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Bryan Ferry – “New Town – Live in Europe” (vídeo | VHS)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 14 NOVEMBRO 1990 >> Pop Rock >> Videos


CASANOVA NA CIDADE NOVA

BRYAN FERRY
New Town – Live in Europe
Edição: Edivídeo



Começa como hoje em dia começam todos os vídeos de atuações ao vivo: com imagens a preto e branco, em câmera lenta, de aspetos das cidades em que se realizam os espetáculos, acompanhadas de pormenores do público expectante e de sons indefinidos, vindos de longe. Depois é a irrupção gloriosa, em cena, do(s) artista(s) e o aparecimento da cor.
Neste caso, são imagens noturnas de Berlim (obviamente a “new town”, hoje referência chique para tudo o que se pretende “europeu”…), de Paris e de uma prostituta, dando por fim lugar a um letreiro anunciando o nome do cantor.
No palco, os símbolos que se esperam: plumas, “glamour”, sedas, lantejoulas, raparigas de mini-saia e sapatos de salto (muito) alto. À frente, o sedutor, camisa e meia brancas, colete florido, casaco clássico, sapatinho de pala italiano.
Farripas de cabelo tombam-lhe meticulosamente sobre a testa, compondo o ar de eterno romântico ressacado. Ao fundo, a figura de um demónio oriental, dá o conveniente tom de exótica luxúria, enquanto Ferry canta já “Nimrod”, a “lush life” e os prazeres da decadência. A voz afoga-se no meio de filtros e efeitos. Procura seduzir, em trejeitos de Casanova, sem conseguir fazer esquecer a versão original de “Country Life”, ao mesmo tempo que uma das raparigas do coro faz “charme”, sentada a um canto do palco. A câmara vai lá e mostra.
“Slave to Love” cola-se ao cantor como uma segunda pele. A rapariga prossegue nos requebros sugestivos. A câmara vai lá, não deixa escapar nada. A voz de Ferry, ouve-se, já não é o que era. Só não se vê porque estão lá as raparigas, para desviar a atenção. Bom momento instrumental com “Bogus Man”, dos temas mais experimentais de “For Your Pleasure”, dos Roxy Music. “Ladytron” (do primeiro álbum “Roxy Music”) vale pela subtileza das percussões de Steve Scales, a excelente (aqui sim) interpretação de Ferry, que também toca piano, e, de novo, pela rapariga da saia mais curta, que parece rezar, mas deve ser a fingir, porque o realizador investe, em termos videográficos, como é evidente, sobre a sua (dela) perna. Em “While my Heart is still Beating” o realizador vai lá (vai sempre, seja ao que for das raparigas), enquanto Bryan Ferry se entretém a cantar fora de tom.
A anatomia externa das raparigas parece ser a fixação principal do realizador que, chegado a este ponto, já não sabe como evitar a monotonia visual. “A Wasteland” prossegue na mesma via. As raparigas são sempre as mesmas, bem como os vestidos e, consequentemente, sobressai um certo cansaço. O realizador procura ainda novos ângulos, mas debalde – já conhecemos de cor e salteado aquilo que a câmara insiste em nos mostrar.
Primeiro grande momento do espetáculo: “In Every Dream Home a Heartache”, dos melhores e mais perturbantes temas dos Roxy Music (cuja versão definitiva se encontra no álbum “Viva!”), paradigmático do negrume oculto por detrás da “féerie”, ao cantar a relação amorosa com uma boneca insuflável. Desta vez o realizador acerta em cheio, ao optar por filmar, em grande plano, o rosto devastado do cantor, iluminado por um foco de luz branca que lhe acentua as rugas e papadas. Sublime e trágico. Infelizmente, quando Ferry canta o orgástico final – “I blew up your body… but you blew my mind!” – e o tema explode instrumentalmente, o realizador salta imediata e visualmente para onde bem sabemos, acentuando o óbvio e estragando o ambiente entretanto criado.
Até ao fim, destaque ainda para “Boys and Girls”, “Avalon” (em ambos com Ferry de novo ao piano) e o tema final “Do the Strand” (outro clássico Roxy Music), em que dá tudo por tudo, quase fazendo esquecer os bons velhos tempo com Eno, Andy McKay e Phil Manzanera.
Da voz de Bryan Ferry, neste “New Town”, se poderá dizer não estar na sua melhor forma. Quanto à parte visual, quase tudo se reduz às proezas e fixações atrás mencionadas. Muito pouco em relação ao que seria legítimo esperar. Os nomes das raparigas vêm mencionados na ficha técnica. **

