1977-92”, como poderiam ser outras gemas entranhadas na extensa galeria Pop, a um tempo límpida e complexa, dos XTC, descendentes excêntricos dos Beatles e dos Kinks, artesãos para quem construir três minutos de canção é uma tarefa sagrada.
Um fóssil, uma amobite em relevo na tampa do compacto, faz de sinal e de escudo, na despedida dos XTC da Virgin, editora onde gravaram a maior parte da sua discografia. “Fossil Fuel,the XTC singles, 1977-92”, um entre os vários “o melhor de” possíveis dos XTC, chama a atenção para o que já deveria ser uma evidência: os XTC são a melhor banda pop inglesa. E a mais clássica. E a mais incompreendida. Colin Moulding, baixista e compositor do grupo, em entrevista ao PÚBLICO, defendeu a sua dama.
PÚBLICO – Faz quatro anos que saiu “Nonsuch”. “Fossil Fuel” é uma tentativa de manter vivo, na memória, o nome do grupo?
COLIN MOULDING – O que se passa é que estamos prestes a acabar com a nossa velha companhia, a EMI-Virgin. O contrato especificava que podiam editar uma colectânea quando saíssemos.
P. – Já há planos para um álbum novo de estúdio?
R. – Sim, mas não queremos gravar mais nenhum disco na Virgin. De momento, estamos à procura de uma nova editora. Logo que assinemos um novo contrato, vamos começar a gravar. O que provavelmente acontecerá na Primavera do próximo ano. Para já, não temos a editora, nem sequer um título, mas decerto que já temos as canções.
P. – O que fizeram neste intervalo de quatro anos? Tem sido um longo silêncio, não?
R. – De facto, mas não inteiramente por nossa culpa. Houve problemas legais que não conseguimos resolver e que escaparam ao nosso controlo. Mas, individualmente, trabalhámos em sessões e em duas ou três produções. Eu trabalhei com uma banda francesa, L’Affair Lois Trio, Dave Gregory trabalhou com Mark Owen, dos Take That, e Andy Partridge produziu o álbum de Martin Newell [“The Greatest Living Englishman”], Além disso, foi editado, na América, um álbum em nossa homenagem, com Joe Jackson e Sarah McLaughlan, entre outros artistas.
P. – Quer dizer que os XTC já são história?…
R. – Espero bem que não! O novo álbum mostrará uma mudança radical no nosso estilo que irá surpreender as pessoas.
P. – Pensa que o melhor dos XTC está verdadeiramente nos “singles”?
R. – Talvez não. Não é bem um “best of” mas apenas uma colecção de “singles”, que são aquilo que o público em geral gosta mais de ouvir. De facto, não é o nosso melhor material…
P. – A maior parte da crítica musical, em que não nos incluímos, desvalorizou álbuns como “English Settlement” ou “Mummer”, ou seja, a fase posterior ao período inicial “new wave” do grupo. A revista “Q” classificou mesmo esses trabalhos como “irritantes” e “sem verdadeiras canções”. Esse tipo de apreciações não o incomodaram?
R. – É aborrecido, sim, mas o que é preciso ter em mente é a maneira como a banda evoluiu ao longo do tempo. Em geral, as pessoas que gostam dos nossos primeiros álbuns não gostam dos posteriores e vice-versa. Perdem-se fãs e ganham-se outros.
P. – Mas não será, também, porque a música do grupo, sobretudo a partir de “Black Sea”, se tornou mais difícil, não se deixando “apanhar” às primeiras audições?
R. – Sim, mas a melhor música deveria ser sempre assim, não é verdade? Ter que se ouvir uma série de vezes para ser apreciada em pleno. Não consigo imaginar o grupo a fazer outra vez um álbum como “White Music. Fizemos esses discos quando tínhamos vinte e poucos anos. Vinte anos depois, não é mais possível fazer discos assim, se quisermos continuar a ser nós próprios.
P. – Qual é, para si, o melhor álbum do grupo?
R. – Escolheria todo o período compreendido entre “Black Sea” e “Skylarking” [que abrange os menosprezados “English Settlement” e “Mummer”, duas peças fulcrais na obra do grupo].
Frutos do psicadelismo
P. – Os Talking Heads, relativamente à primeira fase, e os Beatles e os Kinks sempre foram citados como influências. Concorda?
R. – Os Talking Heads não! Se reparar, “White Music” tem mais a ver com banda desenhada de ficção científica. Os Beatles, sim, mais tarde, sobretudo em “Black Sea”. Assim como há várias canções nossas onde se sente a influência de Ray Davies e dos Kinks, como “The everyday story of small-town”, de “The Big Express”, ou “Respectable Street”, de “Black Sea”.
P. – Como em Ray Davies e nos Kinks, a música dos XTC caracteriza-se por uma acentuada “Englishness”. É um aspecto trabalhado ou uma inclinação natural?
R. – Essa característica existia, sim, mas tenho que reconhecer que, no último par de álbuns, o som se tornou mais “americano”, sobretudo em “Oranges and Lemons”. Essa foi, aliás, uma das críticas que as tais revistas, como a “Q”, nos fizeram. Mas sabe como é, recebe-se influências de todo o lado…
P. – “Oranges and Lemons” foi igualmente conotado com o revivalismo do psicadelismo…
R. – Foi como que um derradeiro vestígio do projecto The Dukes of Stratosphear, que era uma “pastiche” das bandas psicadélicas.
P. – Qual é o papel desempenhado nos XTC por cada um dos elementos do grupo? São todos tão excêntricos como Andy Partridge aparenta?
R. – O que posso dizer é que, quando nos juntamos os três, damos origem a uma espécie de híbrido muito estranho. Pessoalmente, vejo-me mais como simples baixista do que como compositor.
P. – Andy Partridge descreveu-se uma vez, a propósito da sua atitude no estúdio, como um cruzamento de Walt Disney com Benito Mussolini, um ditador benevolente. É mesmo assim?
R. – [risos] Não estou a ver a ligação com Walt Disney… Eu diria antes o cruzamento de Benito Mussolini com o seu amigo Adolfo…
P. – Dave Mattacks toca bateria em “Nonsuch”. Entrou em definitivo para o grupo ou preferem trabalhar sempre com bateristas convidados?
R. – Dave é um excelente baterista e gostaria que ele participasse no próximo álbum, mas não nos podemos dar a esse luxo. Penso que ele não gostaria de pertencer ao grupo, numa base permanente, está sempre ocupado com outros projectos.
P. – Quem teve a ideia de pôr o relevo com o fóssil da amobite a enfeitar a caixa do compacto?
R. – Foi Andy Partridge. Algum do material do disco é tão velho que quase se fossilizou – uma relação de fósseis. Basicamente, é o mesmo conceito de “Relics”, dos Pink Floyd.