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Vários – “Smiles, Vibes & Harmony – A Tribute To Brian Wilson”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 25 JULHO 1990 >> Videodiscos >> Pop

SURFISTAS DE IMPROVISO


VÁRIOS
SMILES, VIBES & HARMONY – A TRIBUTE TO BRIAN WILSON
LP, DEMILO, IMPORT. CONTRAVERSO




Hoje, os rapazes da praia são uma instituição “yankee”, espécie de “museu vivo” que faz as delícias dos turistas. A sua noção de “fun” limita-se, agora, ao “toma lá canção, dá cá a nota”. O mito, porém, persiste. Brian Wilson não é um “velho da praia”. A sua figura mantém-se, de certo modo, incólume, em termos de produção discográfica, nunca descendo a níveis excessivamente comprometedores. Continua a merecer respeito e admiração.
Os mais novos não param de descobri-lo. Em “Smiles, Vibes & Harmony” é-lhe prestada homenagem. Cada qual safa-se, o melhor que pode e sabe, na tarefa. A maioria safa-se mesmo a contento. São quase todos nomes desconhecidos, exceção feita aos Sonic Youth, Nikki Sudden e, vá lá, os Das Damen. O resto é esquisito e com designações a atirar para o estranho – Handsome Dick Manitoba, Peter Stampfel & The Bottle Caps, Dos Dragsters (Sea Foam Green) e por aí fora. Curiosamente, na prática, todos eles assumem uma atitude nada transgressora, em certos casos agindo mesmo como réplicas da banda original.
Os tais Manitoba reduzem os Boys ao rock vulgaríssimo: guitarras a tocar e toca a andar. Em “Dance, Dance, Dance” comete-se o crime de lesa pop. “This car of mine” é uma das boas imitações – os World Famous Blue Jays desunhando-se para cantarem afinadinhos e a várias vozes como os mestres. Os Das Damen despacham “Johnny Carson” a 16 r.p.m., ou seja, não são despachados mas sabem como partir uma boa canção aos pedaços e montá-la com as partes trocadas. Os The Records parecem os Táxi “bubblegum” borbulhoso. “Darlin’” a saber a sabonete. Peter Stampfel imita, razoavelmente, Feargal Sharkey, dos Undertones, em “Gonna Hustle You”. Os Untamed Youth transformam “Chug-a-lug” em country punk e os Mooseheart Faith refletem as sonoridades sombrias e psicadélicas de “Wind Chimes” numa das melhores prestações de todo o disco. Os Dos Dragsters prosseguem na mesma veia mas em ritmo de rumba enfeitado com um solo de sax etilizado, no genial “Pet Sounds”.
O segundo lado abre com as habituais distorções terroristas dos Sonic Youth, apostados em despedaçar “I Know There’s an Answer”. “Rockabilly” e entoações maneiristas da escola Bryan Ferry compõem o estilo dos A-Bones, em “Drive-In”. Segue-se uma série de prestações “garage sound” cujos protagonistas são Billy Childish and Three Headcoasts, The Cynics e The Original Sins, respetivamente, em “409”, “Be True to Your School” e “Help Me Rhonda” (este último outro dos grandes clássicos dos Beach Boys).
“I Wanna Pick You Up” desenrola-se na forma de balada excêntrica um pouco à maneira de Peter Blegvad, pela mão dos Sharky’s Machine. Anos 60 e “Mersey beat” são a aposta dos Vacant Lot para “Meet Me in My Dreams Tonight”.
Finalmente, Nikki Sudden e os Mermaids fecham com “Wonderful/Whistle in”, cruzando as tonalidades beachianas com uma atmosfera húmida e sombria que sugere, vagamente, os primeiros Pink Floyd. Pelo meio, Nikki enlouquece, permitindo que um saxofone reptiliano e vocalizações “gospel” transformem o tema em feira de fenómenos.
Ao todo, são dezasseis bandas, juntas na homenagem, frequentemente inspiradas, a um dos maiores e menosprezados génios da música popular contemporânea. “Smiles, Vibes & Harmony” diverte, intriga, às vezes provoca e dá vontade de ir, a correr, comprar todos os discos dos Beach Boys. Só por isso vale a pena.

