Pop Rock
21 JULHO 1993
CHAPÉUS NA CABEÇA
Chapéus, como independências, há muitos, como diria mestre Vasco Santana. A cada cabeça seu chapéu, de preferência um que lhe assente bem. A música independente feita e produzida em Portugal está viva e mexe. Mas talvez mexa mal. O problema está umas vezes nas cabeças, outras nos chapéus.
Editam-se discos, vai havendo espectáculos. A crítica – de música, como de desporto, como de política –, que é sempre culpada de tudo o que é mau, vai mesmo assim escrevendo sobre os discos e sobre os espectáculos. Infelizmente, uns e outros nem sempre são de se lhes tirar o chapéu.
Há quem defenda que “independente é bom”, só porque feito e editado à margem ou porque o simples estatuto de “independente” (por vezes apenas de intenção, porque, quanto a resultados artísticos, são com frequência tão maus ou piores que os dos privilegiados das “majors”…) obriga a que se diga bem a todo o custo. Entre os argumentos esgrimidos aponta-se o dos discos que não vendem, pondo em risco a existência das pequenas editoras, que vêem o futuro fugir-lhes debaixo dos pés. Um muro de lamentações.
Vamos por partes. Divulgar, sim. Apoiar, sem dúvida. Esconder, quando é caso disso, que o rei vai nu é que nunca. Os músicos, independentes ou não, não são intocáveis, desde o momento em que dão a conhecer em público o seu trabalho. E neste ponto, o crítico deverá criticar, como lhe compete, chamando as coisas pelos seus nomes e pondo os dedos nas feridas, até para evitar que mais tarde as transformem em chagas.
Em Portugal existem bons músicos independentes como existem maus músicos independentes. Bons discos de música independente ao lado de maus discos de música independente. Alguns músicos independentes, ao primeiro aceno, iriam a correr abrigar-se debaixo das saias das multinacionais, desejosos de perder a sua independência. Outros, decerto que não. São os que colocam a integridade e a liberdade de criação acima de quaisquer pressões e compensações materiais. Serão a maior parte, mas mesmo estes não podem exigir a intocabilidade, com a pretensão de que tudo o que lhes sai das cabeças pertence ao domínio dos deuses, ficando reservado ao crítico o papel de bonzo venerador do seu génio.
É preciso ter humildade, encolher o ego e, nalguns casos, escolher com cuidado os chapeleiros. É que do génio ao ridículo, às vezes, vai a distância de um passo. E fica sempre mal uma pequena cabeça pequena enfiada num chapéu demasiado largo. Cada cabeça sua sentença, é verdade. Como também é verdade que uma cabeça que pensa sabe observar as cabeças alheias. E descobrir-lhes as carecas.
Uma cabeça que pensa não gosta sobretudo que lhe enfiem o barrete, que, como toda a gente sabe, é um tipo característico de chapéu nacional.