Bryan Ferry – “Taxi”

pop rock >> quarta-feira, 24.03.1993


Bryan Ferry
Taxi
LP / MC / CD Virgin, distri. Edisom


Para entreter enquanto não sai o novo de originais, Ferry, o galã “chic” e decadente que veste “Comme des Garçons”, voltou a apostar na fórmula “álbum de versões”, já seguida, de resto, anteriormente, em “These Foolish Things” e “Another Time Another Place”, com resultados por vezes brilhantes. Só que desta feita pouco se aproveita, sendo demasiado visível que Ferry se limitou a assinar o ponto, num disco totalmente falho de paixão, coisa que deveria estar sempre presente quando se trata de cantar as canções do próximo, e que ele parece ter guardado para o próximo disco. “Taxi” acumula truques de produção, batidas “disco” enjoativas e interpretações que, não raras vezes, roçam a sonolência. Mais valia ter ficado quietinho ou ter-se limitado a um “single”. Até há uma versão engraçada, levezinha, de “All Tomorrow’s Parties”, que servia bem para o efeito. Entre os convidados isentos de bandeirada estão Robin Trower, Chris Stainton, David Sancious, o português Luís Jardim, Flaco Jimenez, o antigo companheiro nos Roxy Music Andy MacKay e dois velhinhos King Crimson, Mel Collins e Mike Gilles. Bryan Ferry define-se como um perfeccionista. Se “Taxi” é o que ele entende por perfeição, vou ali, já venho. Chamada ao telemóvel número… (4)

Bryan Ferry – Another Time, Another Place (conj.)

12.05.2000
Reedições
Um Outro Tempo, Um Outro Lugar
Roxy Music
Manifesto (7/10)
Flesh + Blood (7/10)
Avalon (6/10)
Bryan Ferry
These Foolish Things (8/10)