Brian Wilson – Brian Wilson Presents Smile

01.10.2004
Brian Wilson
Brian Wilson Presents Smile
Elektra Nonesuch, distri. Warner Music
9/10
Brian Wilson Volta a Sorrir

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Custou mas foi, 38 anos decorridos sobre a sua concepção original, em 1966, “Smile”, a obra-prima-que-nunca-chegou-a-sê-lo, foi agora editada com pompa e circunstância, não como um álbum dos Beach Boys, mas como um disco a solo de Brian Wilson, ideólogo e líder do grupo, com o título “Brian Wilson Presents Simle”. A história desta obra maldita conta-se em poucas palavras. Após a edição do aclamado “Pet Sounds”, Brian Wilson subiu ainda mais a fasquia pretendendo a criação de uma verdadeira obra de arte que suplantasse tudo o que fora feito antes em ambos os lados do Atlântico. Chegaram a ser feitas gravações de estúdio mas raza a lenda que a edição de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, terá desferido sobre o ego de Wilson um golpe fatal. O músico terá ficado desmoralizado e achado que “Smile” não estaria à altura deste álbum dos “fabulous four” de Liverpool. Deixado na prateleira, “Smile” foi preterido pelo seu substituto, “Smiley Smile”, onde temas de “Smile” foram refeitos em moldes mais modestos.
“Smile” tornara-se, entretanto, numa obra de culto e numa causa jamais abandonada pelos fãs. Uma versão não oficial do disco chegou a ver a luz do dia mas a obra sumptuosa que Wilson e o seu companheiro letrista Van Dyke Parks, prometeram, nunca chegou aos escaparates. O novo “Smile” pode ser, como diz o seu autor, um “sonho tornado realidade”, mas é difícil tomá-lo como a conclusão do disco perdido original. É verdade que a sua apresentação ao vivo, no Royal Festival Hall, a 20 de Fevereiro deste ano, teve uma recepção estrondosa, o que terá contribuído para Wilson levar avante a gravação, efectuada nos estúdios Sunset Sound, em Hollywood, de 13 a 17 de Abril (no mesmo Studio One, com a sua câmara de eco mantida intacta, onde foram efectuadas sessões nos anos 60 de “Heroes and villains” e “Good Vibrations”). O trabalho de composição, levado a cabo por Wilson e Parks, já fora concluído na Primavera de 2003 mas este “Smile” é algo entre a ideia original e uma obra nova.
Wilson procurou respeitar alguns dos procedimentos dos anos 60, recriando-se a mesma estrutura “modular” das composições, gravadas separadamente de maneira a conservarem um som e textura específicos. Também idêntica foi a execução e gravação, ao vivo, no estúdio, das “masters”, com as cordas e os metais. A consola tubular usada para registar as harmonias vocais é igualmente semelhante à utilizada pelos Beach Boys no Western Studio 3, nos anos 60. As semelhanças ficariam por aqui, se fosse verdadeiramente possível comparar este objecto real com o seu duplo não realizado dos “Sixties”. Podemos, de qualquer forma, comparar os temas com as versões de “Smiley Smile” ou com as que acabaram por ir parar aos alinhamentos de outros álbuns, como “20/20” e “Surf´s Up”.
O novo “Smile” apresenta as orquestrações barrocas idealizadas para o antigo, as vozes dos elementos do novo grupo não são, obviamente, as dos Beach Boys (Wilson, esse não perdeu pitada do seu inconfundível falsetto) embora permaneça o intricado das harmonias vocais. Pegue-se, para fazer o teste definitivo, em “Good Vibrations”, considerada por muitos a melhor canção pop de todos os tempos. As diferenças são subliminares (lá está, igual, a linha floreada do theremin) e mal dão para perceber que este “Smile” pertence a uma época diferente. A voz aparece talvez mais compactada do que na versão original a que estávamos habituados. Seja como for, o melhor mesmo é apreciar “Brian Wilson Presents Smile” como um híbrido dos tempos modernos e deixar uma vez por todas de tentar responder à questão reformulada nas notas de capa: “Does ‘Smile’ really exist?”. Mais do que isto importa realçar que 38 anos não conseguiram apagar o génio de Brian Wilson. E que “Smile” deixou enfim de ser o sorriso enigmático como o da Gioconda para passar a ser uma realidade intemporal.