bryanferry_another

LINK (Parte 1)
LINK (Parte 2)
LINK (Parte 3)
pwd: www.AvaxHome.ru

Another Time, Another Place (8/10)
Let’s Stick Togheter (7/10)
The Bride Stripped Bare (7/10)
Virgin, distri. EMI-VC
Os melómanos / consumidores mais compulsivos não têm mãos a medir, diante da oferta que se lhes depara, apresentando as gravações mais perfeitas ou as capas mais fiéis aos originais, dos discos reeditados dos seus ídolos. Arrumados os vinis na estante, chegou a vez de também os CD rapidamente ganharem poeira, em remasterizações que competem entre si no recorde de bits. Mas com os Roxy Music, à semelhança de outros casos, vale mesmo a pena possuir o “objecto perfeito”. Completa uma primeira fase de remasterizações dos primeiros cinco álbuns do grupo, compreendida entre “Roxy Music”, de 1972, e “Siren”, de 1975, seguiram-se os três álbuns respeitantes à última fase, “Manifesto”, de 1979, de “Flesh + Blood”, de 1980, e “Avalon”, de 1982. Pouco tempo depois chegavam aos escaparates nacionais as remasterizações, embaladas em capas melhoradas, dos cinco primeiros álbuns a solo de Bryan Ferry.
Dos três últimos Roxy Music, “Manifesto” é o trabalho que menos desmerece dos anteriores trabalhos de estúdio do grupo. O cabaré retrofuturista já fechara as portas e o glam fora definitivamente apagado dos rostos dos músicos, mas a festa não tinha ainda terminado. Continuava no casino e nos passos de uma dance music de manequins cortada ainda por alguma decadência, mas com os seus principais intervenientes, a começar por Ferry, a mostrarem-se incapazes de separar a pose da ironia. Dividido entre um “east side” e um “west side”, o som americano impunha-se através de uma soul elegante (Luther Vandross participa nos apoios vocais) que ofuscava a sofisticação e os maneirismos geniais dos cinco primeiros álbuns. “Angel eyes”, “Ain’t that so” e “Dance away” foram passados na rádio até à exaustão.
O álbum seguinte, “Flesh + Blood”, recupera as imagens das amazonas, mas perde na comparação com o seu antecessor. A energia está mais dispersa, a tensão de opostos que sempre servira de carburante para a criatividade do grupo dera lugar a uma máquina bem oleada. Mas, se “Same old scene” ou “My only love” são canções feitas para ficar no ouvido, é difícil resistir ao apelo nocturno de “In the midnight hour” e, sobretudo, à versão estratosférica de “Eight miles high”, dos Byrds.
Previsivelmente, o último capítulo da saga, “Avalon”, capitaliza em exclusivo no enfeite e no luxo dos arranjos e da produção. Álbum limpo, suave ao ouvido como cetim, o seu brilho é o de um pechisbeque bem confeccionado que procura arrancar em força com mais um “hit”, “more than this”, mas rapidamente se esgota em instrumentais de um hedonismo onde a pele dera lugar a uma película de plástico. Ah, é verdade, já circulam por aí as versões cartonadas destes três álbuns…
Bastante mais interessante acabou por ser o percurso a solo de Ferry, também neste caso, com os cinco primeiros álbuns a mostrarem-se os mais pujantes. “These foolish things”, de 1973, confirmava a faceta de “crooner” do cantor, ao mesmo tempo que o impunha como um “gourmet” apto a degustar tanto os “standards” de décadas mais recuadas (de forma infinitamente mais conseguida, diga-se de passagem, do que no recente “As time goes by”), como clássicos pop de Dylan ou dos Rolling Stones. A afectação e o exagero resultavam bem melhor do que a imagem cansada e “snob” que viria a seguir.
“Another Time, Another Place”, editado no ano seguinte, continua a mesma estratégia de versões nas quais se torna difícil distinguir a desmontagem sarcástica e a homenagem devota. Fosse como fosse, ganham colorido e um delicioso desequilíbrio canções como “Help me make it through the night” e a irresistivelmente apaixonada “Smoke gets in your eyes”, dignas de partilharem as imagens de Ingrid Bergman e Humphrey Bogart.
Em “let’s Stick Togheter”, Bryan Ferry insistiu nas versões, mas desta feita de temas dos Roxy Music, como “Casanova”, “Sea Breezes”, “2HB”, “Chance Meeting” ou “Re-make / Re-model”, as quais, se não fazem esquecer o vigor e a faceta desestabilizadora veiculada pela banda, ganham porém no modo como o cantor extrai delas um licor amargo que, infelizmente, muito em breve iria perder todo o sabor.
Em 1977 o punk era rei e senhor e em “In Your Mind” Ferry não de furta a uma aproximação mais visceral ao rock. Foi o primeiro dos seus álbuns a ter honras de edição portuguesa. Em vez de um cenário de Hollywood e de idílios etílicos à beira de piscinas de champanhe, Ferry compunha agora as suas próprias canções, escudando-se por detrás de uns óculos escuros e transferindo as suas obsessões, em “All night operator”, para uma conversa telefónica – “All night operator, dial me a better line (…) Can’t you hear me talkin’ to you? Do telephones make you cry?” – com chamada a pagar no destino, por um eco de amargura.
Recebido na época como um álbum “surrealista”, “The Bride Stripped Bare” (o título é, aliás, o de uma pintura de Marcel Duchamp), de 1978, é um álbum atravessado por pulsões contraditórias (que era o que distinguia os Roxy Music da primeira fase de todos os outros grupos dos anos 70), onde o gospel, a soul, o sentimento de culpa, a passagem do tempo, a desilusão e – sempre – uma inultrapassável elegância correm por lamentos como “Take me to the river” ou pelo tradicional irlandês “Carrickfergus” antes de desaguarem – “so near, yet so far” -, uma vez mais, na solidão.